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Grupo
de Trabalho 6 Wivian Weller[1]
Introdução Este
texto é resultado de algumas reflexões desenvolvidas para a tese de doutorado
que estou escrevendo sobre ‘Estilos, experiências discriminatórias e formação
de identidades em grupos juvenis: uma análise comparativa entre rappers
negros em São Paulo e rappers de origem turca em Berlim.’ Neste estudo
comparativo sobre a gênese, estrutura e função dos grupos de rap em São
Paulo e em Berlim estou analisando o desenvolvimento e as características
de um movimento sociocultural que surgiu nos guetos novaiorquinos[2]
na década de setenta e se expandiu mundialmente, tornando-se uma referência
fundamental principalmente para as minorias étnicas na Europa[3]
e para jovens negros, residentes em bairros periféricos das grandes metrópoles
da América Latina e África. Apesar
das diferenças históricas, políticas e sociais entre o Brasil e a Alemanha,
existem muitos paralelos entre os estilos e forma de vida dos grupos jovens
de origem turca em Berlim e dos jovens negros em São Paulo, como por ex.
:
Neste
texto estarei apresentando algumas interpretações sobre a importância
do HipHop na orientação coletiva e na construção de identidades em grupos
juvenis, tomando como base três entrevistas de grupo realizadas em São
Paulo e Berlim[4],
cujos grupos passarei a chamar de Atitude[5],
Skateboard[6]
e Ideale[7]. Grupo
Atitude Para
o grupo Atitude o HipHop desenvolveu
um papel fundamental no processo de identificação étnica ou de “identificação
com a raça” utilizando as palavras dos jovens rappers proporcionando elementos
positivos para a construção da identidade social e de uma identidade negra
de caráter coletivo. Ao perguntar o que significa o HipHop e por que resolveram
criar um grupo de rap ao invés de um grupo de samba, obtive a seguinte
resposta (Atitude, HipHop)[8]: Y1: E o
que que significa o HipHop prá vocês? eh por que que por exemplo vocês
eh resolveram criar uma banda de rap e não uma banda de samba? (1) Darci: Bom,
eu falo por mim na minha opinião é o seguinte eu, (.) posso falar assim
que praticamente o HipHop mudou foi o HipHop que mudou a minha forma de
pensar né mesmo porque tudo que eu acho que realmente qui- quis aprender
na minha vida que era uma identificação aquela coisa de de de de se identificar
com a com a com a raça //Hm [Y1]// com aquilo eram coisas que não ensinavam
na escola //Hm [Y1]// (.) coisa que não aprendi na escola e foi através
do HipHop que eu comecei a a ter mais essa noção de de negritude assim
essas coisas assim entendeu então foi isso que me (.) foi uma espécie
de íman né que me atraiu mais para o HipHop agora eh então o HipHop na
minha opinião prá mim foi foi o lance dá identificação ... O HipHop
possibilitou a aprendizagem de “coisas que não ensinavam na escola” e
permitiu também o acesso ao conhecimento de “tudo aquilo que estes jovens
realmente queriam aprender”, que era uma “identificação com a raça” e
uma maior “noção de negritude”. No entanto o grupo não deixa claro o que
ele entende por “identificação com a raça”, ou seja, se se trata de uma
identificação com a experiência comum vivida no espaço social (‘Erfahrungsraum’)
ou de um processo de etnização e de auto-representação étnica (‘Selbstethnisierung’).
A “identificação com a raça” não deixa no entanto de ser uma identificação
positiva com a cor e com o ser negro. Essa identificação foi viabilizada
a partir de um estilo cultural importado, mas que permitiu que os jovens
encontrassem no HipHop aquilo que não já não havia na música negra brasileira,
como por exemplo no samba (Atitude; HipHop): Carlos: É, o HipHop prá mim significou muita coisa porque desde pequeno a gente já cresceu escutando samba; tá samba de raiz e tal mais mesmo assim a gente não tinha um embasamento histórico sabe não tinha informação adequada eh do samba sabíamos que era música negra mais e aí, era uma coisa muito solta mesmo porque os nossos pais nao tinham tanta informação prá passar prá gente explicar o que queria dizer uma música porque às vezes assim tinha música que tinha um sentido eh (1) assim como é que se diz eh (1) era era um sentido leve assim não tinha uma não era aquela coisa direta e o rap já é direto né ... A falta
de um “embasamento histórico” e de “informação adequada” que permitisse
fazer com que o samba exercesse um papel conscientizador e de afirmação
da identidade negra coletiva, é visto pelos rappers como um dos principais
motivos deste estilo não proporcionar um elemento de identificação étnica
positiva. Além disso o samba é criticado pelos rappers como uma música
que tem um “sentido leve”, como uma música que não retrata as situações
de desigualdade vividas pela população negra, enquanto que o rap “já é
direto” ou seja, é uma música de denúncia e de protesto da exclusão cultural
e social, da violência policial e da discriminação sofrida. O HipHop
também foi fundamental no resgate da história e cultura dos afrodescendentes
de uma forma crítica, uma vez que os currículos escolares segundo os rappers,
reproduzem a história da população negra somente a partir do “processo
da escravidão”, negando a existência de uma história e cultura negra anterior
ao processo da escravidão e de um desenvolvimento posterior nas Américas.
Através do rap produzido por grupos como Public Enemy, NWA, De La Soul
os jovens negros paulistanos começaram a conhecer a história de luta contra
o racismo dos negros norteamericanos e a partir daí passaram a pesquisar
e encontrar referenciais semelhantes na história da resistência da população
negra no Brasil (Atitude HipHop): Carlos: ... o HipHop ajudou a gente resgatar através de do dos pretos norteamericano que foi uma via tá porque a gente não tinha referência aqui a não ser alguns conheciam Zumbi mas não era todo mundo que sabia quem era Zumbi dos Palmares então nós conhecemos o que Malcoln X, Martin Luther King, entendeu Marcus Garvey, eh entre outros Black Panthers, então a partir daí foi estimulando prá que a gente começasse a pesquisar e conhecer um pouco mais dá nossa história né o HipHop ele foi fundamental neste sentido porque aumentou a nossa auto-estima né porque nós somos considerados um povo sem; sem identidade né mesmo pelo processo dá colonização né e dá miscigenação; né e então a gente a partir daí a gente começou a ter eh nós eh criar a nossa própria identidade que tem que ter um alicerce um começo tá eu acho que o Estilo Negro foi foi esse alicerce ... porque a gente começou a discutir essas questões e saber quem somos né assim a gente não tava solto ... A busca
de conhecimentos e informação sobre a história da diáspora negra norteamericana
e a relação desta com a experiência vivida no espaço social local levou-os
também à formação de um grupo, no exemplo citado trata-se da Posse Estilo
Negro[9]
da qual os grupos Atitude e
Skateboard fazem parte, onde
os jovens procuravam suprir as lacunas do ensino formal através da auto-informação
e interpretação da história da população negra no Brasil.
A partir da releitura e reinterpretação do processo
de colonização e miscigenação ocorrido no Brasil, os rappers passaram
a construir sua “própria identidade” tomando como base a história e cultura
da resistência negra na diáspora e as experiências vividas no espaço social,
que serviram como “alicerce” para a afirmação da identidade étnica. Os
objetivos e interesses comuns e o reconhecimento de que “não estavam soltos”,
mas que faziam parte de um espaço social comum, fortaleceu o sentimento
de pertencer a um grupo, aumentando também a auto-estima e levando-os
a buscar novas formas de combater a discriminação vivida. A construção
de uma narrativa comum sobre as experiências discriminatórias vividas
formam também a base para a construção da identidade coletiva e enquanto
membros do grupo de rap e da posse Estilo Negro os integrantes passam a ser herdeiros desse conjunto
de narrativas comuns que constitue o grupo. A afirmação da identidade
étnica, que entre os rappers é vivida tanto de forma implícita como explícita
através das letras compostas e do uso de camisetas com dizeres como “100%
Negro” ou “Orgulho Negro” e a identificação com a mensagem passada através
do rap e do Movimento HipHop permitiu também que o grupo Atitude passasse por um processo de conscientização e de reflexão,
levando-os a buscar o diálogo como forma de combater o racismo e o preconceito.
A partir dessa reflexão e do questionamento da suposta ‘democracia racial’
existente no Brasil (“sociedeade hipócrita”) o grupo passou a ter argumentos
para discutir em público e desenvolveu um discurso próprio para reagir
às estratégias insolentes de desqualificação e marginalização da população
negra e mestiça (Atitude HipHop): Carlos:...
então a partir do momento que quando comecei a conhecer e escutar rap
conheci o ri- o Hip o movimento
HipHop mudou muito, porque eu já comecei a ter discurso de rebater todas
as as chacotas as críticas que as pessoas faziam contra a população negra.
né aí já comecei a rebater tudo aquilo de na forma de conversa de diálogo.
então eu já comecei a ter uma resposta né eu ficava assim porra não é
possível que eu toda vez se alguém me chamá de macaco eu vou ter que dar
porrada (.) é absurdo isso e tem que ter argumento prá uma coisa né então
o HipHop me ajudou bastante a ter esses argumentos prá tá rebatendo muitas
coisas né (.) e crescer mesmo né e ver como é que a nossa sociedade é
hipócrata (3) Grupo
Skateboard Já para
o grupo Skateboard o HipHop é visto primordialmente como elemento de identificação
com a geração jovem e menos como um elemento de afirmação da identidade
étnica. No início o que mais atraiu foi o estilo musical e os momentos
de “curtição” a partir das ações desenvolvidas coletivamente. Ao mesmo
tempo a preferência deste estilo pela maioria dos jovens no bairro (“a
maioria do pessoal só curtia rap”) gerou um processo de assimilação do
rap como única forma de integração entre os jovens desta geração. Não
aderir ao rap significaria estar desintegrado e excluido no próprio bairro.
A vida no bairro é definida como uma vida num conjunto, onde o indivíduo
e a sua identidade são influenciadas pelo coletivo (“também né, todo mundo
né”).
A identificação com o HipHop passou de uma fase
‘pré-reflexiva’ num primeiro momento (“naquela época eu vinha aqui na
escola e ficava só curtindo”) para uma fase ‘reflexiva’ em que o HipHop
passou a ser analisado de forma intensa e crítica e onde a partir da influência
do rap os jovens passaram a gostar da música e a conhecer a cultura HipHop
(Skateboard, HipHop): Y1: E o
que que significa o HipHop prá vocês, eh porque que vocês por exemplo
se interessaram em cantar rap é qual que o que que motivou mais prá (.)
prá vocês? (2) Bebeto:
Bom praticamente prá mim foi mais o estilo né, também fora também a convivência
com o pessoal porque aqui na Co-
na Fernandes né, maioria do pessoal só curtia rap assim por exemplo naquela
época eu vinha aqui na escola ficava só curtindo e também né todo mundo
né (risos) aí foi só influenciando aí acabo gostan- acabei gostando foi
indo (1) aprendendo a cultura também (2) Cleber:
É e o rap assim a gente achava bem variado assim na questão da música
tinha assim vamos supor o rap lento tinha aquele mais agitado tinha aquele
ma- aquele som mais pesado (.) e assim a gente se (.) achava assim em
cada música assim de determinados grupo que a gente se encontrava assim
tá ligado tipo de do jeito de prá gente curtir igual veio o bate cabeça
a gente aí aqui era febre também veio otros estilo aí foi indo assim mas
tipo assim a gente só foi aprendendo um poco cada um prá gente formar
mais o Skatebord tá ligado Entre
as geração mais jovem que “curte o rap” como no caso do Bebeto e do Cleber
do Grupo Skateboard (ambos com 20 anos de idade na data da entrevista) constata-se
que a identificação com o caráter político e social do HipHop é menor
do que entre os jovens com mais de 24 anos, como no caso do Antônio do
mesmo grupo e dos jovens do grupo Atitude,
bem como o grau de informação sobre a origem do movimento HipHop tanto
nos EUA como no Brasil.[10]
Para Antônio do grupo Skateboard
a identificação com o HipHop deu-se a partir da dança Break (fase pré-reflexiva),
mas numa fase seguinte passou a comprometer-se com os objetivos socio-políticos
do movimento HipHop (fase reflexiva), levando a cultura HipHop do centro
da cidade de São Paulo (Metrô São Bento e Praça Roosewelt) para o seu
verdadeiro espaço, que é a periferia onde vive a grande maioria dos jovens
negros (Skateboard, HipHop) Antônio:
É basicamente o- né assim acho que ca- prá começar cantar mesmo né a conhecer
o rap, o HipHop em si é que nem cada um tem um (.) um jeito de começar
né então no meu caso mesmo foi o lance da dança né eu já dançava Break
na época né na São Bento assim porque tinha né //Hm [Y1]// o movimento
de Break na São Bento e aí eu comecei a dançar e depois teve é a formação
do Sindicato Negro teve na Roosewelt eu participei um pouco, não como
integrante mas assim né visitava, via como que era e aí eu falei ah porque
não fazer um na na Fernandes nonde
porque era o único movimento assim de juventude que ia ter na periferia
a gente queria ser os pioneiros ... Para
o grupo Skateboard o HipHop e sobretudo o rap é visto também como elemento
de identificação com a verdade e com a história de vida dos jovens. (Skateboard,
HipHop): Antô.: ...
o rap fala a vida de cada um então prá gente que tem uma mente assim meio
revolucionária né, a gente tem, se identifica muito com o rap né, a gente
ve que é uma letra que não fala a verdade de cara, não fica embromando
entendeu, é não é que nem um MPB que às vezes solta aquela coisa assim
por fora indiretamente né Cleber:
E às vezes é até um desabafo prá gente mesmo né Antô.: É
//hm [Y1]// Cleber:
assim tanto que a gente tem letras que fala eu tenho letra que fala da
minha vó que morreu o Am tem letra que fala tal de coisas que aconteceram
com ele Antô.: é,
do pai de mãe (.) né então tem ele e bastante coisa (.) que tem a ver
com a gente (1) e basicamente é isso né ... O rap
é mais do que somente lazer e consumo: o rap é o símbolo da juventude
revolucionária da periferia e um instrumento que “fala a verdade de cara”
ou seja, que denuncia as desigualdades e as injustiças vividas enquanto
negros e moradores de bairros periféricos. O rap é também uma forma de
“desabafo” e partilha das experiências vividas. Deste modo as experiências
individuais passam a ser divididas e trabalhadas com os outros integrantes
da banda e com o público, fazendo do rap uma espécie de terapia de grupo.
A partir da socialização das experiências individuais, cresce também o
sentimento de pertencer a um grupo, onde as experiências individuais são
vividas de forma idêntica por outros jovens do mesmo meio social. E é
este sentimento que gera uma satisfação de estar cantando para um público,
onde a letra de um rap não é apenas a história de um indivíduo, mas a
história de muitos outros jovens que estão ouvindo e cantando uma música
juntamente com a banda (Skateboard,
HipHop): Antô.: ...
que nem a música nossa que até agora fez mais sucesso foi “Pai irresponsável”
né que tá tocando direto na rádio toca sempre e todas às vezes que a gente
vai cantar sempre as pessoas já param prá ouvir porque também já se identificam
com o que a gente tá falando com o jeito da gente se comportar no palco
a gente nunca chega a ser assim muito (.) a querer ser superior a ninguém
todo mu- todas as pessoas que vem perto da gente as vezes a gente fica
brincando entendeu às vezes eu fico até meio nervoso com um com otro por
que uma brincadeira demais entendeu então aquela coisa as pessoas chegam
na gente sem medo e tá cantando pro pessoal assim é legal porque é o nosso
povo né, é o pessoal da gente é a gente da gente ... Grupo
Ideale Para
o grupo Ideale da cidade de
Berlim, cujos membros são de origem turca mas que cresceram como estrangeiros
na Alemanha[11],
o interesse pelo HipHop surgiu a partir da atração pela música (“nós gostávamos
de ouvir HipHop”), que fez com que criassem o seu próprio grupo de rap
para conhecer melhor o que estava por detrás da música e do movimento
HipHop. Ao mesmo tempo o grupo surgiu dentro de um contexto histórico
específico, que foi o período de transição após a reunificação da Alemanha
em outubro de 1990[12].
Este período foi marcado por vários atos de violência e racismo contra
habitantes estrangeiros na Alemanha principalmente por parte de grupos
jovens neonazistas, conhecidos como Skinheads. Diante destes acontecimentos
o grupo Ideale assume um novo
objetivo, que é o de conscientizar e mobilizar a comunidade turca e outros
estrangeiros, incentivando-os a reagir às agressões cometidas pelos neo-nazistas
(Ideale, HipHop I): Amim: ...
no início nossa intenção era de que nós de alguma forma (.) uma vez que
nós gostávamos eh de ouvir HipHop, de que nós eh música HipHop eh (1)
é queríamos ocupar-nos com a música. e então ehm, nessa altura aconteceram
paralelamente eh muitos ataques contra estranjeiros eh por parte dos (1)
facistas e na realidade queríamos com essa música (.) a nossa opinião
para os nossos conterrâneos, (1) portanto por assim dizer para o estrangeiro
ou o não-alemão ehm (1) queríamos passar-lhes uma mensagem de que nós,
(.) ehm portanto como (.) uma federação ou não como uma federação mas
como uma associação contra esses ataques eh dos Fachos eh Fachos ehm,
//Hm [Y1]// enfim como contra argumento ou como uma contra força (.) diria
assim … O rap
passa a ser visto como um instrumento de comunicação e informação entre
o grupo e os jovens estrangeiros e simpatizantes do HipHop. Através das
letras e dos discursos durante os shows realizados, o grupo pretendia
atingir os jovens que não estavam organizados politicamente e que não
participavam de atividades organizadas por ONG’s e por associações de
imigrantes como por ex. passeatas, palestras e seminários. A “mensagem”
ou opinião do grupo Ideale passada
através da música, era a de que os estrangeiros deveriam estar organizados
entre si numa espécie de “federação” ou “associação”, para melhor reagir
aos insultos e “ataques” por parte dos Skinheads. A união dos estrangeiros
e a experiência através da vivência coletiva faria a força, ou seja, possibilitaria
aos estrangeiros o desenvolvimento de argumentos próprios contra o racismo
e a violência. Interessante é que nessa primeira fase a mensagem transmitida através do rap está voltada somente para a população turca e estrangeira, excluindo-se a possibilidade de um diálogo com a população alemã. Essa postura é colocada mais tarde em questão pelo próprio grupo numa fase onde os integrantes da banda revelam um crescimento e amadurecimento do grau de análise e auto-reflexão (Ideale, HipHop I): Amim: ...
e pouco a pouco foi mudando também a nossa forma de pensar, eh antigamente
os textos eram na realidade radicais eh e estavam baseados, olho por olho
dente por dente; mas esta também não é a alternativa mais inteligente
contra isso, eh e na ideologia do grupo, eh embora não se tenha nada nesta
forma eh modificado. mas politicamente, as ações (.) deveriam acontecer
agora de outra forma. mais inteligentes é e por isso eh assim também modificou-se
o nome do grupo (.) eh Kanaken com ideais é nisso que se baseia ... A participação
ativa no movimento HipHop e a experiência com o racismo na Alemanha levaram
o grupo a questionar as posições radicais transmitidas até então. A partir
desse momento houve uma mudança de pensamento e comportamento dos integrantes
do grupo e a fase da ação corporal (“olho por olho dente por dente”) foi
substituída por uma fase de teorização das ações. As respostas diretas
ou seja, a reação à violência e à discriminação racial utilizando-se também
da violência passou a ser vista como uma alternativa pouco inteligente
contra o racismo e a opressão. Embora a “ideologia do grupo” não tenha
mudado - o que significa que continuam fiéis aos propósitos que originaram
o grupo e que suas idéias também continuam radicais - houve uma mudança
na forma de atuação do grupo Ideale. A partir desse momento o grupo passou a se preocupar com o
efeito de suas ações a nível político e para que essa mudança fosse evidente,
a banda passou a chamar-se “Kanaken com ideais”. O nome foi escolhido
também como forma de provocação, uma vez que o termo “Kanake” é utilizado
na Alemanha de forma pejorativa para insultar os habitantes estrangeiros,
principalmente de origem turca[13].
Utilizando-se de um termo de conotação pejorativa o grupo tenta ‘esvaziar’
o conteúdo da palavra, fazendo com que o uso do termo Kanake em forma
de palavrão fique sem sentido. A mudança
ocorrida revela não só uma preocupação com o nome do grupo e com a repercussão
das suas ações no plano político, mas também a necessidade de distinção
entre o grupo Ideale e outros
grupos estrangeiros com tendências radicais (Ideale,
HipHop I): Büllet:
Portanto resumindo, a reação à à (1) à ação dos chamados extremistas,
eh não deveria ser a mesma por parte dos não-alemães né, pois estas são
eu posso dizer isso (.) da maior parte da população turca, a reação foi
sempre, (.) também extremista. Mesmo quando por parte dos alemães e dos
outros eh habitantes estrangeiros isso era aceito, ou (.) quando não se
havia entendido dessa forma, as reações também eram por assim dizer sempre
nacionalistas ou chauvinistas. é mas a alternativa contra (.) sobre este
tipo de nacionalismo (.) deveria ser o internacionalismo e é também. e
dessa forma nós também começamos depois a trabalhar os textos né. para
nos eh distanciarmos deles e dos não-alemães (.) eh que pensam dessa forma
... O grupo
procura distinguir-se da maior parte da população turca na Alemanha bem
como dos não-alemães, que respondem com ações nacionalistas e chauvinistas
às ações racistas e nacionalistas dos grupos da extrema direita. Agir
no mesmo nível e da mesma forma como agem os extremistas alemães, é visto
como uma postura ingênua que não leva a nenhum caminho. Nota-se nessa
fase uma preocupação maior com a imagem do grupo e com o conteúdo da mensagem
passada através do rap. O grupo não quer ser confundido com outros grupos
turcos e estrangeiros que defendem idéias nacionalistas. A distinção
do grupo Ideale em relação a outros grupos e a necessidade de se distanciarem
da maioria da população turca e estrangeira que apoia atos nacionalistas,
é importante também para que a particularidade do grupo ganhe destaque.
Somente a partir desse distanciamento puderam desenvolver uma posição
crítica e reflexiva, ou seja, a distinção do grupo Ideale em relação aos outros foi e continua sendo necessária para
que o grupo possa desenvolver e manter sua característica particular[14].
Ao mesmo tempo essa distinção e comparação só é possível em relação à
grupos com os quais existe uma certa proximidade e que fazem parte do
mesmo meio social (‘Milieu’)[15],
o que justifica o fato do grupo Ideale estabelecer um tertius
comparationis com a comunidade étnica em primeiro lugar, como por
exemplo com outros grupos de origem turca em Berlim. A partir
do momento em que Ideale deixa
de defender a idéia de que os estrangeiros deveriam organizar-se numa
associação para reagir aos ataques neo-nazistas e passa a propor o internacionalismo
como a melhor alternativa para uma sociedade multicultural, a afirmação
da identidade étnica tomando como base a origem turca, não aparece como
central para o grupo. Afirmar a identidade étnica significaria apoiar
uma identidade de caráter nacionalista, o que é fortemente combatido e
criticado pelo grupo. No entanto, o grupo Ideale
busca a afirmação de uma identidade híbrida[16]
que permita integrar a cultura oriental
de origem e a cultura ocidental
ou européia. Para que isso seja possível, o grupo procura contribuir de
alguma forma para que haja um encontro e um enriquecimento entre as duas
culturas, na tentativa de aproximá-las e transformá-las numa cultura única
(Ideale, Alla Turka): Amim:...
há cerca de três gerações os turcos vivem, digo eu na Alemanha. e eh (2)
a cultura propriamente a cultura turca eles propriamente não conhecem
nada ... ... e eh porque
//Hm [Y1]// não deveríamos hoje eh fazer também, (.) com que (.) algo
da própria cultura seja trazido para cá, nós não estamos portanto somente
aqui para sempre tomar e tomar e tomar da cultura ocidental, não pelo
contrário é preciso também (.) por iniciativa própria (.) apresentar coisas
também para que as duas culturas possam se aproximar, porque isso é um
(.) equilíbrio entre duas culturas diferentes que levaria então a uma
única ... Conclusão Tanto
os grupos Atitude e Skateboard em
São Paulo como o grupo Ideale
em Berlim passaram por um processo de reflexão crítica e amadurecimento
através do HipHop. A partir da experiência e participação ativa no movimento
HipHop, os rappers desenvolveram uma forma de discurso exclusiva e uma
forma específica de argumentar contra a discriminação devido a cor ou
descendência e de enfrentar o preconceito devido a origem social. O rap
passou a ser visto como um instrumento de informação e mobilização da
juventude negra dos bairros periféricos, criando a partir da valorização
da história e cultura da população negra e de origem turca uma forma de
enfrentar positivamente a exclusão. O rap passou a ser visto como um veículo
de comunicação ou de diálogo entre a periferia e o centro de São Paulo
ou entre migrantes e alemães em Berlim. A particularidade do HipHop está
justamente nessa forma especial de relação com a público branco
dominante, onde os MC’s (Mestres de Cerimônia) é que estabelecem a ordem
do dia ou a forma específica de comunicação[17]. Ao
mesmo tempo em que a denúncia das desigualdades e da discriminação referem-se
a um espaço local, a temática discutida nas letras está automaticamente
remetida a um universo global, possibilitando dessa forma a internacionalização
e incorporação desse estilo cultural em diferentes contextos e por jovens
de distintas nações, como ilustra o exemplo a seguir (Ideale Kriminalität): Büllet:
... o HipHop ... antes de mais nada, é uma expressão da da opressão ou
do sofrimento que as pessoas, especialmente naquele tempo originalmente
na África na Índia eh passaram. (.) a semelhança dessas Nações significa
agora especialmente (1) agora diria eu agora para a região, antes para
toda a Turquia, e eu posso imaginar que em muitos outros países também
é assim. no Brasil. os bairros //Hm [Y1]// mais pobres terão o mesmo problema
por isso eles estão mais, penso eu ou acho que //Hm [Y1]// eles estão
mais voltados para o HipHop, porque o HipHop tem realmente essa forma
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[1] Doutoranda e pesquisadora do Instituto de Sociologia da Educação da Universidade Livre de Berlim. Docente do curso de pós-graduação “European Master in Intercultural Education” da Universidade Livre de Berlim. [2] Sobre o desenvolvimento do HipHop nos Estados Unidos veja entre outros: Rose, Tricia (1994) e Toop, David (1992). [3] Por ex. para filhos de imigrantes argelinos e afrodescendentes na França, filhos de imigrantes turcos e árabes na Alemanha, afrodescendentes em Portugal e na Inglaterra e filhos de imigrantes paquistaneses na Inglaterra. [4] Durante a pesquisa de campo em São Paulo e Berlim (março de 1998 à setembro de 1999) foram utilizados três métodos diferentes para a coleta de dados: discussão de grupo, entrevistas autobiográficas e observação participativa. No total foram realizadas quinze entrevistas com grupos de rap e dezoito entrevistas autobiográficas com alguns integrantes das bandas numa Cohab na zona leste de São Paulo e em dois bairros da cidade de Berlim. Além das entrevistas gravadas tive inúmeras conversas com rappers e Jovens ligados ao Movimento HipHop de várias regiões da grande São Paulo e da cidade de Berlim. Embora viva em Berlim, o contato com grupos de rap nessa cidade foi mais difícil que em São Paulo. Um dos motivos deve-se ao fato do Movimento HipHop haver perdido a força que tinha na primeira década de 90 em Berlim, devido ao crescimento cada vez maior dos adeptos da música Techno, que conseguem todos os anos levar cerca de um milhão de jovens para as ruas de Berlim numa manifestação conhecida como “Love Parade” (mês de julho). Outro motivo é o fato de haver mais grupos de origem turca dançando Break do que cantando rap. [5] Tanto o nome dos grupos e de seus integrantes, letras de rap, assim como o nome do bairro e de instituições citadas pelos jovens foram modificados durante a transcrição das entrevistas. A entrevista com o grupo Atitude (São Paulo) foi realizada num domingo, na residência de um dos integrantes da banda. Participaram da entrevista: André (22 anos); Bernardo (23 anos); Carlos (26 anos); Darci (25 anos); Edilson (24 anos); Fernando (26 anos) e Gerson (22 anos). [6] A entrevista com o grupo Skateboard (São Paulo) foi realizada numa escola do bairro onde realizei a pesquisa. Durante minha pesquisa de campo em São Paulo tive um apoio especial do diretor e da coordenadora pedagógica desta escola, que além de ceder um espaço para os encontros com os rappers, participaram com enorme interesse através de inúmeras conversas no desenvolvimento da pesquisa. Estiveram presentes na entrevista: Antônio (24 anos); Bebeto (20 anos) e Cleber (20 anos). [7] A entrevista com o grupo Ideale (em português: Ideais) foi realizada num domingo à tarde numa ante-sala de um pequeno teatro que fica dentro de um bar num prédio antigo em um bairro berlinense. Participaram da entrevista: Amim (23 anos); Büllet (26 anos) e Yüksel (21 anos). [8] As entrevistas foram transcritas e interpretadas com base no "método documentário de interpretação" (Mannheim 1964 e 1980; Bohnsack 1989 e 1999) e no método conhecido como “Erzählanalyse” (análise de narrações) desenvolvido por Schütze (1977, 1981, 1983, 1989). Para a transcrição das entrevistas de grupo foram selecionadas as partes mais relevantes para o tema da pesquisa, bem como as partes com informações sobre as características e orientações coletivas do grupo. Cada parte ou ”passagem” (vide Bohnsack 1999) foi transcrita de forma minuciosa e recebeu um nome relativo ao tema discutido neste trecho da entrevista. Por Exemplo: Grupo ”Atitude”, Tema ”HipHop”. Neste artigo o método de transcrição foi simplificado, excluindo-se a numeração das linhas, e acentuação de palavras. As vírgulas e pontos foram utilizados respectivamente para marcar a diminuição leve e diminuição forte na intonação da voz, enquanto que sinais de ponto e vírgula e de interrogação foram utilizados respectivamente para marcar o aumento leve e aumento forte na intonação da voz. Os números entre parêntesis equivalem os segundos de pausa durante a fala e os pontos entre parêntesis correspondem às pausas menores de um segundo. [9] A Posse é normalmente uma organização de vários grupos de rap Break e Grafite (em São Paulo basicamente de rap) que além do trabalho artístico, desenvolvem atividades conjuntas na comunidade, como palestras em escolas, campanhas de recolhimento de donativos e agasalhos etc. Uma das Posses mais conhecidas é a Zulu Nation (EUA) que serviu praticamente como modelo para a criação das posses mais antigas em São Paulo. Algumas Posses em São Paulo mantém inclusive um intercâmbio com a Posse Zulu Nation. [10] Interessante é que esta diferença entre gerações também pode ser observada em alguns grupos berlinenses, como por exemplo no grupo Helicopter, onde a dança Break é vista somente como um hobby. Ao perguntar o que significava o HipHop para o grupo, obtive respostas como ”HipHop é dançar e mais nada” ou ”HipHop é coisa para os adultos” (Helicopter, HipHop). Numa conversa que tive com um Educador de rua, que trabalha com grupos organizados em Berlim, ele queixava-se por ex. de que os mais jovens já não sabem o que é o HipHop, e que já não havia um interesse pelo movimento como um todo. [11] A partir deste ano uma nova lei entrou em vigor, facilitando a aquisição da nacionalidade alemã para filhos de estrangeiros erradicados na Alemanha. Anteriormente a nacionalidade alemã só podia ser requerida após o cumprimento dos 18 anos de idade e com a condição de que os requerentes tenham vivido pelo menos oito anos na Alemanha e que abdicassem da nacionalidade de origem. [12] Segundo Amim, o grupo Ideale existe há cerca de seis anos. [13] Kanake era utilizado originalmente para denominar os habitantes da ilha Nova Caledônia. Na Alemanha passou a ser utilizado de forma pejorativa contra a população migrante, partindo do princípio que eram pessoas sem formação e atrasadas culturalmente. [14] A preocupação com a particularidade do grupo é comum em quase todos os grupos de rap entrevistados, tanto em São Paulo como em Berlin. [15] Veja: Tajfel, Henri (1982): Grupos humanos e categorias sociais. [16] Sobre identidade e cultura híbrida veja: Stonequist (1961); Bronfen et al. (1997). [17] Entre os grupos que se destacam por manter uma relação especial com o público “branco” estão os Racionais MC’s, que se negam por ex. a conceder entrevistas para jornalistas da Rede Globo. |