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Grupo de Trabalho 6
Gênero e Racialização no Contexto de Relações Transnacionais - Comentários a partir de uma leitura das relações presentes no Turismo Sexual em Fortaleza (Ceará, Brasil)

Adriana Piscitelli[1]

 

Apresentação

 A produção socio-antropológica internacional mostra um crescente interesse na compreensão da dinâmica das relações sexuais e amorosas estabelecidas no contexto do turismo globalizado[2] A maior parte desses estudos tem como referência a problemática do turismo sexual e reconhece a importância do trabalho pioneiro de Truong sobre o tema -- e a data de publicação desse trabalho (1990), mostra quão recente é esse campo de discussão.

Nessa análise, o turismo sexual, considerado resultado de uma série de relações sociais desiguais, incluindo relações entre Norte e Sul, capital e trabalho, homens e mulheres, produção e reprodução, não pode ser reduzida a mera expressão simultânea de racismo e sexismo. Levando em conta esses aspectos políticos, as abordagens recentes, que incorporam pesquisas centradas nas viagens de mulheres dos países do Norte às nações do Sul, tendem a traçar diferenciações entre os estilos de turismo através dos quais homens e mulheres estabelecem relações com nativas/os dos países pobres.

Nessas perspectivas, esse turismo, mediando as relações entre mulheres das nações ricas e nativos do Sul, é considerado voltado para o “romance”[3] e caracterizado pela ênfase no cortejo e pela construção de relacionamentos duradouros através de um discurso amoroso.[4] Esses aspectos e os traços emocionais presentes nesse tipo de turismo o tornariam diferente do “turismo sexual”. Este último é majoritariamente vinculado às relações entre homens de países desenvolvidos e nativas de nações pobres e à prostituição.[5] E digo majoritariamente porque alguns trabalhos recentes complexificam a discussão, mostrando a presença de emoções românticas no turismo sexual e contestando a associação linear, que se tornou habitual nos estudos sobre o tema, entre este e prostituição.,

Refiro-me, por um lado, aos estudos centrados nesse estilo de turismo em países da América Latina. Sublinhando as fantasias sexuais “racializadas” que orientam as viagens dos turistas sexuais, esses trabalhos mostram diferenças entre os visitantes internacionais. Alguns turistas procurariam, pelo menor preço possível, encontros explícitos e focalizados, preferindo relacionamentos múltiplos e anônimos. Outros visitantes, convencendo-se de estarem envolvidos em relações sexuais e emocionais autênticas e recíprocas, não considerariam prostitutas as mulheres que com eles se envolvem -- rejeitando, inclusive, aquelas que lhes fazem propostas sexuais explícitas --, nem se pensariam como “clientes”.[6]

Precisamente, essas distinções entre “turistas sexuais” são o ponto de partida para abordagens analíticas que alargam a conceitualização do turismo sexual. Examinando as variáveis que distinguem esses turistas, essas perspectivas propõem reflexões contestando a redução desse tipo de turismo à idéia de “turismo realizado com o objetivo de obter sexo pago” e questionando, também, as perspectivas que o englobam na prostituição. Levando em conta o objetivo da viagem, sua duração e, sobretudo, o tipo de encontros sexuais e de relações sociais estabelecidas, essas abordagens propõem uma visão do turismo sexual à maneira de um continuum que, incorporando relações sexuais com um amplo leque de mulheres, incluindo prostitutas, pode ou não envolver intercâmbio monetário imediato. Nessas perspectivas, portanto, seria errôneo considerar o turismo sexual como um subconjunto dentro da prostituição.[7]

Chamo a atenção para essas reflexões porque elas são importantes para delimitar o campo de discussões no qual se inserem os comentários, muito preliminares, que apresento aqui. Eles situam-se, aliás, no encontro entre o debate sobre turismo sexual e as discussões estabelecidas nas perspectivas contemporâneas sobre gênero, preocupadas em compreender sua imbricação com outros marcadores de diferença.

Esses comentários, baseados numa pesquisa em andamento, dizem respeito à interseção entre categorias de diferenciação presentes no marco de relações no qual se desenvolve uma modalidade específica do turismo internacional em Fortaleza.[8] Refiro-me a um estilo de turismo sexual, heterossexual, denominado por alguns cearenses como “turismo sexual de classe média”, através do qual visitantes de diversas nacionalidades[9] se relacionam com mulheres locais. Os visitantes internacionais, que circulam por setores da cidade, vinculados a esse estilo de turismo, à procura de mulheres -- “turistas que vêm para comer brasileira”, nas palavras de um músico, freqüentador da Praia de Iracema ou, nas de um italiano “residente” em Fortaleza, referindo-se a seus conterrâneos “que vêm aqui para putanear” --, estabelecem relações sexuais e amorosas com uma diversidade de mulheres.

Trata-se de jovens que realizam “programas” com tarifas e durações previamente acordadas -- e esclareço aqui que, em Fortaleza, o termo programa, embora adquira, às vezes, conotações específicas, refere-se a qualquer situação de prostituição, independentemente da modalidade em questão.[10] Trata-se , também, de garotas que “namoram” exclusivamente estrangeiros, mantendo com eles relações, carregadas de ambigüidade, muitas vezes duradouras, envolvendo pagamentos cujo valor não é fixo. Neste caso, trata-se de meninas que, com empregos fixos e baixos salários, recebendo presentes e, ocasionalmente, “ajuda” financeira dos estrangeiros, delimitam diferenças entre elas e as “moças de programa”. Há, ainda, jovens que saem exclusivamente com estrangeiros, mas não têm qualquer expectativa com relação a dinheiro ou presentes. Elas aspiram penetrar no mundo acessível aos turistas, compartilhando passeios, restaurantes, hotéis. Finalmente, há mulheres, algumas com elevado nível de instrução e, inclusive, profissionais liberais, na faixa dos 30, 40 e 50 anos.

Nesse universo, a “escolha” de mulheres por parte dos turistas é, muitas vezes, aleatória[11], e as relações com os visitantes internacionais, associadas à idéia de “ganhos” diversificados, são almejadas por diferentes categorias de nativas. Essas escolhas recíprocas, atravessadas por distinções de gênero, acionam marcadores de diferença cuja prioridade é estabelecida situacionalmente, num contexto no qual sexualização e racialização estão indissociavelmente ligadas e vinculadas à “localização”[12]

Neste texto argumento que, nesse jogo de diferenciações, a racialização opera através de distinções categóricas, isto é, através de termos de cor que, mais do que descrever, remetem a uma classificação[13] Argumento, também, e esse é o meu ponto principal, que há importantes aspectos em comum entre as conceitualizações presentes no procedimento através do qual estrangeiros e nativos racializam/sexualizam as mulheres locais. Entretanto, enquanto na perspectiva dos estrangeiros essas concepções marcam, genericamente, as brasileiras, os nativos as acionam apenas quando as mulheres locais são percebidas como mantendo relações amorosas e sexuais com os visitantes internacionais.

Essas afirmações se baseiam num trabalho de campo antropológico, ainda inacabado, realizado, em momentos diferentes, entre outubro de 1999 e março deste ano. Os dados de campo foram obtidos através de entrevistas com diversas categorias de mulheres envolvidas com estrangeiros; com turistas internacionais de diversas nacionalidades[14]; com estrangeiros que, fascinados pela sua experiência como turistas, fixaram residência sazonal (durante alguns meses do ano) ou definitiva na cidade e com homens locais que têm namorado estrangeiras.[15]

Além de realizar entrevistas, acompanhei o trânsito de turistas internacionais e mulheres locais pelos circuitos de circulação vinculados a esse estilo de turismo sexual.[16] Refiro-me a espaços nos quais, majoritariamente, convivem turistas estrangeiros e brasileiros, camadas médias locais, e jovens mulheres de setores mais baixos, algumas das quais realizam “programas”. Nesses circuitos, centrei a observação nas modalidades de aproximação, cortejo e interações estabelecidas entre eles e elas. A informação gerada pela observação foi suplementada por entrevistas com diversos agentes envolvidos com turismo internacional e/ou a prostituição local.[17] Adicionalmente, foram obtidos dados secundários, estatísticas e estudos de caso sobre turismo e prostituição local de agências do governo, instituições educacionais e ONGs.

  

Diferenciações: o universo do “turismo sexual de classe média”

As mulheres que andam com estrangeiros? Há dois tipos: as raparigas[18] e as interesseiras.
(Cearense, 40 anos, casado pela segunda vez, garçom de um conhecido restaurante da Praia de Iracema)

Ao utilizar a denominação “turismo sexual de classe média”, os cearenses aludem a distinções entre modalidades de prostituição associadas ao turismo internacional. Com essas palavras diferenciam a prostituição mais “pobre”, com tarifas em torno dos RS$10,00 na região da Beira-Mar, da “prostituição chique” da Praia de Iracema. Nessa Praia, um dos espaços privilegiados de observação nesta pesquisa[19], o valor dos “programas” raramente é inferior a RS$50,00, chegando a triplicar essa cifra.[20] Esses valores sintetizam diferenças que podem parecer óbvias, observando as garotas associadas, pelos locais, a uma e outra modalidades de prostituição.

As protagonistas da prostituição “pobre” são meninas[21] e adultas, com baixíssimo nível de instrução, imersas num grau extremo de pobreza estrutural, que se expressa em aspectos corporais. Elas usam chinelos de praia, às vezes, tênis, e têm o cabelo e a pele ressecadas pelo sol. Vestindo shorts ou saias bem curtas e tops deixando à mostra barrigas, geralmente flácidas, como resultado de sucessivas gravidezes, oferecem seus serviços, explicitamente, a turistas e locais. Não é raro ouvir, em plena tarde, uma oferta de “chupetinha”[22], aos gritos, a algum carro que transita na Avenida Abolição.

Esse universo feminino diferencia-se daquele conformado pelas jovens de “melhor nível” que se relacionam, de maneira praticamente exclusiva, com visitantes internacionais. Essas últimas compartilham, entre si, certas características que as diferenciam visivelmente das protagonistas de prostituição “pobre”. Entretanto, sob o denominador comum estabelecido através dos relacionamentos amorosos/sexuais com os estrangeiros, há diferenças importantes, também, entre elas. Uma dessas diferenças reside no fato de muitas não trocarem dinheiro por serviços sexuais. Outra, não menos importante, é que, nesse conjunto diversificado de mulheres, tanto as mulheres analiticamente vinculáveis à prostituição como as que não, investem consideráveis esforços em diferenciar-se, através da corporalidade, dos estereótipos locais da prostituição.

  

Brasileiras

 As garotas vinculadas pelos cearenses ao “turismo sexual de classe média” moram em setores de camadas médias, camadas médias baixas e, inclusive, pobres, mas não necessariamente miseráveis, da cidade.[23] Elas têm um grau de escolaridade comparativamente elevado. Muitas completaram a oitava série e algumas finalizaram o segundo grau. Investindo cuidadosamente na “aparência”, essas jovens, a maior parte das quais está na casa dos 20 anos, exibem corpos esguios. A idéia corrente, aliás, é que, diferentemente dos nordestinos, os estrangeiros não sentem atração pelas mulheres gordas -- “meu namorado francês”, comenta Cida, uma garçonete de 25 anos, que namora exclusivamente estrangeiros, mãe de uma filha de 8 anos, “me dizia para não comer pão, para não engordar”.

Elas apreciam perfumes importados e usam roupas à moda, ocasionalmente de grifes estrangeiras, e relativamente discretas. Nas palavras de Cida, “ando bem vestida, não gosto de roupa curta para sair. Ou é calça, ou vestido comprido”. Essas jovens concedem cuidados especiais à pele -- controlando, através de filtros e bloqueadores, os efeitos do sol -- e aos cabelos, relaxando-os, hidratando-os, tingindo-os, às vezes, de cores claras.

Nesse contexto, a importância desses cuidados ultrapassa o eventual valor estético. George, um cearense de 20 anos, casado, pai, universitário e ex-educador de rua, afirma: um dos sinais indiscutíveis é o cabelo. Se ele não estiver tratado, bem penteado, com brilho, há indícios de tratar-se de prostitutas.

Os penteados, com cabelos na altura dos ombros, ou mais compridos, cacheados ou lisos, a maquiagem, destacando a boca e os olhos, e a cor da pele, em diversas tonalidades localmente consideradas entre “moreno” e “moreno claro”, não distinguem, necessariamente essas garotas de outras que por ali transitam. Os saltos altos, calças de materiais sintéticos, blusas de suplex, deixando as costas à vista, vestidos ou saias de malhas aderentes, na altura do joelho ou do tornozelo, e de cores, muitas vezes, neutras, marinho e preto, tampouco diferenciam essas meninas de outras que, circulando nesses espaços, compartilham o mesmo estilo de vestir.[24]

A produção corporal dessas jovens está voltada para a sedução dos visitantes internacionais, mas ela é utilizada, também, para distanciar-se de aspectos associados a imagens tradicionais da prostituição local, que tendem a vinculá-la com aquela de menor “nível”. No universo de mulheres que se relacionam com estrangeiros na Praia de Iracema[25] essa é, aliás, uma preocupação permanente.

Tina, uma jovem de 22 anos, originária de Natal, mãe de duas crianças de 2 e 4 anos, separada, cuja sobrevivência é garantida exclusivamente por “namorados” internacionais, selecionados de acordo com critérios que combinam atração física e disposição para pagar cifras elevadas por seus serviços sexuais, expressa nitidamente essa preocupação:

Tem cada mulherzinha ali, Deus me livre! Parece que não toma nem banho! Você conhece uma mulher dessas de longe, o modo de se vestir, de andar.... Tem mulher que vai de tênis e short. O que é isso!

Tem um cara aí que falou que a mulher só fica sexy de vestido ou de saia, porque calça jeans é uma coisa sport demais para a noite. Não uso calça de noite nem que me paguem, a não ser uma calça de linho muito chique. Só ando bem vestida, para entrar e sair em qualquer lugar. Porque a gente sai aí com essas turmas, vai para os hotéis deles, passa pela recepção, amanhece o dia e está tudo muito familiar.

 Nesse universo, as aproximações entre os visitantes internacionais e as jovens que, de fato, recebem pagamento por serviços sexuais, tendem a estar carregadas de ambigüidade. Nesse ponto, é importante destacar que os termos correntes para referir-se às interações com os estrangeiros são os mesmos utilizados em relacionamentos amorosos desvinculados da prostituição: “sair”, “ficar”, “namorar”.[26] Na maior parte dos espaços “misturados”[27] da Praia de Iracema, as aproximações adquirem as características de uma paquera. Elas lançam sinais, através da gestualidade. Nesse sentido, as impressões de Américo, um turista português, casado, 55 anos, residente no Porto, funcionário de uma fábrica da automóveis, fazendo parte de um grupo de 40 homens desfrutando, durante uma semana, de uma viagem “prêmio” da empresa, sintetizam as de visitantes de diversas nacionalidades. “Percebes no olhar, o olhar é uma língua internacional. As vezes é um engano, mas, não é”. Entretanto, cabe aos estrangeiros a “conquista”.[28] A essa dinâmica de aproximação soma-se o fato de que algumas garotas só explicitam sua expectativa de pagamento após terem passado a noite com os estrangeiros.

Os relacionamentos que extrapolam em muito a duração atribuída a um programa, por outra parte, são correntes. Tina refere-se, particularmente divertida, a um passeio de vários dias.

Saí com um português. Ele era bom. Nuno era o nome dele. Me deu 450 dólares para passar quatro dias com ele, em Jericoacoara. Ainda me deu um banho de loja, no shopping. Esse homem foi incrível... Comprou umas coisas para meus meninos, comprou roupa de praia, chinelo... gastou uns 800 paus, no Iguatemi. E eu passei esses dias só na maravilha, lá, curtindo praia, comendo do bom e do melhor, andando de buggie. E Jericoacoara é belíssima, né? Só mordomia. O homem era lindo, tenho uma foto. Vou te mostrar como ele é lindo, poderoso.

 Os diversos procedimentos realizados por essas jovens para distanciarem-se dos estereótipos locais da prostituição redundam num clima de ambigüidade, confusão e refinamento classificatório que envolve turistas e locais. João, músico cearense de 35 anos, separado três vezes, pai de três filhos, afirma:

As que vão para a Praia de Iracema já vão se vestindo de uma maneira diferente, não são tão explícitas quanto as da Beira Mar, ou as do Farol, e da Barra do Ceará... Elas chegam, se infiltram... Hoje é uma maneira de ganhar dinheiro com o corpo. Elas até são filhas de família em decadência, se vestem bem... Agora, a gente conhece, se insinuam... É muito subjetivo isso, são detalhes, eu percebo... naquela região não é a roupa, mas a roupa também... porque, por melhor que se vista, por mais que se vista roupa de grife, com um pequeno detalhe no decote eu percebo se você tá querendo ou não tá querendo mostrar o seu corpo de uma outra forma... E, principalmente, os olhares.

 Steve é turista inglês de 32 anos, solteiro, sem filhos, viajando sozinho e visitando Brasil e Fortaleza pela primeira vez. Durante os primeiros dias na cidade, manteve relações sexuais com mais de um garota por dia. “Fui para a cama com algumas escuras, intermediárias e claras, nos primeiros dois dias enlouqueci”.[29] Comparando Fortaleza com a Tailândia, ele declara: “É inteiramente diferente. Na Tailândia há uma indústria do sexo, é muito organizado. Aqui é tudo muito... difuso.”

Nesse sentido, é importante sublinhar que as jovens locais, trabalhadoras no setor de serviços, na Praia de Iracema, com salários em torno dos RS$200,00 mensais, se queixam, com freqüência, de serem confundidas, pelos turistas, com garotas de programa. Márcia, uma garçonete cearense de 19 anos, solteira, reclama:

Parece que eles não sabem quem é de programa e quem não é. Eu tava bem vestida. Eles não paravam e aí eu chamei o meu irmão... O meu irmão disse pros bichos véios que o que eles tavam procurando estava mais lá na frente. Eles entenderam.

Igualmente freqüentes são as reclamações dos turistas internacionais que, pela manhã, enfrentam a exigência de pagamento de suas acompanhantes, descobrindo assim não ter vivido, na noite anterior, precisamente uma experiência de conquista amorosa. Essas queixas agudizam-se nos inúmeros casos em que essa descoberta é realizada de uma maneira mais violenta. Refiro-me às situações em que os estrangeiros acordam, após terem sido drogados, e descobrem que foram roubados.[30]

Para além das ambigüidades, e é isso que me interessa destacar, o trabalho de campo revela uma considerável diversidade no universo feminino englobado no “turismo sexual de classe média”. Nesse universo há garotas que explicitam a fundamental importância da troca monetária. Nas palavras de Tina,

Só gosto de coisa boa... Só gosto de gringo. Have money!  Quando eu vejo um homem que seja pão duro, é rabiscado na mesma hora. Homem tem que soltar dinheiro, tem que pagar tudo, levar para shopping e tudo mais. Eu ferro, mesmo. Amanhece o dia e digo,

- Amore, me dá 100 para o táxi

(...) tem que me dar dinheiro. Esses homens vão e voltam. Eles estão aqui, de repente vão embora, se não aproveitar, aí tchau

 Outras, com emprego fixo, rejeitando qualquer ligação com os “programas”, podem ser vinculadas, analiticamente, à prostituição[31], pela aceitação e ocasional procura de presentes e contribuições financeiras a médio e longo prazo -- roupas, relógios, perfumes, celulares, pagamento do aluguel ou do tratamento médico para as crianças.

Apareceu um velho, Alessandro. Tinha 58 anos. A primeira vez que me viu, disse para mim: você é muito linda. E eu, nem liguei. Ele disse que estava indo embora e que ia me mandar um presente da Itália. Eu achei que ia me mandar um presente, mesmo. Mas, quando chegou meu aniversário, chega um envelope com 50 dólares dentro. E, eu não tinha tido nada com ele, só conversa. Na época, o dólar estava a 2 reais. Com esse dinheiro paguei o aluguel, paguei umas coisas que devia e ainda comprei outras. Um dia, ele avisou que tava chegando. Trouxe um relógio para mim, três perfumes e queria sair comigo. Eu trabalho de noite, e não queria sair com ele, aí eu tentava não ter folga. No fim, saí com ele. Fomos para o melhor motel de Fortaleza, com piscina, com luzes, cascata. 280 reais por duas horas. Minha amiga insistiu tanto, que acabei saindo com ele. Ele disse: quero que você vista uma roupa. Comprou uma roupa chique para mim, custou 240 reais. Era um vestido cinza, com alcinha, tinha penas tudo aqui. Me deu mais 100 reais para arrumar o cabelo. Quando terminamos de jantar, por volta das 3,30, 4 horas, eu disse que ia embora e ele ficou furioso. Aí eu liguei para minha amiga e ela me aconselhou, “Cida, não faça isso”. Então, convidei ele para ir ao motel. Quando nós terminamos, que ele ia gozar, eu achei que ele ia morrer. Foi horrível. Parece que fazia tempo que ele não dava uma.

 Há, entretanto, jovens que mantêm múltiplos relacionamentos com os visitantes internacionais sem procurar compensação monetária. Elisângela, uma desempregada de 22 anos, extremamente doce, que mora com a família, filha do proprietário de uma oficina mecânica, falando sobre os namorados que teve no mês de janeiro, cerca de um por dia, explica:

Não preciso de dinheiro. Meu pai dá, minha tia, ou quando preciso, pego. Essas roupas, comprei quando ainda trabalhava. Do Lars, fiquei com a blusa dele, de lembrança, a lembrança ninguém apaga, né? O que tu querias, que eu pedisse dinheiro para eles? Não, acho assim, não me interesso muito por presentes, para mim, não é nada. A amizade, para mim, é muito importante... , só eu conhecer... E eu vivo tudo o que os turistas vivem. Com o Lars fui para o Cumbuco, foi muito legal.

 Para além dos ganhos imediatos ou a médio prazo, e independentemente de situar-se dentro ou fora dos limites traçados pelas situações de prostituição, essas garotas compartilham a esperança de viver fora do Brasil. Há, aliás, inúmeras histórias de namoros, casamentos bem-sucedidos e trânsitos de ida e volta que, incorporando compras de apartamentos, bares ou restaurantes, redundam num nítido ascenso social. E o número dessas histórias supera, em muito, o dos relatos centrados nos maus-tratos e escravidão às quais são submetidas as brasileiras no exterior.

Os países almejados variam -- Suíça, Alemanha, Itália, Noruega -- , mas, essas meninas, versadas em questões ligadas às viagens internacionais, freqüentando o café-internet para receber as mensagens dos namorados distantes, e atualizando, através de tradutores, a velha tradição dos analfabetos procurarem escrevinhadores, sonham com um futuro melhor na Europa. “Futuro” é, aliás, a palavra que sintetiza a rejeição de algumas garotas pelos brasileiros. Tina explicita,

Brasileiro, não dá para mim, não... Nunca vi brasileiro dar uma rosa para uma mulher. E isso aí é carinho? Italiano está com uma mulher na mesa e passa uma [vendedora de] rosa e eles têm que dar, eles sempre dão rosa, Brasileiro não dá, não. Diz que é caretice. Não presta não, sem futuro demais.

Mas, esse futuro, inclui mais do que bens materiais. Nas palavras de Cida,

Quero carinho, quero atenção, conversa, que me respeite e que seja fiel a mim, se eu for embora com um cara que eu goste, vou ser fiel eternamente...

 As diversas categorias de mulheres que mantêm relacionamentos sexuais e amorosos com os visitantes internacionais consideram difícil encontrar esse carinho e atenção nos brasileiros e, particularmente, nos cearenses. E, nesse ponto, os grupos de garotas dos quais falei até o momento coincidem com as mulheres com formação universitária que, na faixa dos 30, 40 e 50 anos, namoram estrangeiros na Praia de Iracema. Cláudia, uma psicóloga de 35 anos, separada, mãe de um filho de 13 anos, que namorou um leque relativamente amplo de brasileiros e estrangeiros, e atualmente está dividida entre um português e um holandês, afirma:

[os estrangeiros] são diferentes do homem cearense. Os cearenses, quando te conhecem querem logo te levar para a cama. O primeiro objetivo é esse. Se surgir uma coisa mais forte que... é muito difícil, pela facilidade aqui, hoje tem uma, amanhã outra, e eles têm medo também de se envolver... Os estrangeiros são diferentes, no sentido do carinho. Nas experiências que eu tive, o sexo não era só sexo... ficava o carinho, aquela troca, a conversa...

 Por outra parte, está presente nas impressões das diversas categorias de entrevistadas a idéia de que o temperamento dos homens locais, dificultando a possibilidade de encontrar o parceiro ideal, mantém relações com as características e a dinâmica do mercado matrimonial local. Essa percepção se expressa nas queixas sobre o excesso de mulheres na cidade . “Mulher demais”, diz Cida. Nas palavras de Cláudia: “Aqui em Fortaleza tem muita mulher, mais mulher do que homem. É uma disparidade”. As profissionais liberais de camadas médias também expressam essa percepção: inúmeras histórias sobre maridos que trocaram esposas “independentes”, da mesma idade, aproximadamente, por garotinhas, muitas vezes, de camadas inferiores, inclusive empregadas domésticas.

Nesse universo, concebido como marcado pela escassez de homens, pelo menos de homens amáveis, carinhosos e “com futuro”, e no qual esses últimos têm pleno acesso a mulheres 15 a 30 anos mais novas que eles, as brasileiras se aproximam dos visitantes internacionais.

  

Estrangeiros

 Se a maior parte dos espaços associados à “prostituição chique” da Praia de Iracema, abriga uma diversidade de mulheres, neles há uma heterogeneidade análoga no que se refere aos estrangeiros. E não me refiro, apenas, às nacionalidades, idades ou profissões dos visitantes internacionais.

Italianos, portugueses, alemães, noruegueses, franceses, ingleses, holandeses, argentinos, bolivianos, circulam pelos bares, boates e restaurantes dessa praia. Entre eles há quarentões e cinqüentões, mas há, também, inúmeros jovens na casa dos 20 e dos 30 anos e grupos integrados por homens de diferentes idades. O tempo de permanência desses turistas na cidade é diversificado -- uma semana, quinze dias, um mês, ou mais. Entre eles, alguns chegam diretamente a Fortaleza, permanecendo na cidade e deslocando-se, apenas, entre alguns pontos dela.[32] Outros realizam viagens combinadas com outras cidades do Norte ou Nordeste[33], com regiões de turismo ecológico[34] ou com cidades de praia no Ceará.[35] Alguns se hospedam em hotéis quatro estrelas, outros preferem pequenas pousadas na Praia de Iracema ou na Beira-Mar e/ou certos flats. Os que passam temporadas mais prolongadas, costumam alugar apartamentos mobiliados em diversas partes da orla.[36]

No que se refere às profissões, há seguranças, eletricistas, cozinheiros, garçons, açougueiros, vendedores, mas, há, também, professores de línguas, jornalistas, esportistas profissionais e micro-empresários -- proprietários de restaurantes, salões de cabeleireiro, pequenas tecelagens. Entre os turistas que entrevistei, os salários e/ou retiradas mensais variam entre U$1000 (um argentino) e US$4000 (um italiano).

Se as garotas que namoram estrangeiros no circuito do “turismo sexual de classe média” tendem a mostrar uma produção corporal específica, os visitantes estrangeiros exibem uma ampla diversidade nos estilos de roupas, penteados e, até, nas tatuagens, difícil de classificar em termos de nacionalidade e/ou idade. Nesses espaços convivem homens de cabeça inteiramente raspada e brincos, cinqüentões com cabelos louros cortados à Príncipe Valente, jovens de longas cabeleiras amarradas em rabos. As roupas utilizadas são igualmente diversificadas. Alguns vestem bermudões, sandálias e blusas coloridas. Muitos circulam de calça jeans e camisetas justas, sem mangas, mostrando braços inteiramente tatuados, enquanto outros vestem discretas calças e camisas sociais.

Parte importante dos visitantes estrangeiros que circulam nesse circuito do “turismo sexual” está constituída por solteiros e/ou separados. Entretanto, há, também, homens casados. O quadro dos namorados mais marcantes, na experiência de Cida, entre 1997 e 2000, oferece uma idéia dessa diversidade.

 

nacionalidade

idade

profissão

nome e situação

duração do namoro

 

alemão

38

professor de inglês/ jogador de futebol

Lupo
solteiro

15 dias

Italiano

28

jogador de basquete

Marco
solteiro

1 mês, agosto 1998
10 dias, julho 1999
15 dias, setembro

Italiano

-

microempresário
(8 empregados)

Luca
noiva na Itália

15 dias
voltou um ano depois

Suíço-francês

38

-

Daniel

15 dias

Norueguês

-

-

Magnus

3 meses

Italiano

58

policial

Alessandro

-

alemão

55

vendedor

Manfredo
casado

1 mês

suíço

24

-

solteiro

1 semana

 

 As diferenças estendem-se, porém, a uma série de outros aspectos, relevantes para a compreensão da dinâmica desse estilo de turismo e de sua imbricação na sociedade local. Há estrangeiros que viajam inteiramente sós, mas é freqüente encontrar pares de amigos, ou pequenos grupos de três ou quatro. E, nesse sentido, a “latinidade” parece estar associada a um espírito mais gregário. Portugueses e, sobretudo, italianos, tendem a viajar em grupos e, inclusive, em família -- pares de irmãos ou pai e filho, juntos, à procura de mulheres -- , permanecendo reunidos, uma vez na cidade. Aliás, os grupos integrados exclusivamente por italianos, nos quais 8 ou 10 homens, rindo ruidosamente, discutem com animação mulheres, futebol, a cotação das ações na bolsa parecem re-criar, nas barracas da praia, o clima masculino dos cafés mediterrâneos. 

Os visitantes estrangeiros que chegam a Fortaleza tendem a reunir-se seguindo critérios regionais, nacionais e/ou lingüísticos. Essas agrupações são, muitas vezes, espontâneas, mas os estrangeiros “residentes”, muitos dos quais casaram com cearenses, contribuem, de diversas maneiras, para estimular esses encontros. Muitos turistas internacionais, por outro lado, retornam repetidas vezes à cidade, “introduzindo” os recém chegados aos conterrâneos. Existem roteiros parciais e pontos de encontro privilegiados pelas diferentes comunidades que reiteram, na cidade, simpatias e tensões regionais e nacionais existentes na Europa.

Os alemães reúnem-se numa barraca específica da Beira-Mar. Estes, assim como holandeses, noruegueses e alguns suíços -- identificados, pelas garotas, como “esse povo que fala inglês” -- encontram-se, à noite, num bar determinado da Praia de Iracema, considerado, pelos cearenses, um “inferninho”.[37]

Os italianos encontram-se, durante o dia, numa barraca relativamente distante da dos alemães. No final da tarde e o início da noite, reúnem-se em outra, que é um conhecido ponto de encontro de garotas de programa agenciadas por um italiano. Essa barraca está muito próxima de um banco, no calçadão, onde diversos aposentados italianos residentes, sazonais e permanentes, se encontram diariamente, conversando com turistas e garotas. Aliás, são vários os aposentados que com renda mensal em torno dos R$ 2000, residem em Fortaleza, onde essa cifra permite levar uma vida confortável. As diversas categorias de italianos -- e suas “namoradas” e/ou esposas --, freqüentam, também, uma pizzaria da Praia de Iracema, extremamente apreciada pelos cearenses.

Embora, as comunidades se encontrem, ocasionalmente, há, entre elas, uma relação de relativa evitação. Giúlio, um jornalista de Veneza, de 40 anos, separado, sem filhos, turista recorrente em Fortaleza (é sua 4a visita), viajando sozinho mas sempre acompanhado por uma turma de italianos, afirma:

onde vai alemão, não vai italiano; há toda um história entre italianos e alemães. Além disso, a mentalidade é diferente, os alemães se parecem mais com os ingleses

 Andreás, um alemão de 38 anos, residente em Fortaleza, casado com uma cearense, oferece uma explicação para sua rejeição aos italianos: “são mafiosos”. Termos análogos são utilizados pelos italianos do Norte ao referir-se aos italianos do Sul, “tudo mundo sai que a Itália, são duas Itália, uma da Roma em alto, outra da Roma embaixo”, me explica Ercílio, um italiano, residente sazonal -- há quatro anos passa 8 meses do ano em Fortaleza -- separado, sem filhos, de 65 anos, adicionando:

basta olhar o lugar de nascimento de um italiano, se nasce ao Sud, oto pessoas su dieci sono delinquenti. Ma, se nasce al Norte, é completamente diverso sono trabalhadori... Depois, todos os homens qui que casaram para ter a permanença, são tutti homens do Sul da Itália, del Norte não está nessuno.

 E, de fato, os pontos privilegiados por cada comunidade mostram, também, diferenciações internas que se traduzem numa separação espacial. Na barraca da Beira-Mar freqüentada pelos italianos, as regiões de Itália ocupam mesas separadas -- “qui siamo tutti italiani, non há terroni” me diz, apresentando-me sua turma, Mário, um cozinheiro de 54 anos, solteiro, sem filhos, de Bologna, passando um mês em Fortaleza, pela segunda vez, com seu irmão Fúlvio.

O espaço “ecumênico”, no qual todas essas diferenças se encontram, é a disco-bar considerada ponto central de prostituição na Praia de Iracema. E quando digo todos, não me refiro apenas a nacionalidades, idades ou profissões. Quero dizer que turistas “novos” e “habitués” e integrantes das diversas comunidades de estrangeiros residentes em Fortaleza, casados, separados e solteiros, transitam por esse espaço que se tornou o emblema da “prostituição chique” voltada para o turismo internacional na cidade. Um interesse comum reúne essa diversidade: o interesse nas garotas brasileiras.

 

Conjunções e imbricações: gênero, localização, sexualização

Ele é muito ecológico, sabe? Ele falou que a única coisa que falta na vida dele é uma mulher brasileira, porque as plantas são brasileiras, o papagaio dele é brasileiro. Leva tudo do Amazonas, o peixe... Só falta mulher brasileira.  (Cida, referindo-se a um namorado alemão)

 Os estrangeiros de diversas nacionalidades que transitam pelo circuito do “turismo sexual de classe média” coincidem em assinalar a importância das mulheres locais, nas suas escolhas de conhecer, regressar ou permanecer em Fortaleza. Nas palavras de Steve, “dizendo a verdade, vim aqui porque meu amigo me contou sobre as garotas, quanto elas eram amistosas... ele me disse, ‘Steve você precisa ir, é o Céu. O Céu’[38]

Alemães, italianos, portugueses, argentinos, convergem nessa apreciação. Entretanto, esse caráter amigável faz parte de uma série de atributos que são corporificados nas mulheres, mas, também, são associados ao Brasil e, alternativamente, ao conjunto de seus habitantes. Na percepção dos estrangeiros entrevistados, calidez, simpatia, alegria, descontração e abertura são traços distintivos que, em relações atravessadas por gênero, marcam o caráter nacional, distinguindo-o daquele atribuído a outros países.

Fernando, um argentino solteiro, de 22 anos, funcionário de uma fábrica, visitando Fortaleza, com três amigos e pelo segundo ano consecutivo, sintetiza impressões de homens de outros países,

O brasileiro é uma pessoa muito especial, muito amigável. Você começa a conversar com eles e eles te oferecem tudo... São pessoas muito cálidas... Em Buenos Aires ninguém liga para você. Aqui, você anda na rua e todo mundo cumprimenta. A pessoa se pergunta, onde estou, na lua?[39]

 As qualidades às quais esse argentino alude são reiteradas pelos visitantes dos países do Norte. Entretanto, esses últimos acentuam a calidez e abertura atribuídas ao Brasil, traçando diferenciações entre países que, além do temperamento, incluem o clima. “A Itália, é toda bonita”, diz Ercílio, “má, fá freddo, poi, le persone, non gosto, cada um per sé”. Mário e Giúlio, por sua vez, explicam sua preferência pelo Brasil, dizendo: “a prima coisa, é o clima. Depois, está la gente, muito quente, muito simpática”.

Esse paralelismo, entre clima e atributos, está presente nas informações que esses estrangeiros obtêm do Brasil antes de partir. Nas primeiras páginas do “brazilian book”, o guia de viagem, de autores ingleses, carregado por Steve, moeda, clima e sexualidade são itens privilegiados na apresentação das características gerais do país. Este é considerado o mais tolerante em matéria sexual de toda América Latina. E a contigüidade entre clima e sexualidade não é casual. Eles são integrados numa relação, explicitada com particular nitidez por alguns estrangeiros. Nela, o conjunto de atributos associados ao caráter nacional deriva do clima e este, por sua vez, num jogo circular, é associado a um grau extremo de sexualização que, corporificado recorrentemente nas mulheres, marca a nação. Neste sentido, Américo afirma:

Em Portugal, a gente vive muito afastada... a confiança tem limites... somos mais retraídos. Talvez pelo clima... Chove oito dias seguidos, quinze dias seguidos. Só temos três meses de verão, o resto é chovendo, fazendo frio. A temperatura é totalmente diferente daqui. Eu diria que as mulheres aqui atingem a maioridade com menos idade. Uma moça aí com treze, quatorze anos é uma mulher que está farta de fazer sexo.

 A associação do Brasil com uma sexualidade exuberante e um elevado grau de prostituição é, por outra parte, freqüente.[40] Nesse procedimento, a apreciação dos atributos marcando o Brasil, carregado de ambigüidades, está longe de ser linear. Cada elemento positivo torna-se, também, parte de uma análise negativa. Nessa apreciação, os países da Europa, frios e individualistas, aparecem marcados por atributos que remetem, sobretudo, à idéia de racionalidade, organização legal e planejamento para o futuro, inexistentes no Brasil.

Nesses termos, a descontração brasileira mantêm relações com a corrupção e a possibilidade de viver à margem da lei. Fernando, um segurança português de 33 anos, solteiro, que passou sete meses viajando sozinho, como turista, no Brasil[41], afirma:

Amo o Brasil, porque no Brasil tudo é possível. É possível comprar documentos, qualquer tipo de documentos, tu sabes disso. É possível evadir impostos. E podes viver muito bem, muito melhor que em Portugal.

 A alegria brasileira também adquire conotações de imprevidência e irresponsabilidade. Américo explica que “o brasileiro pode não ter um tostão que se sente feliz, vive o dia de hoje, amanhã não sabe”. E essas características, cuja avaliação remete à localização, perpassam a percepção de feminilidades e masculinidades brasileiras e européias. Essa percepção, situada numa perspectiva transnacional, mostra um complexo jogo relacional entre categorizações, que se expressa em combinações múltiplas. Nesse encontro entre mundos, há re-elaborações de traços alocados a feminilidades e masculinidades.

Postos em relação com as nações do Sul, os países ricos aparecem masculinizados. Entretanto, olhados internamente, esses países aparecem marcados por um deslocamento das diferenciações de gênero. Nessa perspectiva, o Brasil, inserido no Sul, mostra distinções agudas e “tradicionais” entre masculinidades e feminilidades.  Por outra parte, feminilidades e masculinidades brasileiras são consideradas em relação às atribuídas às mulheres e homens dos respectivos países de origem dos estrangeiros.

Nesse contexto, as feminilidades européias tendem a ser marcadas por traços considerados masculinos, enquanto cabe às brasileiras uma re-criação da extrema feminilização -- e é precisamente essa re-criação o que os habitantes do Norte parecem procurar. De maneira análoga, as masculinidades européias evidenciam sinais de romantismo e delicadeza, enquanto as masculinidades brasileiras são concebidas com traços que remetem a uma hiper-masculinização. Esses processos de exacerbação das distinções de gênero alocadas ao Brasil, envolvem mecanismos de sexualização afetando masculinidades e feminilidades.

A acessibilidade e “calidez” do temperamento das brasileiras são contrastados com a arrogância das alemãs, a autoapreciação exageradamente positiva das inglesas,[42] a frialdade, o espírito calculador e a altivez das estafadas italianas, qualidades que se traduzem em elevados níveis de exigência em relação aos homens. E essas exigências são lidas como decorrentes de um problema da “identidade feminina” (européia). Os visitantes internacionais percebem as feminilidades das mulheres do Norte, corporificadas em mulheres que, priorizando o sucesso profissional, a carreira, o dinheiro, agem “à maneira de homens”, como masculinizadas e relativamente des-sexualizadas. Ao contrário, o temperamento carinhoso, a calidez, simplicidade e submissão das brasileiras, se integram numa idéia de feminilidade marcada por uma sensualidade singular cuja “fogosidade” se contrapõe à “frieza” das européias. 

Os atributos nacionais, corporificados no sangue, por sua vez, são associadas a uma masculinidade caracterizada por um temperamento explosivo e, ocasionalmente, perigoso, em contraposição ao sangue “frio” dos italianos. ”Brasileiro tem o sangue quente, perde a cabeça, é violento, capaz de matar”, comenta Ercílio.[43] E, na visão dos estrangeiros entrevistados, a masculinidade nativa se expressa numa sexualidade exacerbada, primária, pouco elaborada e desconsiderada.

O homem italiano, quando faz o amor com uma mulher brasileira, faz o amor durante uma hora e meia, duas horas, compreende, enquanto o homem brasileiro vai e transa com uma mulher 5-10 minutos, e acabou.[44]

 Se a intensificação e sexualização da masculinidade atribuída aos brasileiros é mostrada sob um prisma negativo, o mesmo não parece acontecer com as feminilidades. Entretanto, essa valorização positiva é, apenas, aparente. O jogo de atributos presente no processo de sexualização marca as feminilidades brasileiras, também, de maneira negativa. A sensualidade, revestida de simplicidade, é associada à falta de inteligência.[45] e, por outra parte, a “fogosidade” das nativas é ligada à propensão para modalidades (mais ou menos) abertas de prostituição. Estrangeiros de diversas nacionalidades compartilham essa percepção.[46] Nas palavras de Américo,

o Brasil, a mulher brasileira, é um fenômeno diferente. Vejo meninas de dezesseis, dezessete anos que já praticam... Somos abordados em qualquer sítio. Falam com nós, sentam aqui, nos convidam... 

 Entretanto, entre os visitantes internacionais, “os que falam inglês” são aqueles que expressam com maior clareza essa impressão: “todas estão atrás disto [dinheiro].. De uma maneira ou outra, mesmo as garotas que parecem não querer ter sexo com você, vão fazer você comprar bebidas, comida, tudo”.[47]

No universo das cearenses que estabelecem relações amorosas/sexuais com estrangeiros, as relações entre masculinidades e feminilidades, européias e locais, reiteram atributos presentes nas conceitualizações dos estrangeiros. Em termos análogos aos utilizados pelos visitantes internacionais, mulheres de diferentes camadas sociais, vinculadas ou não à prostituição, desvalorizam as “maneiras de ser homem” locais .[48] As percepções dessas mulheres sintetizam essa desvalorização na idéia da falta de delicadeza que, expressando-se na sexualidade, marca o temperamento dos homens cearenses. “Os daqui, da terra, são ignorantes”, diz a garçonete Cida, “tratam mal a mulher, por isso é que eu não gosto de brasileiros... depois de ter relação, se viram para o outro lado, acabou”. A psicóloga Cláudia, expressa percepções análogas:

sexo para os cearenses é uma coisa muito forte. Os estrangeiros que conheci... são diferentes, no sentido do carinho... são mais carinhosos, o holandês?... atencioso, carinhoso, calmo... ele me deu coisas que eu nunca recebi de nenhum outro homem... meu ex-namorado [cearense], me agredia e me deixou com uma dívida de 8.000reais.... 

 O jogo de desvalorização da masculinidade atribuída aos nativos homogeneiza as maneiras de ser homem dos locais. Em relação aos estrangeiros, entretanto, ela mostra diferenciações que, muitas vezes, são associadas à nacionalidade. Nas palavras de Cida,

gosto mais de alemão, porque o italiano é romântico, mas, às vezes, parece demais com brasileiro. Estúpido.  Alemão... são mais gentis. Ou o Daniel, que é suíço-francês. Todos os que eu já tive, italianos, só tive decepção.

 A sexualidade não está ausente dessas distinções. Nesses termos, algumas apreciam, particularmente, os italianos,

Não tem nem comparação. É mais vezes, é tudo mais, e a gente entende, são mais de falar, o sentimento. Agora, noruegueses, suíços, essas coisas assim, você não entende a cabeça deles, não. Agora italiano, a gente entende, confia, são legais demais. Italiano é atacado, mulher, ele quer toda noite, aqueles homens parecem canibais, tem que ser toda noite, eu adoro. São mais românticos que brasileiro, porque brasileiros são muito estúpidos.

 Entretanto, os fatores que incidem na valorização das masculinidades dos estrangeiros mantém relativa autonomia em relação à sexualidade -- e vale registrar que são freqüentes as histórias de estrangeiros mantendo, comparativamente, baixa freqüência de relações sexuais.

Era bem atencioso. Muito alto. O pinto dele era menos de médio. E tinha muita fantasia. Gostava de fazer amor, eu vestida, de biquíni, com roupa normal. Mas, em duas semanas tivemos relação poucas vezes. Íamos jantar... Eu me arrumava todinha, de saia longa. Ele me elogiava. Elogiava o cabelo. Era muito romântico. Como ele era tão alto, dormia atravessado na cama. Às vezes, ele sentava na cadeira e ficava me olhando... Eu acordava e reclamava. ‘Você não gosta de dormir comigo’. E, ele dizia, ‘eu gosto de ver você dormindo’.

 Nesse universo, no qual gentileza, romantismo e generosidade[49], vinculados à localização, tendem a ser os fatores principais na valorização positiva das masculinidades estrangeiras, as maneiras de ser homem mais valorizadas são aquelas ligadas a visitantes dos países do Norte. E esta afirmação está longe de ser redundante, uma vez que latino-americanos de diversas nacionalidades transitam pelo circuito de turismo sexual de classe média, procurando, eles também, aproximações com as garotas brasileiras.

As relações entre feminilidades estabelecidas pelas cearenses entrevistadas reiteram, também, atributos presentes na apreciação dos estrangeiros. As feminilidades européias são percebidas como marcadas pela frieza e autonomia. “São muito frias, todas... alemãs, francesas, italianas”, explica Cida e, interpretando um cartão de um dos seus namorados, diz: “não sei se você notou, nesse cartão, que ele fala aqui, ele tem 29 anos ... nunca arranjou uma namorada, que lhe mandasse um cartão, lhe botasse coisas de amor, que lhe tocasse, entende, aqui eu compreendi assim... ”.

Opondo-se a elas, as feminilidades brasileiras são marcadas pelas qualidades que os visitantes internacionais lhes atribuem. Temperamento carinhoso e submisso fazem parte desses atributos. Neste sentido, Cida afirma,

é o tipo da coisa, é você agradar ele... As mulheres dos países deles não são dependentes, tem o dinheiro delas, carro, liberdade, não precisam de um homem para ir a um bar. Brasileira, não, brasileira precisa. Eles gostam disso, e elas, as brasileiras, gostem que eles tomem conta. Delas olhar algo e dizer, que bonito. E eles comprarem para elas. Eles gostam dessa dependência e elas gostam do jeito deles.

 E a sexualização da qual são objeto as brasileiras é incorporada nas representações que essas cearenses têm das feminilidades nativas -- “somos as mais quentes, mais “caldas”, que eles falam”, afirma Tina, “mais ‘calientes”, diz Cláudia. Essa sexualização, intimamente ligada à localização e esse é o ponto que me interessa destacar é racializada.

  

Racialização

 Pode parecer paradoxal que, referindo-me a Fortaleza, fale em racialização. Entre as capitais do Nordeste vinculadas ao turismo sexual internacional, essa cidade está situada no estado que apresenta o menor índice de população negra.[50] Explicar-me exige pensar tanto na noção de racialização como a maneira que a “cor” opera no marco das relações transnacionais em Fortaleza.

Essa noção, utilizada no início da década de 1960 por Fanon,[51] tem sido recriada no marco das discussões contemporâneas sobre os contatos transnacionais e multiculturais associados à globalização. Entre essas perspectivas, contam-se as abordagens feministas interessadas em compreender a imbricação entre gênero e outras categorias de diferenciação. Nessas abordagens, que convergem para sublinhar a multiplicidade de diferenciações possíveis, conferindo, entre elas, um lugar destacado à "raça”, nem sempre o conteúdo dessa categoria resulta claramente delineado, particularmente nas perspectivas que contextualizam “raça” e “racismo” através dos parâmetros dos “processos étnicos”.[52] Não há, por outra parte, um acordo absoluto no que se refere ao estatuto conceitual desta categoria.[53] Entretanto, há convergências no que se refere à pensar em racialização para aludir ao modo complexo de operação das desigualdades através do qual se excluem grupos corporalmente marcados.[54]

Quando digo que, no contexto no qual se centram estes comentários, a sexualização, atravessada por gênero é racializada, refiro-me ao fato de que essa imbricação de diferenciações, corporificada nas mulheres namorando estrangeiros, é sintetizada numa cor: morena. Ao falarem nas morenas, os estrangeiros utilizam a cor, muitas vezes, em termos descritivos: elas têm uma pele que não é branca, nem negra -- as “negras/negras” são, aliás, rejeitadas por estrangeiros de diversas nacionalidades. Nas palavras de um português, “gosto das brasileiras, mas das brasileiras morenas, até das mulatas, das negras nunca, sou um pouco racista”. Nesses termos, nos quais ser morena remete a uma determinada tonalidade, ser queimada pelo sol não basta. Entretanto, essa cor é utilizada, também, em termos categóricos.

Na visão dos visitantes estrangeiros, a cor morena é intimamente ligada ao Brasil e é associada à “melhor mulher”, à mais “fogosa”, àquela “com maior mobilidade na cama”.[55] Na perspectiva dos visitantes internacionais, essa relação entre cor e sexualização, perpassando classes sociais, é vinculada à localização. E as garotas em contato com os visitantes internacionais são plenamente conscientes dessa preferência.

O que é que eles gostam de mim? A minha cor. Sempre, todos que me conhecem sempre falam, amam muito minha cor, sabe, porque sou morena, tenho cabelo enrolado, e sou simpática, carinhosa, sou muito natural, da terra, isso que eles sempre falam...

 Nesse contexto, esse jogo entre racialização/sexualização não é operacionalizado exclusivamente pelos estrangeiros. Ele é implementado, também, pelos locais. Entretanto, enquanto na perspectiva dos visitantes internacionais a relação racialização/sexualização marca, genericamente, todas as brasileiras, percebidas como morenas, na perspectiva dos locais, esse jogo “racializa” as nativas apenas quando elas estão acompanhadas por estrangeiros.

Aqui em Fortaleza, chegou um estrangeiro, arranja logo uma brasileira, aí vai para o forró, entende? Eu fui barrada lá. Foi justamente quando eu estava com Lupo, foi chato. É um racismo. Mas depois de um tempo eu voltei, mas voltei só e me deixaram entrar, numa boa. Foi aí que não entendi nada. Entro normalmente. Agora se eu entrar com estrangeiro, é certo barrada....

 Como se o fato de acompanhar estrangeiros “localizasse”, automaticamente, essas nativas, cai em cima delas o peso da reiteração das conceitualizações dos estrangeiros, que são sexualizadas/racializadas, também, por seus conterrâneos. E esse procedimento adquire prioridade sobre as distinções de classe locais.

Aqui tá todo mundo mimetizado, ninguém sabe quem é quem, o que faz, não é a cor, não é o cabelo, não é a roupa que identifica a categoria social, a profissão, nada. Quinta feira, a minha colega, que é guia também, acompanhou um pessoal para jantar, um grupo de portugueses, gente de alto nível de um banco português, diretores e tal. No Chico do Caranguejo tinha uma blitz, uma dessas blitz de carnaval, parando tudo que era estrangeiro e pedindo passaporte. Chamaram ela de prostituta: “se você está com eles é porque é puta”... eu mesma, já sofri esse preconceito em hotéis, aqui na praia: “olha ali o gringo se garantindo com a morena”.  (Cearense, guia de turismo, 33 anos, casada há sete com um ex-turista italiano, conhecido em serviço.)

 

Agradecimentos

 O desenvolvimento da pesquisa na qual se baseia este texto só foi possível graças ao envolvimento de inúmeras pessoas que apoiaram diversas fases de sua realização. Ana Maria Medeiros da Fonseca e seus familiares, particularmente Heloísa, responsáveis pelo meu interesse e conhecimento de diversas regiões de Fortaleza e do litoral do Ceará, colaboraram de maneira crucial no levantamento de dados, estabelecimento de contatos e no trabalho de campo.

O trabalho de campo teria sido impossível sem a ativa participação, em suas diversas fases, de Jane Guedes Horta. Celeste Cordeiro, Nucásia Meiri Araújo de Almeida, Maria Isolda Castelo Branco Bezerra de Meneses, Glória Diógenes e Ranulfo Cardoso, docentes e pesquisadores de universidades e organizações não governamentais em Fortaleza ofereceram apoio e sugestões cruciais para o desenvolvimento desta pesquisa, facilitando diversos contatos.

João Barbosa, Júlio Trindade, Cláudia e Ítalo Borges, Evanildo Evangelista, Wagner de Góes Horta Filho, Janine, George e André Guedes Horta, Áurea, Bob, Eliano, Fátima, Regina, Vanda, Walkiria e Dagmar possibilitaram o trânsito por diversos espaços e facilitaram a realização de entrevistas. As integrantes da Associação de Prostitutas do Ceará (Aproce), particularmente Rosarina Sampaio, Lívia e Silvia deram subsídios cruciais. Os/as funcionários/as dos hotéis nos quais fiquei hospedada durante o trabalho de campo, particularmente Giovanni, Elza, Iracema e Selma contribuíram, de diversas maneiras com a pesquisa, oferecendo-me uma proteção “doméstica” fundamental para sua realização.

Sou grata aos subsídios intelectuais oferecidos por Maria Luiza Heilborn, Suely Kofes e Mariza Corrêa e as docentes e pesquisadores portuguesas que me abriram as vias para a pesquisa bibliográfica sobre turismo e prostituição realizada em Lisboa -- com o apoio da CAPES-ICCT -- Maria Cardeira da Silva, Teresa Joaquim, Antônia Pedroso Lima e Inês Meneses.

Agradeço o apoio institucional oferecido por Maria Margaret Lopes, Luciana Camargo Bueno e Iara Beleli, sem o qual teria sido impossível realizar as diversas fases do campo e a generosa disposição de Luciana e Juliana Liporini de Nascimento para transcrever o material gravado.

Registro, também, minha dívida com Albertina de Oliveira Costa, coordenadora do PRODIR III, no marco do qual está sendo realizada a pesquisa na qual se baseia este texto, cuja total disponibilidade para solucionar problemas associados ao desenvolvimento do projeto facilitaram muito sua concreção e com Antônio Jonas Dias Filho, que, com inesgotável paciência, me instou a escrever este texto.

Finalmente, agradeço a todas e todos aqueles, cujos nomes não posso revelar, que se dispuseram a compartilhar suas experiências e pontos de vista comigo.

  

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[1] Doutora em Antropologia pela Unicamp; Coordenadora e Pesquisadora do Núcleo de Estudos Pagu da Unicamp.

[2] TRUONG, T. Sex, Money and Morality. Zed Books, London, 1990, citado in: PETTMAN, Jan Jindy: “Body Politics. International Sex Tourism”, Third World Quarterly, vol. 18, n. 1, pp. 93-108, 1997. A produção brasileira, ainda escasa, tem explorado aspectos dessas relações no Recife, em Salvador e no Rio de Janeiro. Vide CARPAZOO, Ana Rosa Lehman: Turismo e identidade - construção de identidades sociais no contexto do turismo sexual entre alemães e brasileiras na cidade do Recife. Dissertação de mestrado apresentada no mestrado em antropologia, Universidade Federal de Pernambuco, 1994; DIAS FILHO, Antonio Jonas: Fulôs, Ritas, Gabrielas, Gringólogas e Garotas de Programa. Falas, práticas, textos e imagens em torno de negras e mestiças, que apontam para a construção da identidade nacional, a partir da sensualidade atribuída à mulher brasileira. Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em Sociologia da Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1998; ROSA, Renata Melo de: Vivendo um conto de fadas: ensaio sobre cor e “fantasia” entre cariocas e estrangeiros. Dissertação de mestrado, UFRJ, 1999.

[3] Alguns trabalhos publicados na segunda metade da década de 1990 chamam a atenção para esse tipo de relação em locais específicos, particularmente em Kenya, Gambia e diversas ilhas do Caribe. Vide: OPPERMANN, Martin: “Sex Tourism”, Annals of Tourism Research, vol 26, n° 2, 1999, p. 251-252; DAHLES, Heide, BRAS, Karin: “Entrepreneurs in Romance. Tourism in Indonesia”, Annals of Tourism Research, Vol. 26, n° 2, 1999, pp.267-293; PRUITT, Deborah, LaFont, Suzanne: “For love and money. Romance Tourism in Jamaica”, Annals of Tourism Research, vol. 22, n° 2, 1995, pp. 422-440; MEISCH, Lynn: “Gringas and Otavaleños, Changing Tourist Relations”, Annals of Tourism Research, vol. 22, n° 2, 1995, pp. 441-462.

[4] Esses estudos afirmam que enquanto o turismo sexual perpetua papéis de gênero e reforça as relações de dominação masculina e subordinação feminina, o “turismo/romance” fornece uma arena para as mudanças, uma vez que nele os/as parceiros/as exploram novas vias para negociar masculinidade e feminilidade. PRUITT e LaFont, op. cit. p. 423.

[5] Essa visão do turismo sexual é corrente na bibliografia internacional. Vide PRUITT e LaFont, op. cit. p. 422, PETTMAN, Jan Jindy: “Body Politics: International Sex Tourism”, Third World Quarterly, Vol. 18, n°1, pp. 93-108, 1997, p. 96, LEHENY, David: “A political economy of Asian Sex Tourism”, Annals of Tourism Research, vol. 22, n°2, 1995,p. 373.

[6] Trabalhando com “turistas sexuais” em Cuba, Julia O’Connell Davidson denomina “Macho sexual tourists” aos primeiros e “turistas sexuais ocasionais” aos segundos. O’CONNELL DAVIDSON, Julia, “Sex Tourism in Cuba”, Race and Class, 38, 1, 1996, p. 43.

[7] Algumas modalidades de turismo sexual poderiam ser consideradas parte da prostituição, enquanto outras não podem ser nela englobadas. OPPERMANN, op. cit., p. 261.

[8] A cidade, capital do estado do Ceará, no Nordeste do Brasil, considerada pólo industrial e turístico, em função de suas belas praias e agitada vida noturna, é uma das que mais crescem no Nordeste e é, também, uma das regiões metropolitanas mais pobres do País. Na primeira metade da década de 1990 a Grande Fortaleza era a quinta maior metróple do Brasil, com uma população de 2,3 milhões de habitantes. Em maio de 1996, a região metropolitana de Fortaleza contava com a segunda maior proporção de pobres no País (40% da população do estado), logo atrás do Recife (47,2%) e um pouco à frente de Salvador (39%) e de Belém (39,5%). Nesse período, o turismo, cujo crescimento intensificou-se aceleradamente a partir da década de 1980, responsável pela elevação do PIB em aproximadamente 5%, tornou-se a fonte de empregos que mais cresce no Ceará. Vide: “Receita turística e Impacto sobre o PIB - 1995/1998”, In: GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ. SECRETARIA DE TURISMO, Ceará, Terra da Luz, Indicadores Turísticos 1995/1998, setembro de 1999; “Fortaleza is the tropical city where all the days and nights are pure joy and fun”, SECRETARIA DO TURISMO - GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ, Ceará, Brasil, s/d; “Anuário Estatístico do IBGE, 1993”, citado em CORIOLANO, Luzia Neide: Do Local ao Global. O turismo litorâneo cearense, Papirus, 1998, p. 88; Relatório Missão Piloto ´O caso de Fortaleza´, Reforma Socio-econômica do BID - Grupo da Agenda Social - maio/1996, citado em CORIOLANO, op. cit., p. 88.

[9] Fortaleza começou a receber vôos internacionais diretos na primeira metade da década de 1990. -- Atualmente esses vôos ligam a cidade a Portugal, Itália, EEUU e, em determinadas épocas do ano, a Argentina. E, se a história do debate sobre turismo sexual na cidade antecede o pouso dos vôos internacionais em Fortaleza -- eles começam a chegar ao Nordeste no final da década de 1980 -- , sua diversificação coincide com a intensificação do turismo internacional no Ceará. A variação percentual deste foi de 96,8% entre 1996 e 1998: 40.209 turistas internacionais em 1996 contra 79.149, em 1998. Vide: “Principais Mercados Emissores para o Ceará via Fortaleza” e “Discriminação meses/ano do Movimento de Passageiros no Aeroporto Pinto Martins”, 1994/1998. GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ. SECRETARIA DE TURISMO. Ceará, Terra da Luz, op. cit.

[10] O termo “garotas de programa”, utilizado, segundo Gaspar, para designar mulheres de conduta sexual estigmatizada e, também, prostitutas é utilizado, na cidade para referir-se a mulheres e adolescentes, de diferentes camadas sociais, em situação de prostituição. Mas, ele adquire, também, conotações específicas: entre prostitutas, o termo alude a hierarquizações no universo da prostituição local. Nas palavras de Rosarina, presidente da APROCE e ex-prostituta: “É prostituição igual. A diferença é que elas são mais elitizadas, algumas nem querem ser chamadas garotas de programa, mas de acompanhantes”. Na percepção de uma “mulher (auto-denominada) de programa”, em exercício, na Beira-Mar e na Praia de Iracema, “vender o corpo”, sinônimo de “fazer programa”, em qualquer nível é prostituir-se. Vide: GASPAR, Maria Dulce, Garotas de programa. Prostituição em Copacabana e Identidade Social, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1985, p. 11

[11] Essa idéia torna-se mais clara considerando casos concretos. No jantar de despedida de um grupo de oito napolitanos que passaram uma semana em Fortaleza, em fevereiro de 2000, apenas um deles não tinha arranjado “namorada”. Alguns desses turistas, ligados por relações de amizade e/ou de parentesco -- no grupo havia, inclusive um pai na faixa dos cinqüenta anos com seu filho, na casa dos 20 --, de diferentes profissões -- proprietários de micro-empresas, vendedores, empregados e indústrias -- e idades, estavam acompanhados por prostitutas, conhecidas em diversas partes do calçadão. Um deles, por uma garota de programa muito mais sofisticada que trabalha numa disco-bar, ponto central do esquema de prostituição da Praia de Iracema. Finalmente, outro, por uma jovem advogada, filha de uma juíza, que conheceu quando o grupo visitou uma boate freqüentada pelas camadas médias locais, também na Praia de Iracema. Este último relacionamento sofreu oposição pelo grupo uma vez que, ao tratar-se de uma menina de família, o “namorado” demoraria muitos dias para ter acesso sexual a ela. Apenas as duas últimas despediram o grupo no aeroporto, situação na qual a advogada deu carona para a garota de programa.

[12] Tal como é concebido por Parker, o termo nacionalidade, assim como gênero, é relacional. Sua “identidade” deriva de um sistema de diferenças. No entanto, no caso, “localização”, como termo que aponta para o contexto no qual as nacionalidades estão “interagindo”, parece-me mais adequado. PARKER, A. et alii: Nationalisms and Sexualities. Routledge, New York, 1992.

[13] Estou considerando a diferença estabelecida por Kofes entre “termos de cor descritivos”, que levam em conta as mais mínimas diferenças para descrever, identificar pessoas, e os “categóricos”, que possuem autonomia em relação a esses sinais e remetem a uma classificação. ALMEIDA, Suely Kofes de: “Entre nós, os pobres, eles, os negros”. Dissertação de mestrado em Antropologia Social. IFCH, Unicamp, 1976, pp. 72, 97.

[14] Os italianos são os turistas estrangeiros vinculados com maior freqüência ao turismo sexual em Fortaleza. As estatísticas da Secretaria de Turismo (SETUR), para 1998, nas quais não se explicita se os turistas chegam sós ou acompanhados, um dos indicadores correntemente utilizados para detectar potenciais turistas sexuais, indicam a maior freqüência das seguintes nacionalidades: estadounidenses (22,2%), italianos (13,8%), alemães (12,8%), portugueses (9,4%), franceses e argentinos (7,4%). Entretanto, o critério seguido na escolha das nacionalidades dos entrevistados foi procurar aquelas relevantes na experiência das garotas de diversas categorias que namoram estrangeiros. Elas incluem, também, nacionalidades sem destaque nas estatísticas, tais como ingleses, holandeses, noruegueses, austríacos, bolivianos e chilenos e outras que, embora significativas nos percentuais dos estrangeiros que visitam Fortaleza, são associadas pelos guias de turismo ao “turismo de família” (noção que se opõe ao “turismo de rapazes” ligado ao turismo sexual): portugueses e argentinos. Até o momento, nenhuma das mulheres entrevistadas mencionou ter namorado algum estadounidense.

[15] Já realizei 30 entrevistas com essas diversas categorias de sujeitos, mas não incorporei mulheres estrangeiras uma vez que as turistas internacionais são extremamente escassas em Fortaleza. Elas estão concentradas em em praias afastadas tais como Canoa Quebrada e Jericoacoara. As entrevistas com estrangeiros foram realizadas em diversas línguas: inglês, português, espanhol e italiano.

[16] Esse circuito inclui diversos bares, boates, forrós e restaurantes da Praia de Iracema, partes do calçadão, barracas de Praia, hotéis e restaurantes na Beira-Mar e barracas e apartamentos habitados por garotas que namoram estrangeiros na Praia do Futuro.

[17] Realizei 6 entrevistas com esses agentes, além de ter entabulado inúmeras conversas informais com uma diversidade de pessoas envolvidas com o turismo internacional na Praia de Iracema.

[18] O termo rapariga, em Fortaleza, é sinônimo de prostituta.

[19] A Praia de Iracema é um espaço predominantemente noturno. Nos anos 90, após a recuperação arquitetônica do bairro, ela se tornou encontro da juventude local, de antigos freqüentadores e de turistas. Atualmente, essa Praia é percebida como o espaço mais “misturado” de Fortaleza, no sentido em que nela convivem pessoas de diversos grupos sociais.

[20] Diversos agentes entrevistados, inclusive garotas envolvidas na prostituição, utilizam o valor das “tarifas” como medindo o “nível” da mesma. Esses níveis, ligados à pobreza e ao grau de instrução, têm expressões territoriais. Os mais “baixos” estão associados a modalidades que têm lugar no centro da cidade e na Barra do Ceará. Em níveis crescentes, situam-se as modalidades que têm lugar nos bordéis da “zona” decadente do antigo farol, em alguns pontos da Beira-Mar e da Avenida Abolição e nas casas de massagens. Nesses locais, as tarifas oscilam entre os 20 e 30 reais. A prostituição “chique” da Beira-Mar e da Praia de Iracema, com programas entre 50 e 150 reais, situa-se nos níveis intermediários/elevados. Nos mais elevados estão as “acompanhantes”, mulheres de nível superior, contatadas por telefone, com programas oscilando entre 300 e 400 reais, procuradas por empresários e executivos locais. Para uma síntese da história da prostituição em Fortaleza vide: SOUSA, Ilnar de: O cliente, o outro lado da prostituição. AnnaBlume, São Paulo, 1998.

[21] Durante o transcurso da pesquisa não percebi, nos locais observados, crianças em situação de prostituição. Entretanto, em altas horas da madrugada, encontrei, em diversas oportunidades, garotas que aparentavam ter entre treze e dezesseis anos. Parece-me importante comentar que a responsabilidade absoluta atribuída ao turismo internacional pelo aumento da prostituição infantil, na cidade, tem se atenuado recentemente. Nos anos 90, o turismo sexual, associado à prostituição infantil, tornou essa cidade alvo da atenção nacional e internacional. A divulgação de dados de pesquisas encomendadas pelo Pacto de Combate ao Abuso e Exploração sexual de Crianças e Adolescentes, realizadas em 1997 e difundidas, em formatos diferentes, em 1998 e 1999, teve visíveis efeitos nessa discussão. Esses trabalhos foram sendo pensados e viabilizados paralelamente à organização da Campanha Nacional pelo Fim da Exloração, Violência e Turismo Sexual contra Crianças e Adolescentes, lançada, nacionalmente, em 1995. Permitindo perceber a diversidade existente no que, ao longo da década de 1990, tendeu a ser considerado como porno-turismo, de maneira homogênea, essas pesquisas mostram que, nas áreas pesquisadas, a prostituição infanto-juvenil envolve basicamente adolescentes -- e não crianças -- e aponta, definitivamente, para o fato de que, embora os turistas representem um percentual importante da clientela, os turistas brasileiros (16,7%) ocupam um lugar próximo ao dos visitantes estrangeiros (18, 8%) -- e, no cômputo total, a soma de ambos é inferior a 50% do total dos clientes Vide: ARTICULAÇÃO NACIONAL DA CAMPANHA PELO FIM DA EXPLORAÇÃO, VIOLÊNCIA E TURISMO SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: Uma iniciativa vitoriosa; Documento 01, 1995, JUBITSCHEK, Marcia: “The example of Brasil”, in WTO General Assembly Round Table on Tourismo Promotion in Foreign Markets, Istanbul, Turkey, 23 October, 1997; PACTO DE COMBATE AO ABUSO E EXPLORAÇÃO SEXUAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES: Criança Infeliz, exploração sexual de crianças e adolescentes de ambos os sexos. Relatório de Pesquisa e elaboração do relatório, Glória Diógenes, Fortaleza, 1998; CÂMARA MUNICIPAL DE FORTALEZA, Exploração Sexual e Comercial de Adolescentes em Fortaleza, Cartilha Popular, 1999.

[22] Termo utilizado para referir-se ao sexo oral.

[23] As jovens entrevistadas, muitas das quais são consideradas “de programa” pelos cearenses, algumas das quais provêm de cidades do interior do Ceará (São Luis do Curú, Itapipoca), de outras cidades do Nordeste (Natal) e do Norte do Brasil (Belém e Manaus) -- moram em bairros diversificados: Serviluz, Leste-Oeste, Henrique Jorge, apartamentos compartilhados na Praia do Futuro e pensões na praia de Iracema. Algumas das que moram em locais afastados (Messejana), ou trabalham como empregadas domésticas, residindo na casa dos patrões, passam os finais de semana em apartamentos de colegas, na Praia do Futuro ou, inclusive, na Beira-Mar

[24] Esse tipo de roupa é, aliás, exibido na maior parte das vitrines da Avenida Monsenhor Tabosa e nos diversos shoppings da cidade. Próxima ao calçadão, a Monsenhor Tabosa é considerada “capital cearense da moda”.

[25] E cabe aqui um esclarecimento. Também na região da Beira-Mar há prostituição de “melhor nível”. Esta concentra-se, particularmente, nalgumas barracas de Praia próximas a um hotel e dois flats freqüentados, sobretudo, por italianos. Há uma certa circulação entre esse espaço e a Praia de Iracema, particularmente após a mudança de uma boate, situada, até o final de 1999 nessa região, para a Praia de Iracema. Entretanto, o espaço no qual concentrei a observação, transitado por um universo mais amplo de mulheres que namoram estrangeiros, é atravessado por uma ambigüidade ausente nos locais da Beira-Mar, nos quais prostitutas agenciadas e/ou avulsas só “saem” com os clientes após terem acertado o contrato com ele ou com o agenciador.

[26] As interações estabelecidas com os turistas internacionais, através das quais as garotas são incorporadas às atividades dos visitantes, ingressando, assim, num universo de lazer compartilhado pelas camadas médias locais permite que essas meninas atravessem diversas barreiras sociais -- provocando freqüentes incômodos entre os nativos.

[27] Misturados, no sentido em que neles convivem pessoas envolvidas na prostituição com outras que não têm vinculação com ela.

[28] Essa dinâmica altera-se nos poucos espaços destinados específicamente ao encontro entre garotas de programa e visitantes estrangeiros. Na disco-bar considerada centro do esquema de prostituição da Praia de Iracema, são elas as que transitam, circulando entre as mesas. Ficam em pé, vão para a pista de dança e aproximam-se dos grupos de homens. Quero dizer que, no interior desse bar, os rituais de aproximação parecem ficar inteiramente em mãos das meninas. Elas cercam os clientes, que, nessa situação, aparecem basicamente como receptivos. Aproximam-se deles, passam-lhes as mãos na cabeça, os puxam pelas mãos para dançar. Apenas alguns chamam as meninas que já conhecem. A porta desse bar parece marcar uma delimitação de espaços na qual se inverte a dinâmica da aproximação. No interior da Disco-Bar, são elas as que se aproximam.

[29] “I have been to bed with some of them. Dark, medium and light. In the first two days I went crazy”.

[30] O conhecido “golpe de cinderela” ou, na linguagem das meninas miseráveis da Beira-Mar “pegar otário”, foi aplicado a estrangeiros de diversas nacionalidades durante minha permanência em Fortaleza. Entretanto, diversos estrangeiros residentes e homens locais que conhecí já foram vítimas desse procedimento.

[31] Digo analiticamente levando em conta a definição de prostituição feminina enunciada por Gaspar, isto é, um contínuo de relações possíveis entre homens e mulheres que combinam sexo e dinheiro sem passar pelo casamento e/ou procriação -- em cujos extremos se situam a relação de amantes e a relação do cliente com a prostituta de rua ou zona. GASPAR, Maria Dulce: Garotas de Programa. Prostituição em Copacabana e Identidade Social. Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 1985.

[32] A Beira-Mar e, ocasionalmente, a Praia do Futuro durante o dia, e a Praia de Iracema, à noite.

[33] Natal, Recife, Salvador, Belém e Manaus.

[34] Amazônia e/ou o Pantanal.

[35] Jericoacoara e Canoa Quebrada.

[36] O tempo de permanência é um dos critérios utilizados para a escolha de hospedagem. Ficam em hotéis , apenas, os visitantes que passam poucos dias na cidade. Entretanto, a liberdade de levar mulheres, existente em algumas pequenas pousadas, nos flats e nos apartamentos, é um critério relevante para essas escolhas. Após as atividades do Pacto de Combate à Prostituição, muitos dos grandes hotéis denunciados, no passado, como coniventes com o turismo sexual, restringiram severamente o ingresso de mulheres não hospedadas e baniram, inclusive, a prática de utilização de “books”, oferecendo mulheres.

[37] A nacionalidade do dono tende a atrair conterrâneos. A inauguração, no final de fevereiro, de um novo restaurante alemão, na qual estive presente, reuniu diversos turistas e parte substancial da comunidade de alemães, em Fortaleza. casados com cearenses.

[38] “To tell the truth, I came here because my friend told me about the girls, how friendly they were... He said, Steve “you have to go, is Heaven, Heaven”.

[39] “El brasilero es una persona especial, muy amigable. Te ponés a charlar, te brindan todo. No sé si es porque tratan bien a los turistas o porque son así. Son personas muy cálidas, los brasileros. Uno está acostumbrado en Buenos Aires a que no ten ni la hora, no te saluda nadie. Aqui andás aqui en la calle y te saluda todo el mundo. Uno se siente, donde estoy yo, en la luna?”

[40] “O que se sabe do Brasil”, diz Ercílio, “é que há 50 mulheres para cada homen, e muita prostituição”. Entretanto, é necessário assinalar que as associações entre o temperamento “quente” atribuído às brasileiras e aspectos tais como o clima não eliminam percepções que levam em conta fatores estruturais, particularmente aspectos demográficos e econômicos. Ercílio explica, “o problema é que na Itália há uma mulher para 50 homens. A mulher brasileira, está 50 mulher e um homem. Allora, a mulher brasileira deve ser carinhosa se voule encontrar um homem... Muita brasileira cerca um homem para havere uma securança, garantir a comida, a casa. Na Itália, a mulher tem muito dinheiro. Ela não vai casar com um homem que ganhe 1500, 1800 reais, uma vida tranquila.

[41] Fernando, à quem tive acesso através de uma das mulheres entrevistadas em Fortaleza, foi entrevistado em Lisboa, fora do contexto desse circuito de turismo sexual.

[42] Steve refere-se, em termos semelhantes, às inglesas Faz tempo que estou solteiro, e acho que vou continuar solteiro por muito mais tempo, até passar os quarenta. As meninas inglesas são impossíveis. Todas se acham muito especiais. Eu estou com mulheres o dia todo... Mulheres que estudam, que trabalham. Todas são iguais. Você não pode entrar num pub e conversar, como você faz aqui. Elas teriam muito que aprender aqui.

[43] Nesse sentido, vale chamar a atenção para o fato de que a associação entre afetuosidade, abertura, pobreza e criminalidade, atinge, também, as relações entre as regiões pobres dos países européus, embora em grau menor. E Ercílio comenta que no Sul da Itália, cheio de mafiosos, onde as pessoas trabalham pouco, elas são, também, mais carinhosas. Mas, após conversar, roubam tua carteira. Entretanto, é diferente do Brasil, onde são carinhosos e te matam.

[44] “L´homem italiano quando fá lámore com uma mulher brasileira, fá l´amore uma hora e meia, duas horas, compreende, mentra o homem brasileiro, vá e transa com uma mulher 5-10 minute, e acabou.” 

[45] “Só pensam em namorar e dançar forró” afirma Domenico, um aposentado italiano de 60 anos, dando-me como exemplo a “amiga” que mora na casa dele: “falta cérebro, não sabe nem a tabuada”. 

[46] Entretanto, é importante esclarecer que, se há convergências entre nacionalidades no que se refere às considerações da feminilidade e masculinidade nativas, há diferenças importantes em relação às percepções da prostituição. No universo de turistas entrevistados, apenas alguns explicitam o objetivo sexual da viagem. No entanto, a maior parte deles escolheu Fortaleza após ter percorrido o circuito internacional de turismo sexual. Tailândia, Filipinas, Cuba, Santo Domingo, Tailândia, Ilha Margarita, são países aos quais eles se referem com freqüência, utilizando-os como referência nas suas comparações. E, no que se refere ao destino, as apreciações divergem. “Os que falam inglés”, Steve, por exemplo, declara a “superioridade” da Indonésia como destino para certo tipo de “vacations” -- que, embora não nomeado, se opõe àquelas destinadas a atividades “socializing” -- e suas preferências pela Tailândia em relação ao Brasil: “Na Tailândia, essa história dos estrangeiros e as garotas é mais natural, faz parte da vida... Aqui, as garotas acenam, se aproximam, não é possível sequer sentar sozinho num bar e, ao mesmo tempo, nunca nada é muito claro, tudo é misterioso. E esses homens com aqueles olhos avermelhados pela bebida lançam aquele olhar... tudo parece perigoso... as meninas brasileiras são “nice”, mas as Thai são diferentes. Não é apenas uma questão de preço -- já passei uma semana inteira com uma, deixei dez dólares e ela ficou feliz, enquanto aqui elas pedem 40, 50 reais. As meninas Thai fazem tudo para agradar você, te acariciam, dão banho.” Os italianos, ao contrário, apreciam bastante o clima de ambigüidade perpassando os encontros transnacionais que têm lugar em Fortaleza.

[47] “They´re all after this [money], most of them. In some way, even the girls who don´t seem to want to have sex with you, they will have you buy drinks all day, I bought food for the girls, everything”.

[48] É necessário esclarecer que o amplo leque de mulheres que afirmam suas preferências pelos homens “de fora” extrapola aquelas que namoram estrangeiros. Em parte significativa do universo de entrevistadas há uma gradação nas diferenciações entre brasileiros e estrangeiros, na qual os pólos extremos, em termos de masculinidade, estão alocados a cearenses e estrangeiros. Nas palavras de Elenita, jovem empregada de uma padaria da Praia de Iracema, namorada de um paulista, “O homem daqui é um cavalo batizado, não é cavalheiro... assim, não abre a porta para a mulher passar... e quando é carinhoso é cheio de mulher”.

[49] Neste texto tenho feito alusões muito indiretas à classe social, no que se refere aos estrangeiros. Entre as mulheres que entrevistei, as jovens de camadas mais baixas, levam em conta a posição social que atribuem aos visitantes. Entretanto, os indicadores econômicos fundamentais referem-se, tirando exceções -- Cida recusou-se a sair com um garçom estrangeiro, “garçom com garçonete não dá certo”, me disse -- , à disposição para gastar estando em Fortaleza e/ou a convidá-las a viajar.

[50] 2,95%, enquanto Pernambuco apresentava 3,3% e Salvador 20,2%. É importante destacar que a população “parda”, nos três estados apresenta cifras próximas: Ceará contava com 67,4%, Pernambuco com 63,4% e Bahia com 69%. Segundo o Censo do IBGE (1991)

[51] Fanon fala em racialização, aludindo às reivindicações nacionais no contexto da dominação colonial e referindo-se ao conceito de negritudo e à racialização forçada das reivindicações dos homens de cultura africana. Vide FANON, Frantz: Os condenados da terra, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1979 [2° edição] [1961], pp. 175-178.

[52] Anthias e Davies, por exemplo, definem tanto “raça” como “etnicidade” em termos do estabelecimento de “fronteiras” (boundaries). As duas categorias são pensadas como marcadores que possibilitam o pertencimento a grupos específicos, envolvendo mecanismos de inclusão e exclusão. Estas autoras concebem a “raça” como uma das maneiras através das quais se constróem limites entre os que podem pertencer a uma comunidade e os que não, de acordo com diferenças biológicas ou fisionômicas. Estas diferenças podem ser expressadas na cultura ou no estilo de vida, mas têm sempre raízes na separação das populações seguindo alguma noção de traços hereditários. E, embora a “etnicidade” envolva, segundo as autoras, a construção social de uma origem como base para a comunidade, é uma construção que divide as pessoas em diferentes coletividades e comunidades, de acordo com parâmetros heterogêneos histórica, territorial, cultural ou, à maneira da “raça” fisionomicamente. ANTHIAS, Floya e YUVAL-DAVIS, Nira: Racialized Boundaries. Race, nation, gender, colour and class and the anti-racist struggle. Routledge, Londres,1993, pp 2-4.

[53] Entre as antropólogas feministas, Moore, procurando compreender a "identidade de gênero" como produto dinâmico de tipos de agência e formas de subjetividade marcadas através de estruturas de diferenciação, outorga um lugar importante à "raça". Considera “raça”, assim como gênero, etnicidade, princípios estruturantes da vida social humana que devem ser especificados "em contexto". Segundo esta autora, em determinado momento, o racial pode adquirir prioridade sobre o sexual, em outro, a etnicidade pode operar como a diferença "que define". Entre as historiadoras da ciência, Donna Haraway pensa a “raça” numa perspectiva conceitual diferente. Para ela, trata-se de uma das categorias, assim como sexo, carne, corpo, biologia e natureza, que é importante historicizar, na procura de compreensão das desigualdades. Entretanto, para historicizá-las, Haraway propõe a criação de outra categoria, num plano de análise diferente: os "aparelhos de produção corporal". MOORE, Henrietta: A passion for difference. Indiana University Press, 1994, pp- 49-50. HARAWAY, Donna: Symians, Cyborgs and Women. The Reinvention of Nature. Routledge, London, 1991, pp 148, 199-201.

[54] E refiro-me tanto à produção internacional como àquela realizada no Brasil. IANNI, Octavio: “A racialização do mundo”, Tempo Social, Revista de Sociologia, USP, São Paulo, 8(1): 1-23, maio de 1996.

[55] Nas palavras do argentino, Fernando, “las morenitas, son más fogosas. Quieren más veces, tiene otra mobilidad en la cama, se prestan, por ahí, para otras posiciones, hablando mal y pronto, el culo. La mujer argentina, no lo encaran de esa manera.