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Grupo de Trabalho 7
Dimensões da Masculinidade no Brasil: uma discussão conceitual preliminar

Marlise Míriam de Matos Almeida[1]

Os estudos sócio-antropológicos centrados sobre o tema das masculinidades são relativamente recentes. Do ponto de vista que leva em consideração a conceituação de “gênero” e também os avanços promovidos pelo feminismo, estes estudos devem ser remontados às décadas de 70 e 80.

Gomáriz (1992) chega a identificar a partir de um levantamento feito no MIT em 1979, cerca de 1300 estudos sobre as masculinidades.[2] Se desconsideramos o argumento – quase sempre de base feminista – de que estudar a Masculinidade é tão antigo como a própria ciência (já que a denúncia da existência de um bias masculino na produção filosófica, social, antropológica etc. sempre foi bandeira de reivindicação das mulheres, especialmente as da corrente desconstrucionista), poderíamos, segundo Arrilha, Medrado e Ridenti (1998) destacar duas direções tomadas por estes estudos: 1) aqueles que se configuram numa estratégia de aliança com o feminismo – que reconhecem o débito teórico ao mesmo e às suas propostas, inclusive no que concerne ao conceito de gênero e, 2) os estudos autônomos – que não reconhecem na teoria ou praxis feminista um enfoque múltiplo e complexo que dê conta das diferentes articulações entre feminilidade e masculinidade.[3]

Pretendo recortar neste artigo uma “terceira alternativa”. Esta se baseia no compromisso com os dois encaminhamentos anteriores: ao destacar a dimensão dos transperformativos de gênero, ancoro as formulações desenvolvidas aqui em premissas que, se por um lado, certamente têm débito inconteste com as tradições de pensamento feministas; por outro, destacam de forma muito especial o caráter PLURAL, MULTIFORME, HÍBRIDO, COMPLEXO e RADICALMENTE CAMBIANTE das dimensões generificadas do humano (especialmente as identidades e as culturas de gênero).[4]

Acho muito pouco razoável que estudos que pretendam tratar das masculinidades possam ser capazes de, responsavelmente, fazer tábula rasa dos avanços empreendidos pelos estudos de gênero – quase sempre ligados à autoria feminina e feminista. No Brasil, parte significativa da discussão sobre as masculinidades acompanha o fio de continuidade das reivindicações feministas, sobretudo aquelas que procuraram destacar que o conceito de “gênero” possui uma dimensão RELACIONAL. Cabe, pois, investigar o campo masculino como forma de compreensão mais ampliada da interferência e participação efetiva dos gêneros – sempre no plural - nas ações, comportamentos, idéias, afetos e instituições humanas. As contribuições feministas e femininas aqui não podem ser negligenciadas.

Estou explorando em minha atual pesquisa quatro vetores de forças que recortam as masculinidades a partir de um olhar que privilegia a sensibilidade, ou seja, estarei operando com campos qualitativos do território de construção das identidades e culturas masculinas de gênero que se organizam muito mais ao redor daquilo que podemos definir como “paradigma das intensidades”. Nesta direção, sexualidade e erotismo, emocionalidade e afetividade, corporalidade e sociabilidade criam uma rede de forças/intensidades que destacam das masculinidades aspectos até agora bastante negligenciados, seja do ponto de vista teórico ou empírico. Esta tentativa faz sentido na medida em que entendemos o que Duarte (1999) pretende expor como a relação entre o dispositivo da sensibilidade e o dispositivo da sexualidade enquanto um “fenômeno cultural complexo, um movimento histórico de longa duração que jaz no âmago da cultura ocidental moderna”.[5] È assim que estes quatro vetores são tentativamente abordados com a devida delicadeza epistemológica através de uma metodologia especial desenvolvida através de “entrevistas transferenciais” procurando, então, um resgate destas intensidades em algumas das facetas da masculinidade brasileira. Volto a discutir esta abordagem ao final do artigo.

Cabe salientar no entanto que parte importante da literatura já estabelecida na área das masculinidades postulou uma distinção que me parece problemática: a que baliza suas análise sobre os conceitos de “masculinidade hegemônica” e “masculinidade subordinada/ subalterna”, Connell (1995)[6] e Kimmel e Messner (1995).[7] Este artigo pretende discutir algumas conseqüências da adoção de tais conceitos para as análises da masculinidade.

Para Connell ainda que “a masculinidade não seja um objeto coerente acerca do qual se possa produzir uma ciência generalizadora”,[8] e ainda que seja claramente reconhecido o débito relacional do conceito,[9] na minha opinião, é criada uma armadilha conceitual perigosa quando se lança mão do conceito gramsciano de “hegemonia”.[10]

Depois de discutir as teorias essencialistas, as teorias do positivismo etnográfico (baseadas em escalas definidas de masculinidade/feminilidade), as definições normativas da masculinidade presentes especialmente nos estudos sobre meios de comunicação e também os enfoques semióticos, Connel conclui - com absoluta pertinência - que “no lugar de definir a masculinidade como objeto (de caráter “natural”, conduta mediana ou norma), necessitamos nos centrar nos processos e relações por meio das quais os homens e mulheres têm as suas vidas inseridas na dimensão de gênero”.[11]

Assim, relevando uma dimensão da análise de gênero que incorpore o processo e as práticas sociais como fundamentais na construção dinâmica das masculinidades, este autor (que acompanha aqui a posição inaugural - já cinqüentenária - de Simone de Beauvoir)[12] pode claramente ser inserido numa perspectiva existencialista onde masculinidade e feminilidade são postuladas como “projetos de gênero”.[13] Tais “projetos” reconhecem a existência de várias estruturas de relação e diferentes trajetórias históricas que podem ocasionar às masculinidades experiências tanto de contradições internas quanto de rupturas históricas, procurando demonstrar que as mesmas não obedecem a um processo único ou mesmo linear. Recorrendo às análises de gênero já clássicas de Mitchell (1971)[14] e Rubin (1975)[15], Connell “reconhece” três dimensões presentes nas masculinidades (que inclusive estariam sendo confrontadas por intensas transformações e mudanças no mundo contemporâneo):

as relações de poder: cujo eixo primordial é a subordinação geral das mulheres e a dominação dos homens – o poder patriarcal (historicamente em colapso com relação à legitimidade – sic.);

as relações de produção no mundo do trabalho: também claramente assimétricas no que se refere à dimensão de gênero (desafiadas pelo emprego feminino em massa e a maior incorporação da mão de obra feminina na economia monetária dos países, sobretudo os pobres);

as relações emocionais ou cathexis: sobretudo desejo sexual e diferentes práticas que o atualizam (desafiadas pela tentativa de estabilização das identidades lésbicas e gays, como alternativa pública à heterossexualidade).

Complexificando sua estratégia de definição conceitual e reconhecendo a “aceitação do efeito combinado entre gênero, raça e classe” é que o autor vai propor o conceito de masculinidade hegemônica. Nas suas palavras: “A masculinidade hegemônica não é um tipo de caráter fixo - o mesmo sempre e em todas as partes. É, muito mais, a masculinidade que ocupa a posição de hegemonia num modelo dado de relações de gênero, uma posição sempre discutível”.[16] Portanto, partindo da posição explícita de que podem existir múltiplas masculinidades, estas podendo variar histórica e culturalmente, o autor se propõe a “considerar as práticas e relações que constróem os principais padrões de masculinidade que imperam atualmente no ocidente” que são:[17] a hegemonia/dominação, a subordinação, a cumplicidade e a marginalização/autorização.

Começam aqui meus questionamentos: do ponto de vista estrito da análise relacional de gênero, a “hegemonia” masculina nas civilizações ocidentais – em termos de dominação e/ou relações patriarcais e patrimoniais – é quase um pressuposto. Neste sentido parece-me delicado postular subordinação ou marginalização para as masculinidades pois a mesma é, e infelizmente continua sendo, claramente dominante (ainda que o homem seja gay, negro ou de outra raça/etnia não branca) quando comparada com a feminilidade. Nesta direção, ainda hoje é socialmente dominante um homem gay em relação a uma mulher lésbica, um homem negro em relação a uma mulher negra, um homem latino em relação a uma mulher latina e assim por diante.

Meu argumento aqui é que, para a análise relacional dos gêneros (sempre no plural), ainda que o conceito gramsciano possa ser sofisticado e atender a necessidades teóricas específicas dentro do tema da masculinidade (que também procurarei aqui criticar), ele vem impregnado da leitura marxista. Esta leitura tenta destacar com o conceito uma das características mais essenciais da filosofia da praxis marxista contemporânea que é a descrição deste processo a partir da dinâmica de uma sociedade baseada em classes. Este fato ameniza e subtrai da dinâmica propriamente de gênero seu caráter autônomo, sua posição enquanto esfera definidora de padrões interacionais relevantes à masculinidade pois a subentende à dinâmica das classes sociais. Além do mais a adoção da perspectiva marxista acaba se transformando num problema, justamente para o caráter RELACIONAL ENTRE OS GÊNEROS, pois esbarra em fronteiras politicamente complicadas já que, no mínimo, ameniza a assimetria relacional e radical de poder entre homens e mulheres, diluindo-a nas muitas e variadas posições políticas e culturais que ancoram lugares distintos para configurações de classes diferentes para as masculinidades.

Para sermos, de fato, mais precisos sobre a análise da hegemonia “é o próprio Gramsci quem recusa a paternidade desse conceito, embora frisando sua importância”, segundo a análise que nos faz Hugues Portelli.[18] Por diversas vezes Gramsci vai ver a origem desta noção na obra e ação políticas de Lênin. Por exemplo, nos Cadernos ele afirma que “o princípio teórico-prático da hegemonia (...) é a maior contribuição teórica de Ilitch (Lênin) à filosofia da praxis”, assim como também seria uma contribuição de Stalin.[19] O conceito, que sem dúvidas, será relido pelo olhar gramsciano, remonta a um sistema que opera através de quatro características: 1) um caráter evidente de classe social (intimamente articulado à noção de ditadura do proletariado como classe dirigente); 2) um caráter também cultural e ideológico que reflete uma organização intelectual (que nos reporta a um monopólio intelectual, uma atração que seus próprios representantes suscitam em outras camadas de intelectuais); 3) uma base “social” mais ampla (no sentido de que a classe do proletariado precisará se apoiar em grupos aliados, por ex. o campesinato); e, 4) uma forma de correlação de forças (que implica tanto a luta política contra o Estado burguês quanto a luta contra a classe dirigente dentro da sociedade civil). Para o marxismo, os conceitos de hegemonia e de sociedade civil postulados por Gramsci significaram enorme renovação.[20]

Ao fim e ao cabo a hegemonia para Gramsci se dá na primazia da sociedade civil (uma nova esfera do ser social capitalista, o mundo das auto-organizações, “os aparelhos privados de hegemonia”) sobre a sociedade política (aparelhos do Estado); é por este conceito se torna possível apreender o Bloco Histórico enquanto processo, transitoriedade (voltarei a este ponto mais tarde).[21]

Em qual destas características encaixar a noção defendida por Connell de uma masculinidade hegemônica? Para responder a esta questão será preciso ir um pouco mais além desta primeira abordagem. Ainda que seja este o primeiro conteúdo – materialista histórico, marxista-leninista-stalinista e baseado na luta de classes - do conceito de hegemonia, é possível encontrar na segunda característica descrita acima pontos que tornam possível (mas não tenho certeza se útil) a aproximação de Gramsci.

Na dimensão “intelectualizante” e “culturalizante” da hegemonia podemos encontrar duas linhas principais que, estas sim, fazem sentido à proposta desenvolvida por Connell. Estas linhas apontam para: de um lado, a hegemonia intelectual (“enquanto um centro diretor sobre os intelectuais”[22]) que pode ser vista como “concepção geral da vida, uma filosofia que ofereça aos aderentes uma ‘dignidade’ intelectual que crie um princípio de distinção” e também, por outro lado, como “um programa escolar, um princípio educativo e pedagógico original”. Aqui é possível começar a entender melhor a aproximação entre os conceitos: enquanto “padrão” dominante, a masculinidade hegemônica pode ser pensada como concepção geral de vida ou ainda como princípio pedagógico que visa disciplinar, organizar e definir um tipo específico de relacionamento de gênero, claramente assimétrico e que por um efeito de atração anula a sobrevivência de “grupos rivais”, promovendo sua expansão ideológica claramente identificável. Tanto o patriarcalismo, quanto o machismo podem ser muito bem identificados sob esta ótica.

E aqui retomo minha crítica: qual a vantagem teórica de postular o conceito de masculinidade hegemônica se já possuímos uma construção téorico-conceitual muito bem amarrada e sofisticadamente elaborada a partir da própria análise desenvolvida sobre o conceito de patriarcado? Sylvia Walby (1990),[23] por exemplo e apenas para citar uma das autoras que se dedicou a estes esforços, destacou da cultura patriarcal cinco importantes estruturas (que eu procurei definir recentemente em tese de doutoramento, recorrendo a Simmel, como sendo “uma das formas específicas de cultura objetiva de gênero”, p.15):[24] 1) um modo patriarcal de produção – o trabalho doméstico; 2) relações patriarcais de trabalho remunerado; 3) relações patriarcais no Estado; 4) a violência masculina e; 5) relações patriarcais de sexualidade. [25]

Estas são algumas dimensões específicas do exercício da masculinidade hegemônica sobre as mulheres na nossa sociedade ocidental. Na minha opinião o acréscimo do adjetivo “hegemonia” é desnecessário pois como já discuti anteriormente, assim conceituada a dominação masculina ou o regime do patriarcado terminam por dissimular o caráter eminentemente relacional entre gêneros (com referência às mulheres).

Vejamos, então se, do ponto de vista da DIMENSÃO RELACIONAL INTRAGÊNERO, ou seja, dentro das discussões sobre as experiências e configurações práticas de gênero masculinas, o conceito pode ser útil. Como nos diz Connell há uma “tendência de crise” (p.43) que está operando transformações substanciais nas relações de gênero. Esta tendência revela mudanças nas masculinidades, e é neste sentido também que, mais uma vez, a postulação da masculinidade hegemônica, em minha opinião, se torna problemática pois ela apenas vai refletir, justamente, aquilo que não mudou, ou seja, o que ainda permanece como dominante na própria masculinidade (a supremacia da heterossexualidade sobre a homossexualidade, da raça branca sobre as outras raças etc.).

Se combinamos as relações inter e entre gêneros e se formos rigorosos, em quais aspectos esta hegemonia é diferente pensada na relação com a categoria de gênero feminino? Por acaso as mulheres brancas não detêm a hegemonia com relação às mulheres negras? As mulheres heterossexuais não são hegemônicas com relação às mulheres homossexuais? Portanto, nem mesmo com relação à especificidade das masculinidades (homens heterossexuais em relação aos gays, homens brancos em relação aos negros etc.) o conceito de hegemonia me parece se sustentar, não me apresentando, nenhum avanço substantivo do ponto de vista téorico-conceitual.

Além do mais, na posição defendida por Gramsci, as classes subalternas/subordinadas estão em constante luta/embate político para alcançar a posição legitimada e hegemônica. Não acredito ser exatamente esta a posição defendida, por exemplo, para as políticas de identidade homossexual (ou outras). Posições “alternativas” ao modelo hegemônico de masculinidade – homens pobres, gays, latinos, heterossexuais “acovardados”, “barbies”, travestis etc. – justamente por discordarem de uma posição que possa se definir como modelar ou definitiva para as vicissitudes da masculinidade, podem preconizar reivindicação não por uma UNIDADE ou HEGEMONIA mas pela DIFERENÇA, pelo direito inalienável a SER DIFERENTE (sem que com isto se deseje uma posição de distinção ou de privilégio local, especial e hegemônico)[26].

Ainda que eu deva reconhecer que as propostas de política identitária levadas a cabo pelo movimento de conscientização homossexual nos EEUU sejam bastante distintas daquelas defendidas pelo movimento aqui no Brasil (inclusive é preciso reconhecer que lá fora a batalha por hegemonia é ostensivamente levada a cabo e aqui nem tanto). E tal reconhecimento não significa, definitivamente, que eu esteja fazendo algum julgamento de valor a respeito do projeto e das dinâmicas de nenhum dos dois movimentos; estou apenas reconhecendo arestas de singularização que podem clarificar melhor as críticas que procuro priorizar aqui.

Quando um de meus entrevistados homoeroticamente inclinado, por exemplo, afirma que possui sete “pitboys” e que ele claramente controla e comanda do ponto de vista do relacionamento (designação que ele usa para definir o círculo de homens casados – portanto, “oficialmente” heterossexuais - que lhe fazem o entorno, a “corte”, como ele mesmo diz e que com freqüência tentam seduzi-lo), quem ocupa a posição de masculinidade hegemônica? Ainda num outro exemplo, também de um entrevistado gay que se relaciona com freqüência com homens considerados “oficialmente” machos viris – tais como: sargentos da Polícia Militar, agentes especiais do Exército, casados e com vários filhos; quem ocupa a posição masculina hegemônica ou é o modelo normativo masculino? 

 Como reconhece o próprio Connell “um grande número de homens tem alguma conexão com o projeto hegemônico, mas não encarna a masculinidade hegemônica”.[27] Assim não consigo enxergar muita utilidade no uso deste conceito que acaba precisando ser, quase sempre, relativizado, circunscrito e delimitado a proposições que recortem a multiplicidade (esta sim, em minha opinião um achado conceitual primorosamente mais interessante).

Já os conceitos de “marginalização” e “cumplicidade” possuem um teor ideológico claramente identificável. Não que isto, por si seja problemático: TODOS os conceitos são sempre atravessados por ideologias e pressupostos iniciais. A “cumplicidade” pode ser considerada, inclusive “politicamente correta”, sendo por este mesmo motivo, simpática às posições feministas, por exemplo. Mas a posição de “marginalização” enquanto carregada da “autorização da masculinidade hegemônica do grupo dominante”[28] traz consigo o mesmo problema que me referi a respeito do conceito de masculinidade hegemônica.

Desde Weber, o antagonismo de valores presente no mundo social nos impede de elaborar pressuposições que definitivamente atribuam posições, lugares e/ou papéis definitivos para o ser humano. Esta posição é ainda mais evidente e contundente para a dimensão relacional de gênero onde várias dinâmicas estão atuando e promovendo um fluxo intenso de transformações e mudanças. Se as estruturas de relações de gênero se formam e se transformam no tempo, historicamente são cambiantes, toda “hegemonia” ou “marginalização” masculina necessitará, com urgência, de alguma relativização, algum recorte que possa fazer sentido nas condições históricas vigentes.

Acredito que se o leitor vier a optar pelo uso destes conceitos, devem ser levados em consideração estes pontos levantados aqui. Penso ainda que estes conceitos podem ser importantes na esfera da análise do sistema de dominação masculina, por exemplo. Nas relações de PODER estes conceitos que são auxiliares nas definições de masculinidade podem vir a ocupar uma posição específica, mas, como já salientei anteriormente, as relações de gênero na masculinidade também deverão incorporar outras dimensões conceituais. Eu mesma estou desenvolvendo pesquisa que tenta resgatar aspectos que, sendo atravessados por vetores políticos, colocam em evidência OUTRAS dimensões (quase sempre negligenciadas) do gênero conjugado no masculino, como já indiquei: o corpo, as emoções/afetos e também o erotismo e a sexualidade vividos no masculino.

Aqui cabe ainda registrar que a esfera/sistema de uma dominação masculina[29] analisada quase como um a priori pressupõe certamente um débito das masculinidades à dinâmica perpetrada pelo social, naquilo que Connell define como “dividendo patriarcal” (p. 43). Em termos de honrarias, prestígio e status sociais e também a respeito do direito de mando, os homens ocupam a posição de privilégio social e simbólico que claramente ao longo de milhares de anos vem sendo convertido em privilégio real e material (sobretudo no mercado de trabalho). É por isto que, ainda que eu esteja aqui operando com vetores da masculinidade que possam ser reduzidos à esfera da personalidade ou da identidade de gênero masculina, gostaria de destacar que qualquer análise deste tema precisa também se preocupar e ter em seu horizonte uma reflexão sobre a justiça social entre os diferentes e as diferenças de gêneros.

Ainda que possamos identificar uma crise da masculinidade ou mesmo um colapso na legitimidade do poder patriarcal (posição esta que também precisa ser relativizada, sobretudo no nosso Brasil), em minha opinião, esta transformação se tornará verdadeiramente interessante quando formos capazes de identificar os “grupos subalternos” (masculinidades subalternas, marginalizadas etc.) deixando de se entregar à posição de passividade e tomando para si a tarefa fundamental desta mesma transformação social, não relegando este trabalho fundamental unicamente às mulheres, aos negros e aos homossexuais. E é aqui que uma análise balizada pelo olhar de Gramsci pode ser mais relevante: muito mais pela conceituação e o peso que vai ser atribuída à participação política e cultural da sociedade civil (que inclui aqueles homens que não se encontram identificados com a posição de masculinidade hegemônica) neste processo de mudanças, do que pelo recurso ao conceito de hegemonia.

Numa fase de capitalismo tardio e globalizado, caracterizado por relações de força que não se restringem mais aos vetores puramente econômicos, é o conceito de sociedade civil que vem ocupar posição de destaque no processo histórico. Naquilo que alguns autores definem como “voluntarismo” gramsciano é que identifico a possibilidade de real transformação nas relações de gênero. Gramsci confere um novo estatuto ao conjunto das superestruturas, decorrente de nova forma de encarar o problema das subjetividades, tomando-as como componentes do real, elementos vivos e ativos neste processo. Partindo da necessidade de enraizar a ação na própria realidade, levando em consideração as condições objetivas e situando a ação política no tempo e espaço que as torne adequadas ao estágio de desenvolvimento da própria sociedade na qual ela se insere, Gramsci pretendeu organizar, de fato, a “vontade coletiva”: “uma consciência atuante da necessidade histórica, como protagonista de um drama histórico real e efetivo”.[30]

Assim, recupero de Gramsci este caráter necessário de “reforma”: intelectual e moral operada através de lutas ideológicas, políticas, culturais e sociais acionadas de dentro da sociedade civil – o que inclui homens e mulheres, inclusive nós da academia. Está claro que a transformação efetiva das estruturas de gênero passam por ai: de iniciativas cruciais como o movimento feminista, o movimento negro, os grupos de conscientização homossexual etc., hoje atores ativos dessa complexa sociedade civil – que, como Gramsci previu, se transformou em nosso “sistema de trincheiras na guerra moderna” contra as “irrupções catastróficas do elemento econômico mais imediato”[31], MAS não apenas destes. É assim que alguns meios culturais-políticos-psico-sociais (a escola, inclusive as Universidades, religiões, grupos de conscientização, movimentos sociais, ONG’s, partidos políticos etc. configurando esta sociedade política e civil na contemporaneidade) terminam por funcionar como “fortalezas” do bloco histórico, nossos mais fortes instrumentos de luta pela emancipação dos “grupos subalternos”, visando uma mobilização no sentido do exercício da direção ideológica e cultural da sociedade, antes mesmo de assumir posições que se refiram ao poder do Estado.

Enfim, acredito que a análise de Gramsci possa ser útil aos propósitos da análise das masculinidades mas sob este prisma: o da análise não de uma “tomada” do poder, mas de uma “formação” desse poder pela sociedade civil e política contemporâneas. E “nesta perspectiva se coloca como um falso problema a questão da possibilidade de exercer a hegemonia antes de dominar o aparelho de Estado; porque essa impossibilidade seria a eliminação de qualquer possibilidade de criação de um novo bloco histórico”[32]. Este sim pode ser um ponto de verdadeira importância para a discussão dos gêneros conjugados no masculino: transformá-los, poder acompanhar as condições de possibilidade onde são criadas as referências que organizam este processo intenso de mudanças de gênero que se encontra, de fato, em curso em nossa sociedade brasileira e valorizá-las.

Neste contexto a hegemonia passa a ser entendida como o novo modo de ser da sociedade civil, representada então por uma frente cultural e ideológica – o que Gramsci chama de “fator intelectual” – que precisa se responsabilizar por empreender a reforma intelectual e moral (ligada intimamente a transformações nas relações econômicas) de que precisamos com urgência. Este processo já se encontra em andamento em cada um de nós, e especialmente entre nós da academia que ocupamos posição ativa na medida em que contribuímos, teórica e empiricamente, direta e indiretamente, para respaldar (ou não) tais avanços.[33]

Para Gramsci essa “outra” hegemonia possui dois modos de se manifestar: ou pela força da coerção/domínio ou pela persuasão/direção moral e intelectual. A reformulação que discuto e que acredito, se encontra em curso do ponto de vista das masculinidades, responde pelo segundo modo e pode vir a se dar com a aceitação coletiva pelo direito às diferenças – inclusive entre os homens e também entre eles e as mulheres -, na direção de uma “democracia cosmopolita”, como nos diz Rouanet (1999).[34]

Exercendo aqui esta responsabilidade (e me comprometendo, desde já com ela) acredito que certas mudanças de vocabulário, naquilo a que se refiram às discussões conceituais sobre masculinidade, tenham impacto político decisivo sobre os encaminhamentos do tema em nosso espaço acadêmico. Proponho, portanto, outra perspectiva conceitual para lidarmos com as masculinidades a partir de um olhar que privilegia a vertente da “sensibilidade” (Duarte,1999). O ponto de partida é o das masculinidades revistas através de um claro processo de destradicionalização já identificável na cultura brasileira. O conceito de “masculinidades sexistas”[35] ou “tradicionais” incorpora perfeitamente bem os domínios da masculinidade em contextos amplamente já analisados e discutidos de dominação e hegemonia masculina: patriarcal e patrimonial. Mas estas podem (e devem) ser redefinidas, questionadas, transformadas; não sendo, portanto, estáticas ou definitivamente permanentes mas alvos de contestação permanente. Esta é a condição de possibilidade para se pensar em futuros alternativos para as interações entre e inter gêneros (bem como também para as mesmas articulações quando pensamos nas raças, etnias e classes sociais).

Desconstruindo ou destradicionalizando tais “masculinidades sexistas” encontro os exercícios de múltiplas “masculinidades reinventadas”[36]: experiências sensíveis e alternativas de vivência do masculino, seja no plano identitário ou cultural. As “masculinidades reinventadas” (atuantes, por exemplo, nas identidades masculinas homoeróticas ou heteroeróticas “alternativas”, nas culturas de gênero “alternativas” como os GLS ou a cultura especificamente gay, na cultura masculina negra etc.) podem, por sua vez, se institucionalizar ou ocupar posições de poder diversas e cambiantes frente às vicissitudes da experiência masculina.

Assim posso também me referir à “masculinidade homoerótica” (ao tratar da identidade masculina de gays) e à “masculinidade heteroerótica reinventada” ou “destradicionalizada” (referindo-me agora à identidade masculina em franco processo de reformulação). Estas duas, em especial, conferem um caráter positivo, afirmativo para a experiência de transformação nos parâmetros das identidades e culturas masculinas que o conceito anterior de “masculinidade subalterna” está muito longe de poder abarcar. No restante da pesquisa desenvolvo estas outras perspectivas conceituais, procurando salientar as conseqüências que a sua adoção pode ter para o tema das masculinidades.

Cabe sinalizar apenas que as transformações que podem ser evidenciadas na direção dessa desconstrução na posição legitimada de dominação masculina rumo à elaboração de “novos” ou outros cenários e trajetórias de gênero masculinas, devem também ser tributadas ao intenso processo de “individuação” (Beck e Beck-Gernsheim, 1996) da modernidade tardia. Para não resvalar numa versão idealizada deste processo é importante salientar aqui que este se dá quase sempre de forma ambivalente: na direção de uma desintegração das formas sociais previamente existentes, o que significa em certa medida uma espécie de “libertação” – que para esta análise significaria um “colapso” ou uma “crise” nas biografias masculinas dominantes e dominadoras – e também no sentido que este processo é vivido ao mesmo tempo a partir do surgimento de outras novas formas de demandas, controles e constrangimentos impostos sobre cada um (o que Sartre designava por “condenação à individualização” e que Beck & Beck-Gernsheim chamam por “compulsão à individualização”)[37]. Ou seja, algo como as “masculinidades reinventadas” vão demandar dos homens muito mais flexibilidade, negociação, tenacidade e tolerância às frustrações, suas biografias passam a ser alvo de intensa reflexividade e autodeterminação, gerando em conseqüência um estado permanente de “risco”: tudo passa a ser de sua responsabilidade.[38]

Reconheço, contudo, que esta proposta é apenas um passo em um longo processo de caminhada: a de uma luta ideológica e intelectual em que são dispensáveis os tais meios coercitivos (inclusive os de legitimação do Estado) em prol desta “fase” atual em que estaríamos buscando a adesão moral de nossos pares e também dos muitos outros.

Se a desagregação do bloco histórico, para Gramsci é a crise da hegemonia dominante, por sua vez, nos propósitos deste trabalho, esta será a crise da hegemonia da dominação masculina: e cada um de nós tem sua parcela de contribuição nesta crise (ainda esta se constitua na passividade ou mesmo na omissão). Nós intelectuais temos também nossa responsabilidade neste importante processo. Espero, sinceramente, que sejamos capazes não apenas de sinalizar e discutir os pontos que durante anos configuraram estruturas de dominação hegemônica e masculina, MAS que sejamos igualmente sensíveis e competentes o suficiente para definir para a crise uma outra direção: quem sabe a de um exercício real de democracia que considero ser verdadeiramente possível entre os gêneros, as raças e também as classes sociais muito mais do que estas “liberdades precárias” (Beck e Beck-Gernsheim, 1996)com as quais já nos acomodamos e nos acostumamos a conviver.

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WALBY, Sylvia. (1990) Theorinzing Pathriarchy, Cambridge, Basil Blackwell.


[1] Psicóloga formada pela UFMG, Mestre em Teoria Psicanalítica pela UFRJ, Doutora em Ciências Humanas - Sociologia pelo IUPERJ. Atualmente é Professora Agregada de Teoria Sociológica e Metodologia no Departamento de “Sociologia e Política” da PUC-Rio e Pesquisadora Bolsista do PRODIR III (Fundação Carlos Chagas e Fundação McArthur).

[2] GOMARIZ, Enrique (1992) Los estudos de Género y sus Fuentes Epistemológicas: periodización y perspectivas, In: ISIS Internationa/Santiago, Género y Cambio Civilizatorio.

[3] ARRILHA, Margareth, RIDENTI, Sandra e MEDRADO, Benedito (orgs.) (1998) Homens e Masculinidades: outras palavras, São Paulo, Ed. 34, p.19.

[4] Não pretendo discutir aqui esta conceituação, os leitores poderão encontrá-la amplamente desenvolvida em minha tese de Doutoramento em Sociologia no IUPERJ, Reinvenções dos Vínculos Amorosos: Cultura e Identidade de Gênero na Modernidade Tardia, Outubro de 1998 ou aguardarem a sua publicação que deverá ocorrer em Junho deste mesmo ano por um convênio editorial entre o IUPERJ e a Editora da UFMG.

[5] DUARTE, Luis Fernando. Dias (1999) O Império dos Sentidos: sensibilidade, sensualidade e sexualidade na cultura ocidental moderna, p. 28.

[6] CONNEL, R.W. (1995) La Organización social de la Masculinidad. In: Revista ISIS International, “Masculinidad/es: Poder y Crisis”, VALDES, Teresa & OLIVARRÍA, José (eds.), Ediciones de las Mujeres no. 24.

[7] KIMMEL, Michael e MESSNER, M. (eds.) (1995) Men´s Lives, London, Allyn and Bacon Press.

[8] CONNELL, La Organización social de la Masculinidad, 1995, p. 31, tradução minha.

[9] Como nos diz o autor: “...Mas o conceito é também inerentemente relacional. A masculinidade existe só em contraste com a feminilidade” (CONNELL, La Organización social de la Masculinidad, 1995, tradução e negritos meus, itálicos do autor), p. 32.

[10] Aliás cabe até destacar que Gramsci parece ser um dos autores que se encontram “na moda” ultimamente. Apenas a título de ilustração chamo a atenção dos leitores para o Caderno Mais do Domingo de 21 de novembro de 1999, quase na sua íntegra dedicado a este autor promovido pela notícia da publicação integral da obra de Gramsci pela Ed. Civilização Brasileira (organização de Carlos Nelson Coutinho). Sob este aspecto Rouanet (neste mesmo Caderno, à p. 07) afirma: “Voga de Gramsci pertence ao passado, mas suas idéias podem inspirar o projeto de um sistema político global”.

[11] CONNELL, La Organización social de la Masculinidad, 1995, p. 35, tradução e itálicos meus.

[12] BEAUVOIR, Simone de (1949), O Segundo Sexo . Ver também artigo meu intitulado Simone de Beauvoir: uma luz em nosso caminho, Cadernos de Pagu, UNICAMP, Dezembro de 1999.

[13] CONNELL, La Organización social de la Masculinidad, 1995, palavras do próprio autor, p.36.

[14] MITCHELL, Juliet (1971) Psychoanalyses and Feminism, Harmondsworth, Penguin Books.

[15] RUBIN, Gayle (1975) The Traffic on Women, In: REITER, R. (ed.) Toward an Anthropology of Women, Nova York, Monthly Review Press.

[16] CONNELL, La Organización social de la Masculinidad, 1995, p.39, tradução minha, itálicos do autor p.39, tradução minha, itálicos do autor.

[17] CONNELL, La Organización social de la Masculinidad, 1995, p. 39, tradução e itálicos meus

[18] Ver PORTELLI, Gramsci e o Bloco Histórico, 1977, p. 61.

[19] Ver GRAMSCI, O Materialismo Histórico e a Filosofia de Benedetto Croce, 1987, p.39.

[20] Carlos Nelson Coutinho (1999), em entrevista ao Caderno Mais, citado à nota 10, chega a afirmar que ”foi principalmente por causa deles que a que o marxismo se tornou contemporâneo no século 20 e, espero, também no século 21”, p. 04.

[21] Para Gramsci: “a estrutura e as superestruturas formam um bloco histórico, isto é, o conjunto complexo - contraditório e discordante – das superestruturas é o reflexo do conjunto das relações sociais de produção... O raciocínio se baseia sobre a necessária reciprocidade entre estrutura e superestrutura (reciprocidade que é precisamente o processo dialético rela)”,GRAMSCI, Concepção Dialética da História, 1995, ps. 52-53.

[22] PORTELLI, Gramsci e o Bloco Histórico, 1977, p. 66.

[23] Ver WALBY, Sylvia, Theorinzing Pathriarchy, 1990, Cambridge: Basil Blackwell.

[24] Ver nota 04.

[25] WALBY, Theorinzing Pathriarchy, 1990, p. 39.

[26] A respeito da discussão sobre Igualdade e Diferença, inclusive com relação às questões de gênero mas não apenas elas, remeto o leitor ao recente livro de PIERUCCI, Antônio Flávio (1999)Ciladas da Diferença, São Paulo, Ed. 34. Neste o autor destaca uma “atmosfera cultural e ideológica inteiramente nova” com relação à percepção de que somos “diferentes de fato” (p. 07), que estaríamos passando por um momento histórico de sensibilização para a experiência de que “somos portadores de pertenças culturais diferentes” de forma a constatarmos que “os tempos pós-coloniais são o ‘tempo da diferença’ ” (p. 175). Pierucci vai salientar com refinamento e perspicácia, contudo, que se existem as diferenças também vão existir certas “ciladas” que esta aventura pelos meandros da diferenciação pode vir a trazer para o projeto ideológico da busca da igualdade, destacando, sobretudo que “uma política que hoje queira agir sobre as condições de vida reais dos ‘diferentes’ deva[devesse] preocupar-se também em reconstruir ‘o geral’ e não se deixar cair presa de essencialização das diferenças com vistas à sua institucionalização e canonização” (p. 117).

[27] CONNELL, La Organización social de la Masculinidad, 1995, p. 41.

[28] CONNELL, La Organización social de la Masculinidad, 1995, p. 42.

[29] Especialmente sobre este tema Pierre BOURDIEU publicou seu livro A Dominação Masculina (1999), Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, que eu mesma procurei criticar em recente trabalho apresentado no IX Encontro da Sociedade Brasileira de Sociologia intitulado: “Acerca da Dominação Masculina: de Bourdieu a Latour passando pelo Brasil - como resgatar dimensões mais plurais de análise para as relações de gênero”, GT “Gênero e Sociedade”, SBS, Porto Alegre, Agosto de 1999.

[30] GRAMSCI, Maquiavel, a Política e o Estado Moderno, 1991, p. 07.

[31] GRAMSCI, Maquiavel, a Política e o Estado Moderno, 1991, p.73.

[32] VIEIRA, Gema G. Fontes (1989), Conhecimento e Hegemonia: uma Leitura de Gramsci, Dissertação de Mestrado, Departamento de Filosofia, PUC-Rio, p. 23.

[33] Aqui lembro a posição do “intelectual orgânico” gramsciano que teria como função integrar a vida social e política à realidade da produção material garantindo a compatibilidade entre concepções de mundo e as práticas sociais e econômicas. Desta forma cada um de nós que produz e reproduz saber sobre gênero está interferindo no processo social, alguns com mais poder e autoridade do que outros, por certo, mas colaborando – como agentes do confronto no espaço do saber – para a construção da perspectiva ou de um outro consenso (ou hegemonia) para as relações pautadas pelo gênero.

[34] Ver o artigo Gramsci: A Democracia Cosmopolita, no Caderno Mais referido à nota 08, de Sérgio Paulo Rouanet que nos diz: “a matriz gramsciana pode contribuir para essa reflexão com uma utopia: a de uma nova ‘civilitá’, que seria algo como a ‘idéia reguladora’ da democracia cosmopolita. É o projeto, inalcançável, mas irrenunciável de uma civilização planetária, que segundo Gramsci teria ‘as características de massa da Reforma protestante e do Iluminismo francês e as características de classicismo da cultura Grega e do Renascimento italiano, uma cultura que sintetize Kant e Robespierre, em uma dialética intrínseca a um grupo social, não só francês ou alemão, mas europeu e mundial” (p. 07).

[35] A designação de “masculinidade sexista” me foi sugerida por Antônio Flávio Pierucci em comunicação pessoal, no mês de dezembro de 1999.

[36] A responsabilidade por esta outra designação, por sua vez, deve ser atribuída a mim própria.

[37] BECK, Ulrich & BECK-GERNSHEIM, Elisabeth. (1986)Individualization and “Precarious Freedoms”: Perspectives and Controversies of a Sujected-oriented Sociology”. In: HEELAS, Paul., LASH, Scott & MORRIS, Paul, Detrationalization, Cambridge e Oxford: Blackwell Publisher, p. 24/5.

[38] Nas palavras de Beck & Beck-Gernsheim, (1986)Individualization and “Precarious Freedoms”: “A biografia normal então se transforma numa ‘biografia eletiva’, numa ‘biografia reflexiva’, na ‘biografia faça-você-mesmo’. Isto não acontece por acaso e nem necessariamente é um processo bem sucedido. A biografia faça-você-mesmo é sempre uma ‘biografia em risco’, uma ‘biografia apertada’, em estado de risco permanente (parcialmente aberta, parcialmente encoberta)”, p. 25, tradução minha.