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Grupo de Trabalho 6
Elite Negra  e o Drama de ser Dois
[1]. Sociabilidade num Grupo de Negros no Rio de Janeiro

Sonia Maria Giacomini[2]

 

1. Apresentação

 Esta comunicação é resultado de um esforço inicial de ordenamento de dados levantados através de entrevistas que vêm sendo realizadas junto a uma rede de sócios do Renascença Clube, associação social, recreativa e esportiva situada no bairro do Andaraí, na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro[3].

O clube foi fundado em 1951 por um grupo de pessoas negras que, sentindo-se discriminadas nos clubes sociais existentes na cidade, então Distrito Federal, decidiram criar um espaço social próprio, no qual pudessem estar livres de constrangimentos e pressões, isto é, como disse um dos entrevistados, pudessem “estar à vontade”.

Entrevistando sócios e frequentadores de diferentes idades, que mantiveram em algum momento, ou ainda mantêm, vínculos  de vários tipos com o clube,  foi possível  perceber que o Renascença Clube, durante seus quase 50 anos de existência,  foi objeto e palco de diferentes projetos e ideais, referidos às  relações entre negros e brancos e entre negros no Rio de Janeiro - e mesmo  no país. Identificar os nexos desses distintos projetos e interrogar-nos sobre os sentidos das transformações ocorridas nas formas de sociabilidade, amizade, amor e relações de gênero que estes projetos implicavam é o objetivo dessa comunicação.

Como procuraremos mostrar, os 3 projetos expressam todos, de alguma maneira, a perspectiva de um segmento particular pertencente ao que, na ausência de melhor classificação, poderíamos designar de classe média negra. Esta posição social[4] os confrontava a um dilema aparentemente insolúvel: como afirmar-se como de classe média numa sociedade que, via de regra, reserva para os negros os degraus inferiores da escala social e, em consequência, associa-lhes os valores, comportamentos, esterótipos enfim, que seriam inseparáveis desta condição subalterna?

 

 2 - O negro flor-de-lis.

 À época de sua criação, o Renascença Clube contava com um núcleo de 29 sócios fundadores, todos negros (cf. registros e depoimentos). É marcante a presença feminina neste momento de criação e estruturação do Clube, já que elas eram 18 no grupo fundador – contra 11 homens – e duas na primeira Diretoria – contra 4 homens. Embora a composição da Diretoria não refletisse a maioria feminina entre os sócios, ainda assim é pouco provável que qualquer outro clube social no início dos anos 50 tivesse 1/3 de sua Diretoria representado por mulheres. O grupo fundador escolheu para símbolo do Clube a flor-de-lis, que, segundo o Aurélio, é “ornamento heráldico em forma de um lírio estilizado, distintivo da realeza na França”[5].

A existência de laços familiares ligando os fundadores fica fortemente sugerida pela constatação da repetição de 9 sobrenomes em 20 dos 29 nomes dos associados. A importância da instituição familiar, porém, comparece de maneira consciente e explícita nos Estatutos, que alinham, entre os objetivos do Clube:

“pugnar pela consolidação dos ideais da família brasileira em tudo que o que se refira às suas aspirações culturais, intelectuais, cívicas,artísticas e físicas em todas as suas modalidades”e “promover e estimular a união e o espírito de solidariedade entre sócios e pessoas  de suas famílias sem qualquer prevenção de preconceito”[6]

 O clube é então, nesse momento, um clube de famílias voltado para as famílias. Durante um largo período, o número de associados permanecerá pequeno, não passando de 40 pessoas.

Ao lado dessa identidade familiar chamam igualmente a atenção as marcas de distinção que acompanham os nomes de vários dos  sócios fundadores: 9 entre eles são intitulados doutores  - (4 mulheres e 5 homens, dos quais sabemos que 3 são médicos e 1 é advogado) e  3 professores (todos homens). Na composição da Diretoria a importância da titulação fica ainda mais explícita: somente um dos seis integrantes deixa de ostentar o título de doutor ou professor[7].

A reunião desse pequeno grupo de famílias bem sucedidas[8] parece ter tido como uma de suas fortes motivações a criação de um espaço social que, senão sob estritos controles paternos ao menos sob seus olhares atentos, favorecesse o contato entre jovens e, por conseguinte, promovesse a constituição de novas famílias. Em outras palavras, tratava-se de instaurar um campo de relações em que os filhos destas bem sucedidas famílias negras pudessem travar relações e estabelecer alianças matrimoniais homogâmicas.

Funcionando no Lins de Vasconcelos, numa casa antiga, pequena, com grande quintal arborizado,  a sede do Renascença  reunia, segundo um entrevistado, “pessoas que apesar de intelectualmente e economicamente capazes, não tinham acesso a diversos tipos de diversões por serem negros” (Seu Vitor[9], maestro, 85 anos).

O conjunto das atividades, as comemorações dos Dias das Mães e dos Pais, do 13 de Maio, as Festas Juninas, os aniversários, os coquetéis ofereciam a ocasião para  reunir as famílias e amigos. Nos primeiros anos do Clube, eram pequenos eventos, mas, com o passar do tempo, e o aumento do número de sócios e frequentadores, também grandes bailes passaram a ser promovidos. Os grandes bailes se realizavam na sede de conhecidos clubes da cidade como Monte Líbano, Sírio e Libanês, C.R.Flamengo, e mesmo nos então prestigiosos salões do Hotel Glória.

Chama a atenção, nas entrevistas, como esses grandes bailes ficaram gravados na memória dos nossos informantes: momentos marcantes e inesquecíveis do Clube, nos quais, todos são unânimes em ressaltar, brilhavam a distinção, a elegância e o bom gosto com que homens e mulheres trajavam as mais finas roupas, da última moda – a mesma moda que se encontrava estampada nas revistas especializadas e que identificava os membros da chamada alta sociedade nas fotos das colunas sociais. Os homens com trajes obrigatoriamente formais, flores na lapela, às vezes de summer, ou até fraque, quando menos com ternos e gravatas; as mulheres com muitas sedas, cetins e rendas, usando luvas e chapéus. Enfim, fazia-se tudo conforme  o que a ocasião pedia[10], isto é, segundo cânones, convenções e estilos adotados pelas “pessoas de nível que frequentavam  bons clubes como o Tijuca, o Grajaú, o Fluminense”(Cf. depoimento de Dona Lucília, 65 anos, formada em Letras). Segundo Dona Lucília, este padrão unitário tinha a sustentá-lo, inclusive, o fato que que todas as costureiras da cidade –  aquelas “evidentemente de um certo nível”- apresentavam a todas as freguesas os mesmos modelos das mesmas revistas importadas. Ao que tudo indica, repetiam-se modelos como se reproduziam as músicas em voga - os  mesmos boleros e rumbas.

A dinâmica do Renascença Clube de então encontrava nos grandes bailes ocasiões bastante singulares, nas quais, literalmente, o clube ultrapassava concreta e simbolicamente as fronteiras que delimitavam seu espaço próprio e afirmava, numa esfera mais ampla, sua identidade. Esta afirmação impunha uma dupla estratégia de diferenciação: em primeiro lugar, os outros eram os brancos ou não negros, assim como demais clubes que, geralmente, não aceitavam negros; em segundo lugar, os outros eram os negros (e também não negros) associados à cultura do samba e do carnaval, via de regra referidos, no espaço urbano, ao morro.

O caráter familiar deste bailes, atualizado pela presença de 3 gerações – avós, pais e filhos – desafia frontalmente a representação do negro pobre, malandro, invariavelmente um desgarrado, solitário, sem laços familiares. Essas confraternizações parecem ter sido ocasiões privilegiadas para que os integrantes do grupo, tal qual uma equipe esportiva que participa de um certame na sede de um outro clube, reforçassem e acentuassem os emblemas e marcas forjados para sua auto-identidade, por  intermédio dos quais pretendem ser reconhecidos também externamente. A seleção dos convidados era, segundo nos informam, criteriosa e rigorosa, evitando-se a venda -  os convites eram distribuídos pelos sócios que se responsabilizavam por seus convidados, havendo relatos de casos em que ocorreram vetos. 

Principalmente nas festas realizadas em espaços simbolicamente marcados como do outro étnico, parece afirmar-se uma intenção de, por um lado, borrar algumas fronteiras e, simultaneamente, por outro lado, levantar ou reforçar outras. O movimento de apagamento ou suspensão de fronteiras ocorre principalmente através da explicitação ou demonstração de adesão que os sócios do Renascença fazem ao gosto, ao estilo, ao trajar das classes médias e altas brancas; afinal, aquelas que são as  frequentadoras naturais e habituais – e não ocasionais ou excepcionais – daqueles lugares. O efeito é o de realizar uma aproximação, afirmar identificações com as camadas médias, fazendo prova de traquejo social  em um espaço social habitual dessas camadas. Nesse sentido, longe de terem expressado uma tentativa de conquista ou ocupação de teritórios das camadas médias brancas, esses eventos se afiguram como uma das formas encontradas para obter uma espécie de título de reconhecimento de certas afinidades e identidades de classe.

Por outro lado, a identificação com as camadas médias em geral, projeto no contexto do qual esses grandes bailes desempenhariam papel estratégico, também se processa através do ativo afastamento do negro pobre para o qual, na verdade, não está previsto qualquer lugar nessas festas. Com grande franqueza, um antigo sócio, frequentador de todas as atividades do clube, menciona que muitos de seus conhecidos, mais pobres se queixavam dos bailes, reclamando de não poderem participar, fosse por falta de convite ou por não terem a roupa e sapatos adequados. Tão, ou mais notável, era a queixa de que, mesmo quando conseguiam comparecer, sentiam-se pouco à vontade num ambiente “em que era um tal de  doutor pra lá, doutor pra cá”  (Dr. José Roberto).

Igualmente importante era o cuidado com atividades que preenchessem rotineiramente a vida social dos associados, contribuíssem para o aprimoramento dos jovens e estimulassem a socialização e divulgação de certos símbolos da  cultura clássica ou erudita. Uma antiga sócia lembra que, ainda menina,

“os sócios se reuniam  de tarde e, quase que nos moldes dos antigos clubes literários, ouviamos música clássica, Bramhs, Bach, Mozart, tínhamos no clube muitos músicos, maestros, e também chás com muita declamação de poesias e saraus”. (Lúcia)  

 Outro sócio, maestro, lembra das muitas palestras sobre música clássica e literatura, realizadas principalmente nos finais de semana, e que suscitavam muita discussão entre os participantes – todos, a seu ver, “muito cultos” (Seu Vitor).   

Nos primeiros anos após sua fundação, o clube, com um número reduzido de sócios, centralizava praticamente toda a vida social e toda a sociabilidade, com exceção da vida profissional[11]. Nessa época, como explicou um entrevistado, o clube tinha basicamente uma “perspectiva recreativa” e havia uma certa divisão sexual de tarefas em que “a parte social geralmente ficava nas mãos de mulheres de associados ou de filhas, irmãs, sobrinhas” (Seu Vitor).  Mesmo as atividades que ocorriam fora da sede – almoços e festas em residência de sócios, excursões e outros eventos -  encontravam um ponto de apoio ou de organização nos encontros rotineiros no clube e, pelo próprio fato de passarem de alguma forma pelo clube, já ofereciam uma certa garantia de que delas os sócios sabiam o que esperar e o tipo de pessoas e ambiente que iriam encontrar, isto é, estariam “à vontade”.

A sociabilidade vivenciada no interior (e no entorno) do clube é pensada pelos informantes como uma experiência social particular, como algo desejado e ensejado pelo clube, como seu principal motivo e razão de ser. Ela é caracterizada por uma determinada disposição ou estado de espírito cujo efeito prazeiroso - bem-estar - seria resultado não propriamente de uma ação, mas sobretudo do alívio provocado pela supressão de  ações vividas como agressão ou pressão descabidas. Como expressou um entrevistado: “Todos nós nos sentíamos como se estivéssemos em casa, pois ali não havia o perigo de passarmos por certos constrangimentos por causa de nossa cor” (Seu Vitor).

Esse estado de espírito, que pode ser lido como o oposto a um estado de alerta, a uma postura defensiva, seria simultaneamente resultado e condição de uma interação social realizada entre iguais, e iguais sob um duplo registro: aquele da identidade étnica[12] - explícito na citação anterior -, mas também  o da identidade de classe . Estar à vontade, entre iguais, significava, também estar distante do negro pobre, de cujos símbolos e estigmas cabe, a todo tempo, demarcar-se; o que explica essa permanente rejeição ao samba, ao morro, à proverbial sensualidade do negro. Ao primitivismo desses símbolos e, por assim dizer, dessa cultura que é, por sua própria condição primitiva, quase que natural, opunham outros valores e gostos: sobriedade, música clássica, poesia, cultura erudita, contenção.

O Renascença dos tempos iniciais, o Renascença flor-de-lis pode, pois, ser lido como o projeto de uma elite negra que busca afirmar-se e instaurar, no espaço social, que é o espaço da cidade, uma posição específica e legítima: negro porém culto e refinado; negro porém com familia organizada; negro porém sóbrio e relativamente afluente. Ou, se se preferir, culto, refinado e negro; de família e negro; de classe média e negro.

  

3. O negro espetáculo (samba, mulata e carnaval).

 Coincide com a mudança de sede do Lins de Vasconcelos (Meier) para o Andaraí[13]  uma série de transformações na composição e atividades do clube, e que irão dar sustentação a um novo projeto. Progressivamente, mesmo sem desaparecem, vão passando a segundo plano vários dos elementos do projeto original, que, como vimos, reafirmava a etnicidade voltando-se prioritariamente para o próprio grupo e, através de eventos esporádicos e marcantes, visava o reconhecimento, a inclusão e aceitação nas/das camadas médias brancas. Emerge, aos poucos, um novo projeto: agora é o próprio clube, literalmente, que receberá – como anfitrião – os ricos e famosos, a intelectualidade, os bem-nascidos, o pessoal da Zona Sul, que se espreme na disputa pelo acesso a eventos como rodas de samba, shows. Em alguns casos, inclusive, esses recém-chegados se tornam sócios.

Muitos dos antigos sócios demonstram seu desagrado pelo que consideram “abertura excessiva” do clube. Com efeito, o número de sócios aumenta brutalmente e  pessoas não negras passam, inclusive, a fazer parte da Diretoria.

Esse período é marcado por uma grande projeção do clube na mídia e por sua inclusão em um circuito dos locais de lazer na moda, ponto obrigatório também de artistas – “o Paulinho da Viola começou no Rena, ele fazia dois shows por mês” (Francisco), “foi o início do João Nogueira” (Tânia), “estava lá sempre a saudosa Elizete Cardoso” (Tânia, Lúcia, Jornal do Renascença). Eram numerosos os intelectuais ligados à música e à cultura popular, os jogadores de futebol famosos e, evidentemente, “a rapaziada da Zona Sul que vinha em peso, porque o clube tinha boa fama” (Tânia, secretária, 63 anos).

Considerado pelos entrevistados – e pelo Jornal do Renascença Clube -  como momento máximo de glória, os anos 60 e 70 teriam visto o clube integrar-se na geografia da cidade, tornando-se espaço de sociabilidade dos bem nascidos. Para que  o clube chegasse a este ponto, é invariavelmente mencionada a decisiva contribuição da participação e sucesso das representantes do Renascença em concursos de beleza, de Miss Guanabara, Miss Brasil e Miss Universo, certames que nessa época eram muito valorizados e difundidos, canalizando as atenções Brasil afora. A partir desses concursos o Renascença passaria a ser conhecido – e reconhecido também por seus próprios associados – como o clube das mulatas. 

As atividades sociais do clube eram bastante diversificadas e alguns associados chegam a afirmar que praticamente “viviam no clube o contexto da sua vida social” (Tânia). Tania, com um grupo de 17 amigas, participava avidamente de tudo o que o clube promovia: bailes de carnaval, concursos, shows, desfiles de moda, festas juninas, excursões[14]. 

Como lembra esta antiga sócia, “o Rena, na minha vida, foi assim uma coisa muito boa, onde a gente tinha oportunidades de tudo que a gente gostava de fazer, o que mais gostava era dançar” (Tania). Com efeito, a dança ocupa uma posição de bastante destaque, em várias entrevistas é referida como atividade favorita. Além de aproximar as pessoas, a dança favorece a paquera e o namoro (Joana). Nesse universo, ser bom(boa) dançarino(a) é altamente valorizado: confere destaque pessoal, serve como elemento de valorização de homens e mulheres no mercado amoroso, garante posições favoráveis na competição.   

O Baile do Havaí, baile anual pré-carnavalesco que, segundo um depoimento, disputava em igualdade de condições com as festas do Iate Clube, era momento alto da programação do clube. Reunia, além dos sócios, muitas autoridades (“até o governador Negrão de Lima” -  registra o jornal do clube)  e personalidades como jogadores de futebol, intelectuais e artistas. O grande número de jornalistas e fotógrafos presentes é mencionado por todos os entrevistados, chegando um deles a comentar que um programa muito apreciado era a troca de idéias sobre a cobertura do baile saída na imprensa. Uma senhora que, à época, foi candidata ao concurso de Miss Suéter promovido pelo Clube, lembra que por conta do baile “todo ano nós saíamos na capa da Revista Manchete. Era o nosso grande fotógrafo G.B., que fazia questão de fotografar as mulatas, as negras do Rena”(Tânia).

A identificação do clube, naquele período, como o das  mulatas bonitas, foi (e continua sendo hoje) objeto de avaliações bastante contraditórias. A eleição de Vera Lúcia Couto como Miss Guanabara, decisiva nessa identificação,  foi vista por muitos, senão pela maioria dos sócios, como uma vitória, quase que como resultado do esforço coletivo do grupo:

“Todos se uniam para as atividades, todos chegavam junto em todo o sentido. Tanto que quando a Vera foi candidata a Miss Guanabara, acho que 90% no Maracanazinho era do Rena. Tinha papel picado e confetes. Acho que a nossa torcida foi vibrante, que nossa torcida entusiasmada levou ela a Miss Guanabara. Isso abriu espaço para outras misses, para outros negros” (Tania).

 Na mesma direção vai a memória de uma outra entrevistada  que lembra da iniciativa da diretoria de mandar rezar missa de agradecimento por ocasião do regresso dessa miss do concurso internacional como 2a do Mundo.

A visibilidade e reconhecido sucesso da Miss Renascença foram vistos por outro grupo, da geração mais antiga, de maneira completamente oposta. Eles manifestaram seu desagrado retirando-se das atividades do clube. Há porém uma certa ambiguidade neste grupo, pois, embora tenham se afastado, oscilam entre a vaidade pela projeção do clube ou a reafirmação do projeto no qual o negro como espetáculo – o exótico, o primitivo - não poderia nem deveria ter lugar.

De toda forma, o aspecto que merece ser enfatizado é que essa  imagem do clube, o lugar central então inequivocamente ocupado pelas mulatas bonitas, parece se apresentar como um certo divisor de águas na própria história do clube, em seus diferentes projetos e em sua trajetória. Chama a atenção que o forte imaginário nacional referido à mulher negra tenha servido como marco e fronteira para diferentes concepções a respeito dessa elite negra. A adesão aos símbolos e significados tradicionalmente associados à mulata significam a adesão do clube e de seus dirigentes e associados a um projeto de reconfiguração do lugar da etnicidade, em que se aceitam e, mais que isso, se assumem positivamente a representação hegemônica acerca do lugar e o papel dos negros na sociedade e na cultura nacionais. No projeto anterior o negro não era espetáculo, nada havia ali de espetacular a não ser, talvez, o que para alguns poderia ser considerado tão excepcional e raro que seria digno de ser mostrado, o fato de negros demonstrarem seu adestramento no gosto, estilo e modo de vida das camadas médias e altas da sociedade. 

 

4. O negro soul (ou black music e o ethos da auto-estima pura)

 O terceiro projeto começa a ganhar forma a partir de 1970. A sede esteve fechada para obras entre 1975 e 1979, período por muitos considerado crítico,  apesar de algumas atividades continuarem se desenvolvendo em outros lugares[15].

A nova proposta tem como protagonista um núcleo que se pensa como um “grupo de jovens” que se reconhece no resgate da proposta original do clube, considerada em perigo. Segundo alguns integrantes atuantes deste grupo, que chegaram inclusive a integrar nessa época a Diretoria,  a intenção era a de “mudar a imagem do Renascença do clube das mulatas” ((Francisco, 50 anos, engenheiro), imagem essa construída, senão sob o comando, ao menos sob a aprovação e conivência de sócios da geração anterior[16].

Para os jovens dos anos 70, a geração anterior teria tido o inegável mérito de fazer com que “o Renascença tivesse uma projeção  pelo sucesso dessas misses nesses concursos” (Francisco). Tal não os teria impedido de criticar duramente aqueles que haviam transformado o Renascença em “clube que os homens brancos gostam muito, desde os portugueses na época das senzalas”. Aos mais velhos atribuíam a responsabilidade por frases como “Vamos no Renascença pegar uma negrinha, uma mulatinha”, que ouviam nos mais diversos ambientes e recantos da cidade. Como esclarece um entrevistado, não era exatamente essa a forma de sociabilidade e de interação entre os sexos que desejavam no clube:

“Nós tínhamos essa visão de ir para o Renascença para namorar, ver garotas, etc. Mas ficávamos muito insatisfeitos quando entravamos lá e reparávamos que nossas garotas estavam sendo assediadas por esses brancos que, na verdade, não tinham nada a ver com o clube. Muitos se associaram, o clube não era fechado, se associaram e estavam começando  um círculo muito perigoso porque eram pessoas de classe média alta, eram pessoas que tinham recursos e começaram inclusive a entrar na diretoria e isto estava começando a mudar toda uma proposta. Isso daí  fez com que essa garotada, a nossa juventude, esse grupo entrasse em bloco e colocasse uma chapa. Colocamos uma chapa e conseguimos ganhar a eleição” (Francisco)

 Grandemente preocupado em  mudar a imagem do clube, esse grupo, entre cujos emblemas se destaca o auto-reconhecimento de uma forte vocação artística,  investe sobretudo na busca de diferenciais culturais que pudessem oferecer primeiramente ao próprio grupo e, em seguida, à juventude negra novas formas de identificação étnica. À busca de alternativas à programação habitual do Clube – “era aquele encontro tradicional, almoço, ou aquele baile, baile tipo Copa 7, Júlio Massa, Lafaiete” (Francisco) – o grupo parecia bastante aberto a novos referenciais.

Entre esses referenciais, impôs-se o “soul” ou “movimento soul”, dando origem a uma concorrida festa de jovens realizada aos domingos[17]. Considerado não propriamente um ritmo ou gênero musical, mas uma forma singular de interpretar canções, o termo soul é utilizado também para designar vários aspectos de um ethos negro-americano que passa a constituir referência central para esse grupo. Na constelação de personalidades negras americanas que irão compor o que seria essa estética soul adotada no clube são particularmente destacados Steve Wonder, Barry White, Ray Charles, James Brown, que traduziriam o sentimento de uma “alma negra”.

O mesmo significado e sentimento da “alma negra” são identificados ao protagonista de um seriado americano veiculado à época na TV brasileira, um detetive negro cujo nome batiza a série e irá igualmente batizar a “Noite do Shaft”, baile realizado todos os domingos, de modo ininterrupto, durante três anos. A Noite do Shaft é unanimemente apontada como a atividade mais significativa desse projeto. Os informantes comprazem-se em destacar o projeto visual cuidadoso, como se este projetasse todo um estilo de ser negro.

“Quem ia no Shaft era essa juventude de periferia e outros que começaram a pintar, Zona Sul, etc. No início chegavam lá e era um susto, um impacto, porque tinha uma mensagem verbal forte da questão racial, sem ranço, sem aquela coisa chororô, sem aquela coisa raivosa. Mas tinha aquela coisa da auto-estima pura, porque ele tinha na parede, uma grande parede aonde eu projetava aqueles slides do Shaft, dos artistas e da própria comunidade.  Nós fotografávamos todo domingo eles, então era a forma como eu conseguia atraí-los. Ele ia lá, ele se via no dia seguinte, nas semana seguinte. E, cara, lá ele se via na mesma proporção do Barry White, do Shaft em ação no filme dele. Então ele era um artista, ele era a projeção, a auto-estima pura. Aí, isso aí, ele ganhava a garotinha porque ele estava lá, a garotinha também  via e também queria se ver” (Francisco).

 Além das festas, neste período o clube promovia reuniões semanais de discussão em torno a filmes de shows e campanhas educativas sobre saúde cedidos pelo Instituto Cultural Brasil-Alemanha,  para as quais se procurava atrair  principalmente os jovens.

Através de uma linha também considerada inovadora, os protagonistas desse projeto situam as famosas rodas de samba do Renascença. Um deles explica que, como nessa época o samba na cidade era sazonal (nas escolas de samba era tocado somente  de agosto a março), o clube  lança o slogan “o samba não pára no Renascença”. Eram organizadas

“rodas de samba que, todos os sábados, reuniam todas as escolas numa só noite, todos os pagodeiros numa noite, todas as essências do samba ali  (...) com isso o Rena ganhou muito dinheiro, muito dinheiro com essa roda de samba, porque ninguém fazia, só ele” (Renato).

 Deparamo-nos então com um projeto que, sem dúvida, busca afirmar uma singularidade e identidade étnicas. Ao privilegiar a soul music e seus símbolos atraía a pecha de imitação dos estrangeiros[18], por homenagear, domingo após Domingo, a “alma negra”. Mas o mesmo projeto, aos sábados, oferece rodas de samba. E, nos lembra um informante, se se quisesse ouvir “tudo misturado era só frequentar o almoço do mês que tinha um pouco disso tudo”(Francisco). 

A convivência pacífica entre samba e soul, que parece constituir a originalidade do projeto, entra em crise com o fechamento da sede do Clube para as obras. Como já observamos, a Roda de Samba passou a realizar-se no Clube Maxwell sem qualquer problema, mas a “Noite do Shaft”, após grandes discussões e exame de alternativas, teve que ser suspensa.

“(...) evidentemente que o Shaft não podia entrar no Cascadura, no Minerva, no Grajaú Country, no Tênis Clube... Podia até entrar, mas não seria mais o mesmo, não com aquele enfoque visualmente totalmente black (...) Como é que eu vou levar aquele circo da Noite do Shaft que é, pra quem não conhece, dentro da sua casa, uma coisa eminentemente racista. ´Pô, os caras chegam aqui com aquelas cabeleiras grandes, aquelas roupas eu não sei o quê, aqueles sapatos e, de repente, me botam aqui um slide que só tem preto. Por que é que não tem branco?` Começaram estes questionamentos ” (Francisco).

 Percebido pelos porta-vozes autorizados do grupo como carro-chefe de seu projeto, a morte da Noite do Shaft era, em certa medida, a morte do próprio projeto. A roda de samba, que representava, de uma certa maneira, uma composição com a herança do projeto anterior, podia prosseguir sua trajetória independente, no Maxwell ou, mesmo, por que não, no Tijuca Tenis Clube. Mas a Noite do Shaft, esta não podia existir se não estivesse enraizada no território no qual a condição étnica podia ser experimentada, simultaneamente, como vivência coletiva da auto-estima, do negro finalmente transformado em espetáculo de si mesmo para si mesmo.

  

Conclusão

 Tentando ordenar essa reflexão inicial sobre os projetos do Renascença Clube, parece particularmente interessante incorporar elementos da reflexão sobre as elites negras e as organizações de negros  proposta por Luís de Aguiar Costa Pinto em seu conhecido livro “O negro no Rio de Janeiro”, resultado de pesquisa realizada exatamente à época da inauguração do clube. Costa Pinto (1998)  distingue dois tipos de elites negras, que corresponderiam ao que denomina antigas e novas elites.

As  antigas elites  são caracterizadas por um “ressentimento latente”: guardam, calam, recalcam o que consideram ser suas adversidades - da cor, da condição subalterna, da origem escrava - e buscam viver com dignidade. Marca essa elite, segundo o autor, o alto preço dessa dignidade, que seria uma tristeza digna, discreta, geralmente muito severa consigo mesma e com sua conduta. Sua sensibilidade estaria “hipertrofiada” por conta da preocupação “em vigiar qualquer deslize que logo poderia ser  interpretado como...´coisa de negro` – quando não suja na entrada, suja na saída” (Costa Pinto, 1998, p. 240). Da permanente autocrítica, ou melhor, da “censura da sociedade branca transformada em auto-censura moral” resulta a sobriedade, funcionando como  condição de status (Costa Pinto, 1998, p. 240).

Essa elite teria como maior preocupação “esquecer que é negra” e, por isso mesmo, não formaria grupos ou associações de negros. Seus membros não escrevem sobre problemas dos negros nem consideram que o negro, como negro, tenha problemas. Quanto ao gosto, o estilo, a forma, o negro dessa elite, por opção, é preferencialmente “nórdico, é europeu, é ariano, é clássico”. À imagem de Cruz e Souza – que é considerado o paradigma desse tipo – Costa Pinto ressalta nessa elite a pretensão  de ser “supercivilizada dos sentidos”, como repúdio contra o fato de ser “subalternizada na condição” (Costa Pinto, 1998, p. 240).

Em síntese, ficam destacados nessa antiga elite a sobriedade como condição de status, a tristeza digna, a opção pelo clássico na forma, no gosto, no estilo, nas preferências, e, sobretudo, a tentativa fracassada de esquecer que é negro retratada pelo autor como “o drama de ser dois[19] ou “de representar-se em dois planos ao mesmo tempo” (Costa Pinto, 1998, p. 241).

O segundo tipo de elite, pela classificação de Costa Pinto, é constituído pelas chamadas novas elites negras. Diferentemente dos que, à medida que ascendiam, tinham a preocupação de branquear-se e confundir-se em tudo com as camadas médias brancas, essas novas elites teriam a intenção de ascenderem como elites negras. Segundo o autor, o que caracterizaria essas elites seria o fato de ascenderem socialmente sem  deixarem de ser negras, “afirmando-se enquanto negras mais do que nunca, declarada e orgulhosamente negras, apologéticas da negritude” (Costa Pinto, 1998, p.241).

Segundo o autor, nesse aspecto residiria uma diferença crucial entre essas duas elites, qual seja, nas novas e mais diversas formas  - mais agressivas, mais organizadas, menos pessoais – como as novas elites reagiriam a problemas que, no fundo, persistiram no tempo e seriam  comuns, inclusive o “drama de ser dois”.

Como pensar a  localização do  Renascença Clube nessa tipologia de elites?  Se levarmos em conta o fato do clube constituir-se efetiva e concretamente em um clube de negros – todos os associados não somente se auto-designam mas são igualmente classificados pelos outros como negros -, parece fora de dúvida que  a questão crucial da ascenção social não estar acompanhada da negação da identidade negra aproxima decisivamente o Renascença Clube das novas elites.

Mas aqui caberia introduzir as modulações representadas pelos diferentes projetos. Se, por um lado, todos os 3 projetos podem ser lidos como próprios à tipologia das novas elites, o lugar da etnicidade e a forma de negociar com a sociedade branca apresentam nuances nada desprezíveis. No primeiro projeto – Flor de Lis – sobressaem valores como a sobriedade como condição de status,  a tristeza digna ou mesmo a opção pelo “clássico, no gosto, no estilo, na forma”, a sinalizar a presença de alguns traços do comportamento dos antigos. Desta perspectiva, o projeto inicial parece configurar uma transição entre o modelo das elites antigas e novas.

O segundo projeto, por sua vez, encontra-se em ruptura aberta com os valores da sobriedade que marcam as antigas elites. Parece, porém, aproximar-se delas ao buscar uma posição em que a  procura de aceitação pelos brancos acaba quase que funcionando como o apagamento das marcas diferenciais. É uma afirmação da etnicidade marcada pela ambiguidade, na medida mesma em que aceita e assume ocupar o lugar que está prescrito para os negros – o espetáculo, em certa medida, faz do negro um exótico.

Finalmente, o terceiro projeto parece abrir um novo universo de identidades. Se abstrairmos a negociação com a roda de samba, ele compartilha com o projeto original a rejeição por ocupar o lugar que se pretende atribuir ao negro – samba, morro, favela, carnaval. Para tanto, e na impossibilidade de reproduzir, nos anos 70, o clube lítero-musical dos anos 50, cuja referência era uma classe média idealizada, remete-se aos negros americanos. Auto-estima e, mesmo, auto-exaltação, afirmam a etnicidade como o lugar de uma identidade para a qual a sociedade brasileira não reservou qualquer lugar. A busca de símbolos negro-americanos, tanto quanto a opção por modelos branco-europeus do projeto original, parecem sugerir que para ser negro no Brasil é necessário recusar o lugar que o Brasil reservou para os negros.

Será que para uma elite que, em conformidade com o projeto inicial, procura em tudo se espelhar no conjunto de valores das classes médias e altas brancas da cidade,  também o padrão de relações de gênero adotado por essas camadas sociais seria igualmente uma tão forte referência? E no segundo projeto, como pode um grupo étnico assumir a exposição de suas mulheres como mecanimo de convivência e relacionamento interétnico, como denunciado pelos jovens do soul?

Temos mais perguntas que respostas, com seria de se esperar num exercício exploratório dos resultados parciais de um projeto ainda em andamento.

 

Referências Bibliográficas

 BOURDIEU, Pierre – 1987. “Condição de classe, posição de classe”. In Bourdieu, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo, Editora Perspectiva, pp.3-25.

COSTA PINTO, Luiz Aguiar da – 1998.  O negro no Rio de Janeiro. Relações de raças numa sociedade em mudança. Rio de Janeiro, Editora da UFRJ.

FRAZIER, Franklin E. – 1973. The negro family in the United States. Chicago, University of  Chicago Press.

JORNAL DO RENASCENÇA CLUBE, ano I, no 1, outubro de 1979

SEYFERTH, Giralda. – 1983. Etnicidade e Cidadania: algumas considerações sobre as bases étnicas da mobilização política. In Boletim do Museu Nacional, 42, Antropologia, Rio de Janeiro.

 

[1] A expressão O drama de ser dois foi originalmente o título de um livro de poesia  escrito por Alberto Guerreiro Ramos e publicado em 1937, sendo utilizada por Costa Pinto (1998) para descrever a condição dúplice  daqueles que são elite de um grupo dominado.

[2] Professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

[3] A primeira sede do Renascença Clube era no bairro de Lins de Vasconcelos, também da Zona Norte.

[4] Cf. Bourdieu, 1987.

[5] Até agora, em nossas entrevistas, não conseguimos encontrar niguém que pudesse nos explicar (que se lembrasse) as razões para a escolha deste símbolo. Vários são os entrevistados que associam o símbolo à França, mas nenhum deles fez a associação à realeza ou à nobreza francesas; ao contrário, uma das entrevistadas afirmou que a escolha tinha fundamento no fato de ser a França a terra da “liberdade, igualdade e fraternidade”, que seria um dos objetivos do clube.

[6] Conforme estatuto original  e revisado em 1972, respectivamente artigo 20 , itens a) e c).

[7] Tratava-se de um bem sucedido profissional da ourivesaria que compunha com três médicos –   duas mulheres – ,  um professor –maestro- e um advogado – o presidente – a Diretoria do clube.

[8] Bem sucedidas sob um duplo aspecto: familiar e educacional. O primeiro aspecto de sucesso, que pode parecer estranho à primeira vista, é que a própria existência e idéia de uma conformação famíliar estável e bem constituída entre negros já apresenta, por si só, um caráter de exceção e de sucesso no contexto de um imaginário social que associa o negro à anomia, à desorganização e ao desregramento. O segundo aspecto, mais evidente, é o sucesso decorrente da ascenção educacional e profisional expressa nos termos doutor e professor que, inequivocamente, distingue positivamente o indivíduo.

[9] Seguindo a praxe no relato de pesquisas deste tipo, e visando preservar os informantes, foram atribuídos nomes fictícios aos entrevistados.

[10] Há praticamente consenso entre os entrevistados quanto ao reconhecimento de que nessa época as convenções eram bastante rígidas, sobretudo quando comparadas à relativa liberalidade atual, que admite a simultaneidade de vários estilos/modas. Comparadas aos padrões atuais, as convenções no vestir desse período seriam marcadas por um forte caráter, senão prescritivo, ao menos diretivo e pela intolerância com as transgressões.   

[11] Esse é o caso, ao menos, das pessoas até agora entrevistadas.

[12] A noção de identidade étnica adotada é aquela discutida por Seyfert (1983) e que compreende a etnicidade como um fenômeno no qual as diferenças sociais, traduzidas em diferenças étnicas, são utilizadas para a mobilização do grupo com vistas a reivindicações sociais, políticas e econômicas.

[13] É bastante comum os entrevistados situarem a sede do clube – até hoje na Rua Barão de São Francisco, no. 54 - ora na Tijuca, ora na Vila Isabel ou  Meier. Segundo um entrevistado essa confusão seria resultado das distintas representações conferidas a esses bairros geograficamente tão próximos. O Andaraí seria sem charme e identidade, meramente uma passagem para os outros - famosos como Vila Isabel  ou respeitáveis como a Tijuca e Méier. Até em matérias veiculadas no próprio jornal do clube essa ambiguidade espacial encontra-se presente.  

[14] Na vida do clube também estava presente o intercâmbio com um clube de São Paulo  – o Aristocrata  Clube – mencionado como “clube-irmão”,  por ser também  “um clube de negros” (cf. depoimentos de  José Roberto, Tânia, Arnaldo, Lúcia, Francisco e outros). 

[15] Esse foi o caso das famosas rodas de samba do clube, realizadas durante esses anos no Clube Maxwell. Segundo  depoimentos recolhidos, embora essas rodas de samba tenham permitido arcar com os custos altissimos da construção da nova sede, seu sucesso não teria revertido ao Renascença, mas ao outro clube.

[16] Na mesma direção apontam os depoimentos de Renato, 48 anos, jornalista e Arnaldo, 57 anos, funcionário público.

[17] Um dos entrevistados fez um relato detalhado de como, a seu ver, ocorreu essa aproximação com o “soul”. Nessa versão fica evidenciada a ânsia em incorporar novos símbolos e, simultaneamente, o desgaste, ao menos neste grupo, do trinômio mulata, samba e carnaval.

[18] Tanto a imitação  quanto o exagêro são considerados por Frazier fatores importantes na determinação do comportamento no meio negro americano.  Haveria entre os negros dessa classe, sobretudo nas ”brown middle classes”, uma confusão de ideais e de padrões de comportamento em decorrência da combinação de heranças das tradições das famílias mulatas e da cultura de massas. Segundo esse autor,  o lugar  ocupado pela imitação e pelo exagêro é decorrente da ausência de uma tradição classe,  para cuja conformação não teria havido tempo histórico. (Frazier, 1973, p. 322).

[19] Segundo Costa Pinto essa tentativa de esquecer que é negro ou de nem parecer um negro é sempre fadada ao fracasso porque “quando já está quase convencido disso, uma querela insignificante, um bate boca na rua, um fato qualquer... gera um comentário, um apelido, um riso, um olhar às vezes, que rasga de chofre a realidade diante dele, coloca-o de novo no seu lugar e ele sente, então, com extrema intensidade, o “drama de ser dois” (Costa Pinto, 1998, p.241).