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Grupo de Trabalho 4
Na TV - pressupostos de gênero, classe e raça que estruturam a programação

Heloisa Buarque de Almeida[1]

 

Introdução

Este trabalho é parte de uma pesquisa antropológica mais ampla que se iniciou com uma etnografia de recepção de telenovela. A preocupação central desta etnografia consistia em compreender o papel da televisão na construção do gênero na sociedade brasileira.[2] O campo etnográfico com espectadores de televisão foi feito na cidade de Montes Claros (região norte de Minas Gerais), com famílias de classe média e popular, entre Junho de 1996 e Fevereiro de 1997, durante a exibição da novela “O Rei do Gado”. Mas para discutir a interação e as resignificações que os espectadores produzem com relação à televisão, senti a necessidade de compreender alguns aspectos da estrutura da própria televisão. É nesse sentido que surge este trabalho.

Gostaria de esclarecer que o foco da pesquisa etnográfica era a chamada “novela das oito” da Rede Globo, o programa de maior audiência da TV brasileira, e um dos maiores anunciantes e vendedores de produtos, como comentarei a seguir. É este tipo de produto da indústria cultural brasileira que se mantém como foco aqui, embora desenvolva comentários mais gerais sobre televisão e publicidade. Este artigo foi produzido especialmente para este congresso. Pretendo mostrar a relevância econômica das telenovelas para a maior rede de televisão brasileira, buscando entender como as categorias de gênero, classe e raça são construídas nesse universo e qual sua papel na estruturação da lógica comercial.

Para entender a estrutura da televisão no Brasil, e sua interface com outras questões, como aquelas referentes ao tema deste simpósio, é preciso levar em conta que se trata de uma TV comercial. O adjetivo “comercial” aqui não é mero aporte, mas é definidor da estrutura desta mídia. Por um lado, o termo lembra que se trata de uma indústria cultural sob moldes capitalistas, e também remete ao caso brasileiro: uma TV que se desenvolve ao mesmo tempo em que cresce o mercado consumidor e uma cultura consumista no país.

Cabe lembrar, como já ressaltaram muitos trabalhos, que o próprio desenvolvimento da maior rede emissora nacional, a Globo, se dá de modo associado aos interesses de integração nacional da ditadura militar, e ao mesmo tempo, uma intensa associação com o meio publicitário.[3] Deixando de lado a questão nacional e sua relação com o regime militar, pretendo me ater aqui à questão do seu aspecto comercial, pois é ele que será eixo de compreensão dos pressupostos de raça, gênero e classe social como apresentados na televisão brasileira atualmente. Veremos também que a temática aqui tratada é também de ordem política, no sentido mais amplo do termo, pois remete à questão do poder e da cidadania na sociedade brasileira.

Pretendo desenvolver rapidamente a idéia de que os pressupostos construídos socialmente, muitas vezes preconceituosos – de ordem racial, de gênero e de classe – travestidos de racionalidade comercial, explicam algumas dessas fortes construções feitas pela televisão sobre o que são as mulheres, as pessoas de diferentes classes sociais no país, e os negros. Enfrento aqui o problema da aparente “naturalização” dos atributos de gênero e raça, ao lado de uma visão de que a desigualdade é “normal”. Por outro lado, quero esclarecer que o foco é esta estrutura comercial da TV – então o material analisado refere-se basicamente à interface entre publicidade, televisão e consumo. Os entrevistados são publicitários que lidam direta ou indiretamente com a mídia, o material de pesquisa é a própria programação da TV aberta, as revistas especializadas do meio publicitário (Mercado Global, Meio e Mensagem, Propaganda, etc.), pesquisas de mercado, e artigos da imprensa voltados ao tema em questão.

 

Televisão aberta comercial

“Na economia, a televisão, como veículo publicitário, firmou-se como a mais atuante ferramenta de venda de bens e serviços, imprimindo velocidade e eficiência à roda da produção e do consumo, criando novos estímulos e consagrando conceitos, imagens e marcas. (...) Sem exagerar, a televisão é hoje o maior vendedor do país!” (Mauro Salles: “A Televisão no Brasil e no Mundo - pequeno estudo a título de prefácio”, in MACEDO et al., 1988, pp. 18 e 21)

Uma televisão comercial aberta não é apenas um modelo brasileiro. Ela se desenvolve a partir do modelo norte-americano de televisão, e do rádio brasileiro. Onde quer que o meio televisivo tenha se desenvolvido de modo comercial, com todas as diferenças locais e nacionais que o perpassam, um ponto é central: a televisão se mantém com os anúncios publicitários – sejam eles feitos sob forma de patrocínio, intervalo comercial, merchandising, etc. É assim também que a maior parte dos meios de comunicação comerciais funcionam: rádio, revistas, jornais e internet são pagos pelos anunciantes. O que a televisão vende de fato é a sua audiência – e é isso que seus clientes, os anunciantes, compram. A TV comercial aberta é, assim, bem diversa da pública ou estatal – normalmente com maior preocupação de ordem educativa. Mas o modelo da TV brasileira tem também suas particularidades – como a relação que esta mídia desenvolve com o Estado (e este também é um dos grandes anunciantes, sendo suas verbas muito disputadas por agências e meios de comunicação).[4]

Porque precisa de audiência para ter anunciantes, e porque são estes anunciantes que são os verdadeiros clientes de uma empresa de comunicação, Wernick (1991) denomina a mídia de “vórtice” promocional. Sua noção fundamental trata da “cultura promocional”, que é um evento que se dá e cresce junto com o desenvolvimento do capitalismo industrial, e refere-se não apenas diretamente às atividades de publicidade e vendas, mas também a todo comportamento e arranjo simbólico mais generalizado em que se vive a ampla circulação de mercadorias signos. O ponto mais importante da relação desse sistema com a mídia consiste no fato de que são os anúncios que mantêm os meios de comunicação – estes “vendem” o espaço de acordo com o público que conseguem atingir e, portanto, buscam a maior audiência possível e sua manutenção ao longo do tempo. Tem-se, conseqüentemente, um sistema de dependência mútua: a renda da publicidade sustenta os custos de produção e distribuição da mídia, e a mídia oferece uma audiência pronta para os anúncios.

Para vender bem estes espaços, a TV comercial busca uma grande audiência, mas não qualquer audiência. Especialmente quando se analisa o caso da Rede Globo, nota-se que mais importante do que a quantidade de pessoas que se atinge é o seu potencial de consumo. Ou seja, sob a idéia genérica do índice de audiência do Ibope, do contato com o máximo possível de telespectadores, esconde-se uma outra idéia muito importante e pouco discutida quando se pensa criticamente a televisão (mas muito presente na mente dos publicitários, anunciantes e produtores de televisão): interessa atingir de modo preferencial o espectador que tem potencial de consumo, renda, capacidade efetiva de comprar. Interessa atingir o público “certo” (alvo) para este ou aquele produto (além de um público que cobice o produto mesmo que não possa comprá-lo, para que o produto seja também socialmente valorizado – mas este pode ser secundário). É a partir desta noção de potencial de consumo que a indústria segmenta a sociedade.

Essa idéia de que o que importa é o potencial de consumo será demonstrada na própria discussão da segmentação por “classes” que a indústria cultural e publicitária faz e com a qual todo o mercado trabalha. Algumas outras idéias expressam isso: em primeiro lugar, o universo de pessoas que são mais pesquisadas pela televisão e pela pesquisa de mercado. Os números do Ibope, que é o índice mais usado no país e se tornou sinônimo de audiência, quantificam a audiência com alguns focos: apenas as principais cidades metropolitanas são pesquisadas de modo constante e regular.[5] Algumas dessas cidades, ou mercados, já têm o chamado “peoplemeter”, que é um aparelho que mede a audiência minuto a minuto.[6] No entanto, o único índice que é disponibilizado em tempo real, ou seja, o índice que as emissoras usam e que permite que algumas delas e algumas agências tenham terminais de computador conectados ao Ibope, informando a cada minuto a audiência naquele momento, refere-se apenas ao maior mercado nacional, a região da Grande São Paulo. Este índice é o responsável pela atual “guerra da audiência” entre Globo e SBT, e apesar de ser usado como se retratasse a audiência de todo o Brasil, refere-se apenas a São Paulo. A escolha de São Paulo é simples: é o maior mercado nacional, corresponde a 14,4% do Índice de Potencial de Consumo do país.[7] Por este mesmo cálculo, a região sudeste corresponde a 50,3% do potencial de consumo, concentrando 42,6% da população.[8]

Por outro lado, é preciso acrescentar que a televisão é a mídia mais importante para a produção publicitária do país, correspondendo a aproximadamente 60% do investimento publicitário.[9]  A televisão é sempre vista neste meio como a maior, a melhor, ou a mídia mais “geral”, que atingiria mais pessoas, de todas as camadas sociais e em todo país. É uma mídia de massa que, apesar do seu aparente alto custo de veiculação, acaba inclusive sendo econômica se for considerado o seu custo por mil, ou seja, o seu custo para cada mil telespectadores atingidos. A PNAD de 1996 destaca que 84,3% dos domicílios do país têm televisão. Há dados que destacam o crescimento de vendas de aparelhos televisores após o plano real, que garante que a TV aberta continue sendo a melhor mídia e a de mais alcance, na visão do Superintendente Comercial da Globo:

“De cada 100 residências brasileiras, 75 têm pelo menos um televisor. Existem no Brasil aproximadamente 31 a 32 milhões de domicílios com TV – entre 100 e 110 milhões de espectadores. Mas restam ainda 10 milhões de domicílios sem televisor, que passarão a tê-lo, de forma acelerada, nos próximos anos, a partir da estabilização da economia, da retomada de investimentos e de melhores salários. (...) Nenhum deles – jornal, revista, TV fechada e outras mídias alternativas – vai poder oferecer uma quantidade tão grande de público, ao mesmo tempo em que oferece a possibilidade de atingimento para qualquer target, com eficiência e economia. Nenhum outro meio vai oferecer tantos consumidores quanto a televisão.” (Octávio Florisbal: “Novos Rumos para a Televisão no Brasil” in Mercado Global, Edição Especial, No. 98, 2º trimestre de 95, p. 12)

No sentido da boa interação com a publicidade, ou seja, do melhor atendimento ao cliente, a Rede Globo criou diversos tipos de produtos que facilitam essa ligação. É por este motivo que ela é também tão dominante com a publicidade, além da questão dos números da audiência. A Globo foi a emissora que mais se desenvolveu para atender esse tipo de cliente, o anunciante. Sua estrutura de programação tem basicamente dois objetivos inter-relacionados e complementares: (a) criar o “hábito” de assistir TV, se possível gerando o fenômeno de que cada unidade residencial mantenha-se ligada no mesmo canal ao longo do dia e da noite, através de uma estrutura de programação que permita esse interesse; (b) dessa forma, dar espaço para uma ampla gama de anunciantes, a partir das audiências atingidas por esta programação, que cobriria diferentes públicos-alvos (targets) em termos de sexo, faixa etária, classe social.

Um diretor comercial da empresa, Ricardo Scalamandré, revela algumas facetas desta questão.[10] A Divisão de Planejamento e Controle, nos anos 80, passou a estar mais integrada com a área de produção e programação e criaram assim programas com o intuito de atender certos tipos de anunciantes. Os exemplos citados são TV Mulher, Globo Rural, Som Brasil, e Globo Ciência. Na verdade, cria-se produtos específicos para melhor atender o cliente, num esquema empresarial organizado para atender às demandas do mercado anunciante. Esse atendimento é renovado periodicamente pela emissora e é parte da explicação de seu sucesso empresarial – saber vender o seu “produto” (a audiência). Note-se a importância disso: os produtos culturais são concebidos tendo como foco os anunciantes. E os anunciantes agradecem: alguns entrevistados de diferentes agências de publicidade de São Paulo revelam uma forte preferência por investir sua mídia com maior foco na Rede Globo, mesmo levando em consideração que ela tenha perdido audiência nos últimos 15 anos.

Basicamente, a estrutura de programação deve responder ao papel comercial da emissora, atendendo a vários tipos de anunciantes. Através da revista Mercado Global, a Rede Globo dá visibilidade no meio empresarial à sua própria estrutura comercial, ressaltando sua constante atualização. Dirigida para executivos de empresas e agências de publicidade – ou seja, profissionais do campo do marketing – Mercado Global atualiza dados, divulga pesquisas de mercado, consumo e comunicação feita por diferentes institutos de pesquisa e agências de publicidade, inclui artigos acadêmicos deste campo, e revela muito sobre o saber comercial dos grandes anunciantes e da lógica do “padrão Globo de qualidade”. A Revista Mercado Global incentiva que se invista em anúncios na própria Globo, sempre mostrando a TV como o maior veículo do país, e reforçando uma confusão de sentidos constante na revista entre televisão e a própria Rede Globo – como se houvesse uma superposição.[11]

Entre a Globo e as outras emissoras sempre houve um diferença de público pensada em termos de classe social. Vou tentar discutir como se constróem essas classes sociais na reflexão do marketing e da publicidade brasileira. Tento mostrar a preeminência aparente da questão de gênero pela associação constante que tais profissionais fazem entre consumo e mulher. Vou tentar relacionar como as categorias de gênero e classe social que são construídas no universo pesquisado parecem ser relevantes para pensar a estrutura comercial da TV brasileira, e como a questão racial parece desaparecer do campo de visão.

 

Gênero, Classe e Raça
Gênero
A preeminência da questão do gênero na televisão foi bastante debatida, mostrando muitas vezes que a TV teria como foco preferencial o espectador feminino.[12] Uma série de programas, inclusive os mais rentáveis, são feitos tendo como objetivo atingir o público feminino – mas isso não significa que se restrinjam de fato e este público. E nem que sejam mesmo programas “femininos”. A própria construção do que a mídia classifica como feminino e como o lugar da mulher na sociedade pode ser questionada. No entanto, parece haver uma aproximação constante entre mulher e telenovela, e também entre mulher e consumo. Ambas associações podem ser questionadas, mas são construções fortes no meio pesquisado.

No encarte Mídia e Mercado da revista voltada para agências e anunciantes, Meio & Mensagem, de 1996, a novela continua sendo considerada um dos melhores espaços de mídia, pela sua cobertura e audiência. A matéria informa que um terço do faturamento da emissora vem da comercialização no horário das novelas. “Como mídia, as novelas são a melhor cobertura e a freqüência mais eficiente para a maioria dos targets”, afirma Octávio Florisbal, já citado.[13]

Target é o público alvo de determinado produto e a novela, por ser considerado o programa da “família brasileira”, é vista como eficiente para atingir diversos públicos. Mais ainda, o artigo de Florisbal acima mencionado reforça a associação entre mulher e consumo, afirmando que a novela seria eficiente nos objetivos de “aumentar o faturamento, ampliar a audiência e conquistar o público feminino, que detém grande parte do poder de decisão e consumo” (p. 8). Note-se até uma confusão entre um programa feminino e para a “família inteira”. Sabe-se também que a novela atinge uma população “geral” – todas as classes sociais, quase o país inteiro, diferentes faixas etárias. Nada é dito a respeito de raça.

A Rede Globo tem maior audiência, em média, no Jornal Nacional, na telenovela das oito, e também no Fantástico, aos domingos.[14] A emissora tem enfrentado certa queda de audiência, iniciada provavelmente por volta de meados dos anos 80, depois da novela de maior audiência de toda sua história, Roque Santeiro, exibida em 1985. Ainda assim, as telenovelas da Globo continuam a ser consideradas como o melhor produto para os anunciantes, Roberto Mader afirma que: “Soap operas, or telenovelas, are the most valuable product Globo has to offer advertisers.” (Mader, 1993: 82).

As novelas comercializam também para além do seu intervalo comercial. Há anúncios que se dão no meio do programa de televisão, especialmente das telenovelas, o chamado merchandising – que foi introduzido pela rede em 1973, na novela Cavalo de Aço.[15] A Rede Globo foi a primeira emissora de televisão a montar um esquema organizado de venda de espaços no meio da trama da telenovela. O merchandising é encarado como um dos subprodutos mais eficientes da telenovela, embora não se restrinja a este programa. Segundo dados no mesmo artigo, no entanto, o faturamento da Globo com merchandising, incluindo os programas de auditório, corresponde a 2,5% do orçamento anual, dos quais dois terços são gerados pelas novelas.

O merchandising existe em diversos produtos da televisão, e é visto como uma das formas publicitárias mais caras e eficientes. Mesmo assim, muitos publicitários que entrevistei criticam esta forma de anúncio por querer “enganar” o telespectador com algo que não é explicitado como anúncio. Um artigo na revista Exame[16] afirma que as vantagens do merchandising são vencer o controle remoto e a mudança de canais no intervalo comercial e dar mais credibilidade a um produto. A matéria ainda afirma que:

“Quanto mais dissimulada, mais cara a publicidade. A cada jingle de 1 minuto cantado com o auditório, Gugu fatura 80.000 reais, o dobro de um anúncio convencional. Um módulo de merchandising na novela das 8 da Rede Globo, por exemplo, pode custar de três a cinco vezes mais que um comercial de 30 segundos. Somente com O Rei do Gado, que embute 100 inserções, a emissora prevê um faturamento bruto de 15,4 milhões de dólares.” (p. 134)

A telenovela permite, portanto, um esquema comercial muito rentável, e parte dessa rentabilidade advém também do fato de ser considerada “feminina”, pois atrai e mantém um público majoritariamente composto por mulheres, especialmente mulheres que cumprem o papel de mãe e dona de casa (quer trabalhem fora ou não).[17] Esse papel é central para o marketing nacional, pois é esta figura que é vista sempre como a grande compradora de uma extensa gama de produtos. Essa lógica existe desde o início da publicidade – ou seja, sempre se viu a mulher como a grande consumidora. Ewen (1976) analisa o início de um sistema publicitário norte-americano nos anos 20 e já destaca essa associação entre mulher e consumo – consumo como decisão de compra e também uso dos produtos. Naquele período, o autor destaca a formação de um espaço doméstico reorganizado a partir de produtos industrializados – o que também parece valer até os dias de hoje. A publicidade tem a função essencial de “ensinar” a consumir e a usar esse produtos. Esse tipo de associação permanece como dominante na publicidade e no marketing brasileiro:

“90% dos produtos são voltados pra mulher, porque todos os bens duráveis um pouco mais caros são comprados em conjunto, no casal. E todos os outros produtos são comprados pela mulher. É muito pouco, o homem. O homem, na classe A não, porque tira a classe A. Mas na classe B e C pra baixo, quem faz as compras é sempre a mulher. Nem roupa eles compram!”

“R - A gente sempre fala assim, esse produto é para o homem, mas na hora, quem acaba indo comprar é ela. Não é o caso do carro, carro pode esquecer que não é a mulher que compra, ela pode dar palpite, mas na hora de comprar quem vai na concessionária é ele. Então esse é mais dirigido ao homem, mas não pode esquecer da mulher que ela vai dar palpite. Mas a maioria dos produtos é a mulher que compra.

H – Dá um exemplo?

R – Comida, para casa. Ou a criança, você faz anúncio para criança, mas a criança tem que pedir para a mãe. Ela pode até um dia ir lá e comprar sozinha, mas o que a gente pensa é que a criança vai fazer a mãe comprar. Aí o marido faz a mulher comprar. O carro não, é coisa de homem e ela só dá palpite. Mas margarina, óleo, chocolate, biscoito, limpeza, é tudo a mulher [que compra].

H – E eletrodomésticos?

R – Também. Televisão, som, daí o homem vai dar palpite. O resto é a mulher. Tudo é mulher, batedeira, máquina de lavar roupa, não tem jeito. Ele dá o aval, acha que pode comprar a Brastemp porque tem qualidade, Ele diz 'Tudo bem comprar uma Brastemp, eu dou o dinheiro para isso porque ela tem qualidade'. Mas ela tem que pedir também.”

“Por que ele fala isso, a mulher, eu acho que existem até pesquisas que promovem isso, e recentemente eu acho que eu li um artigo no jornal... Cada vez mais ela tem o poder de decisão na compra, que não é só referente ao óleo, à margarina, ou a produtos de limpeza, uma coisa mais voltada à casa ou ao ambiente doméstico. Ela tem o poder de decisão no carro, na marca do carro, mesmo sendo um produto muito dirigido ao público masculino, e ainda infelizmente é o que tem o bolso do tamanho desse produto aí. Geralmente a decisão, o desembolso é do marido, do homem ainda, mais ela tem uma forte influência na compra, a cor, quatro portas ou não, uma perua já, que a gente vai usar pra carregar coisas ou não e etc.. Então, a mulher ela tem uma influência muito grande na decisão de compras de bens, de produtos etc. Há sim uma influência grande. Então na novela é o horário onde tem um público maior...”
(entrevistas com publicitárias da área de criação, diferentes faixas etárias)

Porque a mulher é vista como compradora e também como alguém que se interessa mais pela televisão, ela é o público mais importante de certos horários e programas. Não é casual que o programa mais visto na TV brasileira ao longo de sua história, a novela das oito, ainda que seja assistida por toda a família, seja considerado feminino. Mas nota-se que por trás da associação mulher-consumo, algumas diferenças surgem quanto a como se dá este papel, em que escala, e mesmo com as devidas mudanças ao longo dos anos. As três citações acima discordam em alguns pontos, e demonstram uma percepção de que, em geral, as mulheres decidem a compra de diversos produtos, com algumas exceções. No entanto, parece que com o passar do tempo esse papel da mulher se amplia, incluindo produtos que antes eram considerados mais masculinos – como o carro.

As pesquisas de mercado revelam fatos de mudança no papel feminino, e de uma ampliação do lugar da mulher na sociedade. Mas ao passo que o “papel feminino” se moderniza, na esfera do consumo há uma expansão. A mulher não deixa de ser responsável pelos bens domésticos e pela compra de produtos como alimentos, limpeza, etc. (ou seja, os produtos que organizam o espaço doméstico). Mas agora agrega-se uma nova gama de produtos que a mulher também surge como decisora de compra: automóveis, serviços bancários, etc. Há vários trechos de pesquisa de mercado que comprovam estas associações. Os produtos domésticos devem agora ser práticos e facilitadores da vida de mulher – tanto os eletrodomésticos, como máquinas de lavar, produtos de limpeza, alimentos prontos ou semi-prontos parecem ter um grande apelo construído apenas em torno da figura feminina. A mulher é mais “moderna”, mas não deixa de ser a responsável pela compra destes produtos e pelo cuidado com a casa e a família. E ela expande suas qualidades de boa compradora para outros tipos de produtos também. Vou citar abaixo apenas uma pesquisa de mercado, pois os comentários são semelhantes a outras pesquisas que traçam o mesmo teor de associações:

“A mulher brasileira passa por uma transformação silenciosa, mas poderosa e que veio para ficar. Seus novos valores comprovam esta mudança. A liberdade de escolha, a praticidade, a tecnologia, a  família e o trabalho correspondem aos principais valores da mulher contemporânea e são sinalizadores das principais tendências de comportamento deste target. (....)

Com o trabalho, vem a independência econômica e a possibilidade de opinar, escolher, decidir. Assumir a possibilidade de opção é exercer a liberdade de escolha. É sinalizar uma mentalidade aberta, que procura coisas que valorizem o seu novo dia-a-dia. É sentir-se profissional do lar: “gerente administrativa”.

As mulheres são responsáveis por 65% das decisões de marcas e modelos de automóveis. São mais racionais, mais criteriosas, preocupadas com segurança, exigentes, abertas à inovação e conscientes de seus direitos.

Em 1997, 4 de cada 10 escrituras de apartamentos foram passadas para mulheres, é que em tempos recentes as mulheres passaram a negociar as condições financeiras. Nos bancos também a participação feminina vem crescendo, em alguns, 40% das contas correntes e 25% dos cartões de crédito pertencem ao público feminino, comprovando assim o alto poder de compra da mulher. (....)

Mais atribuições, mais responsabilidades, novos papéis, novo espaço na sociedade, com isso, menos tempo para as “tarefas femininas”. É aí que aparece a necessidade de reorganizar o tempo, agilizar a maneira de fazer as coisas, tendo como palavra mágica: “praticidade”.

Na Dimensão Racional, praticidade está associada à promessa de um produto ou marca que facilite/descomplique uma tarefa: mais fácil e menos tempo.

Na Dimensão Emocional, praticidade representa modernidade. É sentir-se conectada ao mundo, é participar do universo da tecnologia, que é a senha atual do mundo. E não importa o fato de trabalhar ou não fora, praticidade sinaliza novos tempos.

O apelo emocional é necessário para que a aceitação dessa tecnologia seja completa, sem se tornar algo impessoal, distante e avesso aos valores mais primários da mulher (amor e família).”
(Salles, Pesquisa sobre Mulher, disponível no site da agência)

Nesse sentido, a novela ganha novos anunciantes. O Banco Itaú, por exemplo, investiu muito em merchandising. Na mesma matéria da revista Exame citada acima, o Banco Itaú é mencionado como uma das empresas que tem usado com freqüência esse tipo de mídia, investindo apenas 5% de sua verba publicitária, mas garantindo uma presença de marca constante na mente dos consumidores.

Nota-se, assim, que a questão de gênero é muito relevante para a indústria cultural, porque ela vive de anunciantes e a mulher é vista como a grande compradora de uma gama cada vez mais extensa de produtos. Mas são construções de gênero muito fortes e que em muitos aspectos podem ser questionadas. Os próprios profissionais entrevistados mostram diferenças e nuances nessa idéia geral de que é a mulher que compra tudo, ou quase tudo. Mas considerando esse forte pressuposto do gênero, não parece ser causal, portanto, que o programa mais tradicional e de maior impacto nacional ao longo dos últimos 30 anos tenha sido a telenovela – que inclusive é destacada como definidora de um estilo de produção nacional de teledramaturgia.

O programa mais lucrativo da emissora, como já disse, é um programa considerado feminino. As novelas, ainda que mantenham sua ênfase numa estrutura melodramática, têm também tradição de discutir o Brasil e temas da atualidade, com certo toque de “realismo”. Por ser no horário nobre, ainda que feminilizado pela ênfase nas histórias de amor e dramas pessoais e familiares, é ao mesmo tempo visto como um programa para a família toda. Algumas novelas são, inclusive, mais masculinas, por atrair maior público masculino através de certos temas, como as novelas de Benedito Rui Barbosa (O Rei do Gado é um exemplo).

Por outro lado, além de vender diversos produtos no intervalo comercial e através de merchandising, as novelas da Globo vendem também um estilo consumista de ser – lançam moda, mostram lares bem equipados, vendem discos, etc. Este é o “Ipanema way of life” que a maioria das novelas produzidas no Rio de Janeiro vendem para toda a população nacional.


Gênero e Classe

Além da Globo, outros emissoras buscam também manter telenovelas em sua grade de programação, especialmente no horário nobre. O SBT tem ultimamente alternado duas estratégias: importar telenovelas mexicanas ou tentar co-produções com a Telefe Argentina.[18] No horário das 20 horas, a preferência tem sido pelos melodramas mexicanos. Tais narrativas se adaptam melhor ao interesse do SBT de se manter como uma emissora mais popular do que a Globo, com maior audiência nas camadas trabalhadoras, como atesta seu sucesso aos finais de semana com os programas de auditório. As novelas mexicanas tratam também do problema de classe social: são mais “femininas” porque muito melodramáticas, e voltadas para classes mais baixas. A associação entre mulher e novela parece ser apenas um desdobramento de uma associação anterior entre público feminino e melodrama, nas suas mais variadas formas.[19] O estilo mexicano também está sendo usado pela Record, mas através de uma produção local. Definindo o interesse por um modelo mais simples de telenovelas, e apontando inclusive para o modelo mexicano, um executivo da Record explica a forma de produzir novelas que a emissora estava implantando em 1997:

“ 'Nossas produções são acessíveis e têm enredo centralizado', conta Eduardo Lafon, 48, diretor de programação e operações da Record. Segundo ele, o dramalhão é a única arma para superar a plástica do padrão global de novelas. 'As classes média e baixa gostam de acompanhar histórias sofridas de fácil entendimento'.”[20]

Mais uma vez, a questão da classe social do espectador é usada nas construções acerca dos programas e das redes de televisão. As histórias mais “simples”, os melodramas “mexicanos” (quer sejam mesmo de origem neste país ou não) aparecem valorizados pela sua estrutura mais acessível às camadas que seriam definidas pelo marketing como de “baixa renda”. Isso coincide ainda com um outro tipo de anunciante – empresas menores de venda direta, ou empresas de varejo voltada para o grande público (como Casas Bahia, Lojas Marabraz) em anúncios cuja produção é visivelmente mais simples do que a maioria dos exibidos em caráter nacional no horário nobre da Globo, como os comerciais de automóveis e refrigerantes. A questão aqui remete ao capital cultural das audiências, mas esse tema não é explorado. Como desenvolvo a seguir, a questão do capital cultural é o que falta na definição de classe social usada pela indústria.

Mas para além da poderosa novela, há um outro programa de televisão voltado para as mulheres que também se define como “vendedor” de muitos produtos, especialmente os considerados tradicionalmente da esfera feminina. São chamadas de “revistas femininas” os programas de variedades dirigidos às mulheres. Eles mantêm um modelo semelhante e, normalmente, há uma apresentadora mulher apresentando variedades e sessões de culinária, fofocas sobre artistas, artesanato, pequenas notícias e entrevistas com a venda de diversos produtos durante o próprio programa. Sempre se dirigindo à espectadora, construída como mãe e dona de casa, anunciam-se produtos domésticos, aparatos de cozinha, produtos de beleza, jóias, bijuterias, “kits” para fazer atividades artesanais, etc.

O preço das inserções de comerciais neste tipo de programa atrai empresas pequenas e muitos produtos vendidos pelo correio, normalmente direto do produtor – o mesmo tipo de produto e anunciante que se pode ver em todos os programas femininos diurnos. São anunciantes que não têm espaço na Globo. Em todos estes programas, há uma certa construção de feminilidade recorrente: eles se dirigem à mulher, dona de casa, que trabalha em casa, cuida dos filhos, cozinha, etc. Os apresentadores sempre se referem à espectadora como uma mulher, com o uso de vocativos como “meninas”, “queridas”, “a senhora”, a “dona de casa”.[21]

Outro ponto central nos programas femininos de variedade é o que se encaixa sob o título “beleza”. A quantidade de merchandising nesse item é impressionante: cremes que evitam as rugas e rejuvenescem, aparelhos de ginástica, cremes contra celulite, aparatos e produtos para regimes e dietas emagrecedoras, dicas de maquiagem, etc. Os produtos de beleza são sempre ressaltados como um alívio para o corpo e, conseqüentemente, fazem bem à alma. São frases de senso comum, que revelam coisas como “cuidar do corpo é importante para a auto-estima”, a “gente se gosta mais quando está bonita”, etc. Por exemplo, para vender um produto chamado “Goldface”, a promotora de vendas afirma: “você precisa se prevenir desse mal que são as rugas e os pés de galinha para evitar a plástica”.

O corpo visto aqui como o lugar físico-material de resgate de auto-estima e respeito por si própria demonstra a forte influência social na construção desse corpo “generificado” (gendered) numa sociedade de consumo. Essa construção, esse aparente senso comum desses programas são sempre reforçados pela mídia e pela publicidade em geral. São idéias que estão também em anúncios de todo tipo, nas novelas, nos outros programas. É um espécie de “senso comum” que é na verdade construído pela mídia. Os programas reforçam que a mulher precisa ser bela e magra, e ainda parecer mais jovem do que realmente é. A questão desse tipo construção social do corpo numa cultura de consumo é muito relevante para se entender o papel da televisão no país. Certamente tais programas femininos são muito importantes nesta produção cultural do gênero, sendo parte do que Teresa de Lauretis denomina, fazendo referência ao trabalho de Foucault, de tecnologias do gênero.[22] Mais uma vez, mulheres negras têm pouco espaço neste universo, embora às vezes se destaque num quadro específico a maquiagem ou produtos para cabelos de mulheres negras.

Quase todos os produtos anunciados no merchandising são de venda direta – basta telefonar e a “dona de casa recebe em sua casa mesmo” todo o material necessário para uso correto do produto. As condições de pagamento também são maleáveis: parcelas no cartão de crédito, ou boleto do banco, e descontos para compra à vista. As formas de pagamentos não são um mero detalhe aqui, pois este é o lugar de venda e de demonstração do produto, e os tipos variados de crediário e parcelamento são fundamentais para promover o consumo. O fato de haver essa preocupação demonstra também que o público desses programas não é apenas das camadas mais altas, e pretende-se vender produtos para pessoas das camadas C e D.

Esta construção de uma feminilidade restrita ao universo doméstico também surge em análises sobre os anúncios publicitários na TV. Em “Feminino na publicidade: consumo e produtos domésticos” [23], argumentei que nos anúncios do horário nobre da Globo, especialmente nos anúncios de produtos para o lar – produtos de limpeza, eletrodomésticos, ou alimentos semi-prontos – mantém-se sempre uma associação de que quem faz uso deles são as mulheres, na figura de uma genérica dona de casa, e que o apelo desses anúncios é que tais produtos “facilitam” a vida dessas mulheres. Poucos comerciais pensam numa divisão sexual e geracional diversa do trabalho doméstico – que não seja só feito pela figura da mãe, mesmo que seja uma mãe que trabalha fora, no estilo consagrado da “mulher moderna”. Quase nunca há um homem, ou pai, fazendo esse tipo de serviço, e muito menos os filhos envolvidos com algum tipo de “ajuda” no serviço e manutenção da casa.

 

Classe

O problema da classe social vai também se delinenando ao lado da questão de gênero. Analisando a TV, nota-se pelos anunciantes que de fato, ainda que no perfil do Ibope não pareça haver grande diferença de classe social, alguns programas e emissoras têm em seus anunciantes uma maior proporção de produtos voltados à classes AB e outras às classes CD. Primeiro, gostaria de comentar como são construídas essas “classes sociais”.

As “classes” aqui mencionadas pela divisão em cinco grupos nas letras do alfabeto são como definidas pela própria indústria, ou seja, trata-se de uma divisão do universo populacional usado pelas empresas e institutos de pesquisa que classifica os domicílios nestas cinco categorias. Ela não se mantém, no entanto, sem gerar polêmicas na própria indústria. Esther Hamburger (1999) analisa esta questão, mostrando as divergências entre quem assiste televisão, principalmente as novelas, e o universo que é pesquisado pela Rede Globo em suas pesquisas de opinião que orientam a sua produção.

Esta categorização baseia-se em variáveis como posse de bens duráveis (máquina de lavar roupa, automóvel, aspirador de pó, televisão e rádio), presença de empregada doméstica e grau de instrução do chefe do domicílio, e foi criada pela Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) e Associação Brasileira de Institutos de Pesquisa de Mercado (ABIPEME). Recentemente, houve algumas controvérsias no sistema, como comenta Hamburger, e um novo critério de segmentação social foi estabelecido a partir das mesmas categorias que o anterior.

O novo chama-se Critério Brasil, hoje usado na pesquisa de mercado em geral, e baseia-se na mesma lógica, mas exige mais posse de bens para que uma família seja enquadrada na classe A. Como parte dessa classificação focaliza a presença de bens de consumo duráveis, trata-se de uma divisão que tem como foco, portanto, o próprio consumo e que é feita nas pesquisas que visam ampliar esse consumo. Mas ao descrever o país em termos de suas divisões de classe, nota-se alguns problemas. O Critério Brasil divide a população brasileira da seguinte forma:

Critério Brasil

Classe

% população

Renda Familiar Mensal

A 1

1%

5.555 e acima

A 2

4%

2.944 a 5.554

B 1

7%

1771 a

B 2

12%

1065 a

C

31%

497 a

D

33%

263 a

E

12%

Até 262

Fonte: Mídia Dados 1998.

Cabe destacar que este critério não contabiliza a população rural, mas mesmo assim ele diverge bastante dos critério do IBGE. Note-se o dado do Instituto para o mesmo período:

Classes de rendimento, em salários mínimos e a porcentagem de famílias:

Rendimento

Brasil (geral)

Urbana

Rural

Total

100,0

100,0

100,0

Até 1

11,5

8,6

24,3

Mais de 1 a 2

15,1

12,5

26,4

Mais de 2 a 3

12,8

12,0

16,4

Mais de 3 a 5

17,9

18,7

14,4

Mais de 5 a 10

19,3

21,7

8,7

Mais de 10 a 20

10,9

12,7

3,0

Mais de 20

7,1

8,4

1,2

Sem rendimento

3,6

3,6

3,5

Sem declaração

1,9

1,8

2,2

Fonte: PNAD 1997.

As duas tabelas fazem referência ao ano de 1997 e são, portanto, comparativas. Mas enquanto o IBGE nota, na população urbana, 21,1% ganhando até 2 salários mínimos, os dados que se baseiam em pesquisa do Ibope mostram apenas 12% nesta situação. Há diferenças de universo pesquisado que explicam essa discrepância: o Critério Brasil tem como base dois levantamentos sócio-econômicos realizados pelo IBOPE. Um em 1993, com 20 mil domicílios em municípios acima de 20 mil habitantes, mas na região Norte do país os únicos municípios pesquisados foram Belém e Manaus; e outro em 1996, com 10 mil domicílios e mesmo universo.[24]

A diferença ainda não parece ter uma explicação satisfatória, mas mesmo que seja de ordem metodológica e de universo pesquisado, uma questão se destaca: o universo da indústria cultural e da pesquisa de mercado continua a fazer um retrato otimista e melhorado do país, puxando “para cima” a classificação social. Esta crítica também é feita por alguns profissionais que trabalham na área de pesquisa de mercado. O presidente da ABIPEME, Octavio da Costa Eduardo, por exemplo, considera que falta um bom teste experimental desta nova medida. Cabe lembrar que foi esta associação que começou a questionar o critério anterior, apoiado pela ABA e ANEP, Associação Nacional de Empresas de Pesquisa. O Critério Brasil foi construído pelas últimas duas associações, mas com o apoio e participação da própria ABIPEME. Mesmo assim, Costa Eduardo tem críticas e afirma que “os dados são conflitantes com dados estatísticos proporcionados pelo Recenseamento de 1991 e outros estudos”. No mesmo artigo, ele destaca: “o novo critério não mostra a representatividade das classes econômicas mais baixas”. [25]

Este pequeno deslize colabora para melhorar a imagem do país, e “esconder” parte dos miseráveis. Se o que interessa para o universo dos anunciantes e da pesquisa de mercado é apenas a população que tem potencial de consumo, as pessoas de menos poder aquisitivo e  moradoras de área rural não precisam ser pesquisadas. O perturbador é que além de deixarem de ser o foco e universo das pesquisas, elas desaparecem do universo geral, daquele que representa o país. Não é à toa que o novo critério de classificação social foi nomeado de “Critério Brasil”. De alguma forma, ele deveria representar a população total do país.

Ainda, como critério de classificação social seu maior problema é enfatizar apenas poder de consumo e deixar de lado fatores como o capital cultural, determinantes na estruturação do espaço social, como lembra Bourdieu. Do questionário que classifica cada domicílio como pertencente a uma determinada classe social, a única variável que volta-se para o capital cultural é o nível de instrução do chefe de domicílio. A simplicidade da classificação social em ABCDE continua sendo incômoda, mesmo para os profissionais do ramo. Vários publicitários entrevistados demonstraram críticas ao critério de classificação social. Se ressaltam que o novo (Critério Brasil) ficou melhor, criticam os mesmos pontos que comentei acima: a pouca representatividade das classes mais baixas, ou a falta de sensibilidade para a questão cultural.

“Já tem umas pesquisas melhores do que simplesmente por abecedário, né. Porque você tem pessoas de classe C nesse país, como todos os professores, por exemplo, que são classe A intelectual. Então, a gente precisa tomar cuidado, porque tem muito pouca gente que é classe A de tudo. Muito pouco! Porque às vezes são classe A de dinheiro, mas de intelectual são classe F, viu? “

Outras críticas por publicitários demonstram também um desconhecimento bastante grande desse tipo de medição, e inclusive revelam que tais profissionais sentem que as classe altas são superdimensionadas. Eles mencionam que eles próprios, quando se auto-classificam por tais critérios como o Brasil, descobrem sempre ser da classe A, e acham absurdo como é “fácil” ser classe A nesse critério.

“Eu queria te dizer uma coisa, por esse critério eu e a rainha Elizabete, nós estamos no mesmo contexto, porque eu sou uma pessoa, e eu não sou nada... Engraçado isso porque eu não sou classe A A A A.”

Para além dessa questão do universo percebido como o Brasil, pode-se averiguar o quanto as pesquisas centram-se nas camadas de maior poder aquisitivo. Fica evidente pelos artigos da revista Mercado Global o quanto a Globo enfatiza as camadas A e B, ou A, B e C. A maior parte das pesquisas ali publicadas analisa apenas esse público.[26] No entanto, a partir do plano real, alguns artigos começam a alertar para o chamado “consumidor de baixa renda”, situado nas camadas C e D.[27] A classe E sequer é mencionada nos artigos da revista que pesquisei até agora (aproximadamente os últimos 10 anos da revista).

Infelizmente, não disponho de material tão vasto sobre a estruturação comercial das outras emissoras de televisão com sinal aberto. A Globo, por ser a maior emissora e tendo seu “poder” econômico e político destacado na história brasileira, tem mais publicações e dados disponíveis ao pesquisador. Mesmo assim, alguns comentários podem ser destacados, inclusive a partir de minhas entrevistas com publicitários, e do fato de que as pesquisas do Ibope são também referências centrais para estas redes de televisão. Por um lado, analisar mais a oposição entre Globo e as outras emissoras é fundamental para se entender a questão da classe social dos telespectadores. Mas antes disso, cabe lembrar que as outras redes que atualmente têm mais audiência, SBT e Record, não se mantêm apenas pelos anunciantes.

A Record é basicamente ainda um negócio que necessita do sustento de capital da Igreja Universal do Reino de Deus. O SBT conta com outros produtos do grupo Silvio Santos para seu sustento: Baú da Felicidade e Tele Sena são os exemplos mais fortes. Ainda que as outras empresas do grupo Silvio Santos possam se configurar como os anunciantes que mantêm a emissora, o fato de serem todas do mesmo grupo empresarial cria uma situação de particularidade. Tal situação desvincula a emissora da necessidade de atender de modo ideal os outros anunciantes. Isso explica porque alguns profissionais da área de mídia das agências de publicidade, o setor que negocia preços e espaços com as emissoras, reclamem muitas vezes de algumas atitudes do SBT, como a mudança imprevista de programas e grade horária.

Porque podem depender menos dos outros anunciantes, essa emissora parece também centrar mais seus esforços numa população de classe social mais baixa (na média) do que a Globo. Pelo menos, aparentemente. Mas certamente, o fato de seus produtores advirem de classe sociais mais baixas – como a própria história de camelô Senor Abravanel que ascende socialmente e torna-se apresentador e produtor de um programa extremamente popular – gera uma sensação de um produto feito por gente de classe popular para esta mesma classe.[28]

Em entrevistas com publicitários, percebe-se que a escolha por anunciar numa emissora como SBT se deve ao fato de buscar um público das classes C e D – excetuando alguns programas mais elitizados na emissora, como o “Jô Soares Onze e Meia”. Essa divisão é muito visível no SBT, pois esta emissora sempre se estruturou com base na busca de um público mais popular do que a Rede Globo, com ênfase em programas considerados voltados ao “povo”, como os programas de auditório – como destaca Maria Celeste Mira. Em seu trabalho, ela revela dados que mostram esse perfil, além de ser um público de menor nível educacional do que os que assistiam a Globo:

Distribuição da Audiência por classe socio-econômica

Grande São Paulo – 1982 (média anual em %)

A que emissora assistiu ontem?

Classe

Total População

Total ontem

Globo

SBT

A

8

8

9

3

B

21

22

23

14

C

38

38

28

37

D

29

30

27

41

E

4

3

3

4

Fonte: XXIV Estudos Marplan TV/SP, citado em MIRA, s.d.

Nesse sentido, a emissora de Silvio Santos inclusive encontrava dificuldade em encontrar anunciantes (pois sua audiência teria baixo potencial de consumo), e o Grupo Silvio Santos em geral, suas outras empresas, tornaram-se os maiores anunciantes do SBT. Mas nos dados que consegui captar para o final dos anos 90, nota-se que as emissoras hoje consideradas mais populares não têm um perfil de público tão distinto em termos de classe social do que a Globo. Em um site da DPZ, encontrei dados sobre o perfil de audiência de dois programas muitos populares no Brasil – a novela das oito da Globo e o Programa do Ratinho.[29] Os dados são de 1998, e portanto, referem-se ao período em que o Ratinho estava na Rede Record, mas que cresceu e impulsionou a audiência dessa emissora como um todo. Comparando o perfil da audiência (dados do Ibope) da Grande São Paulo, nota-se que a grande diferença é em termos de gênero, e não de classe social ou faixa etária:

Grande São Paulo, Perfil da audiência

Variáveis

Novela 8 (Globo)

Ratinho (Record)

Homens

34%

47%

Mulheres

66%

53%

Classe AB

33%

33%

Classe C

38%

41%

Classe DE

29%

26%

2 a 9 anos

14%

14%

De 10 a 14 anos

9%

10%

De 15 a 24 anos

17%

11%

De 25 a 39 anos

25%

29%

40 e mais

35%

36%

Fonte IBOPE, 1998 (citado no site da DPZ)

Como analisar estes dados? Ao longo de minha pesquisa, confirmo a expectativa de que é preciso pensá-los conjuntamente, e também que as divisões em apenas três categorias (AB, C e DE) pode estar dificultando a reflexão. De qualquer forma, vê-se que classe social e gênero são importantes aqui, e que a raça é sistematicamente apagada. Sua ausência é marcante nos próprios dados que a indústria gera para analisar e melhorar seu desempenho, como se pode notar pelos quadros acima. A categoria “raça” não é medida e não parece ser relevante.

Depois do plano real, muitos artigos das revistas especializadas destacam o crescimento do potencial de consumo das classe C e D. Parece ser a este consumidor que SBT e Record se dirigem. O fato de se ter dado conta de que essas camadas também têm potencial de consumo teria talvez alterado a postura da própria Globo e explique porque a emissora investe agora em programas como o “policial-verdade” Linha Direta, ou o feminino diurno de Ana Maria Braga, Mais Você. [30] Mas a diferença em termos de classe social da maneira como é medida pelo Ibope não expressa muita discrepância. Novamente, isso parece-me remeter à própria lógica de estratificação social do critério usado pelo Ibope e outro institutos de pesquisa. A questão parece ser muito mais no sentido de diferenças de capital cultural, no sentido de Bourdieu, e não apenas econômico. Infelizmente, este capital cultural não é medido pela segmentação da pesquisa de mercado.

O problema da classe social do público volta então para a questão central que mantém a TV comercial de sinal aberto: seus clientes, os anunciantes. Como estou destacando, não basta ter audiência. Diretores da Globo sempre rebateram comentários sobre os sucessos da Record ou do SBT mostrando muitas vezes que nem sempre ter público gera o interesse dos anunciantes. Isso fica muito evidente nos programas considerados sensacionalistas, como o extinto jornalístico Aqui Agora, do SBT, e atualmente o Programa do Ratinho. Dada a ênfase de tais programas nas cenas de violência e a forma com que os casos policiais são retratados, vários anunciantes, principalmente grandes empresas, não querem associar sua imagem de marca a esse tipo de programa. Este problema foi extensamente comentado na imprensa quanto ao Aqui Agora – apesar do relativo sucesso de público, a falta de anunciantes teria determinado a extinção do programa. Mesmo assim, eles são todos exibidos no horário nobre, atraem um público relevante em termos de pontos de audiência e, atualmente, não parecem ter mais tanta dificuldade em encontrar anunciantes. Mesmo que haja esse tipo de problema, como são programas que “alavancam” os índices de audiência, eles permitem garantir o interesse do anunciante para o programa que vem em seguida.

Há a questão da comercialização dos espaços que demanda também uma reflexão sobre a desigualdade dos tipos de anunciante e a questão da estratificação social dos espectadores em diferentes programas e canais. São várias classes de espectadores, mas também de distintas “classes” de anunciantes. É exatamente esse tipo de anunciante de “segunda classe” – muitas vezes voltados também para venda direta – que está presente nos programas de auditório (programas considerados mais populares por excelência). E foi com eles que uma rede como SBT se sustentou, ao lado dos já mencionados anúncios  de outros produtos do grupo Silvio Santos, com destaque para o Baú da Felicidade e a Tele Sena – todos eles buscando atingir as classes C e D.

 

Raça

Ao longo de todo processo de pesquisa, encontrar dados sobre raça, composição racial do público, ou outras questões de relação racial parece ser um esforço do pesquisador em encontrar algo que parece não existir. A questão da raça parece ausente do problema pesquisado. Nesse sentido, há continuidade quanto à “invisibilidade” da questão racial e do negro na mídia, como critica o movimento negro.[31]

Sueli Carneiro, da ONG Geledés Instituto da Mulher Negra, destaca o quando o negro é quase “invisível” na televisão brasileira – só aparecendo mais nas novelas que retratam a escravidão e sendo também bastante excluído dos comerciais. Ao lado dessa invisibilidade, há também o que ela denomina de “visibilidade perversa”, que seria o comportamento submisso e humilde dos personagens negros nas telenovelas, ou o negro visto apenas como marginal ou delinqüente (nos telejornais) ou associado ao entretenimento (como no caso de cantores e dos jogadores de futebol). São estereótipos negativos muito veiculados pela mídia, como a figura sensual da “mulata brasileira” – estereótipos e preconceitos de gênero, raça e classe se somam e superpõem. Por outro lado, Carneiro destaca a crescente visibilidade do negro nos comerciais, remetendo à “recente” descoberta da mídia e das empresas de que os negros também são consumidores no Brasil.[32] Na minha opinião, essa percepção de que há uma camada negra consumidora vem como decorrência do sucesso editorial da revista Raça Brasil.

É interessante notar a rara menção à questão racial nas revistas de publicidade, e também a reação dos entrevistados quando eu pergunto porque há tão poucos negros nos comerciais de TV. No mais das vezes, os publicitários repetem que a publicidade não muda a sociedade, só reflete seus valores e atitudes; e como vivemos num país racista, este racismo se reflete na pouca quantidade de negros na TV. Há também uma idéia ainda mais perversa na associação entre negro e pobreza, decorrente do fato de que o preconceito racial na sociedade brasileira teria isolado o negro nas camadas de menor poder aquisitivo:

“H- Por que tem tão poucos negros na publicidade?

M- Está começando, né?

H- Como é que você pensa isso?

M- Eu tenho impressão primeiro, bem claramente, que era uma raça que tinha muito pouco poder aquisitivo. Então, não se deu nenhuma atenção. Acho que está começando.

H- É difícil colocar... Você já fez um anúncio que você colocou negros?

M- Eu fiz há alguns anos atrás. É. E não gostaram, não. Tiraram. Mas hoje...

H- Não gostaram, quem? O cliente?

M- É, o cliente. Mas hoje eu ponho, por exemplo, em Arapuã eu sempre tenho, eu sempre ponho.

H- Mas geralmente, quando é numa coisa que tem várias pessoas...?

M- Isso. Raramente ponho um cara sozinho que é negro e faz um comercial.

H- Ou um negro com um destaque no comercial...

M- Porque ainda o... no Brasil, a cor negra é sinônimo de pobreza. Então você fala: 'Ah, é coisa pra pobre!' O público vai dizer isso, não eu. Vão achar que é um produto pra pobre. Pra classe C. E ninguém quer ter produto pra pobre.”

“H – E raça? Por que tem tão pouco negro na televisão?

C – Tem pouco porque... que nem eu te falei... Porque muito cliente diz que não quer, a pessoa rejeita. Tem muito isso, a pessoa se vê... Que nem a Brahma uma vez fez a campanha inteira com o Mussum, e se tem negro então parece que não é para a classe A. Essas coisas assim tem...

H – É o racismo da sociedade brasileira mesmo?

C – É, da sociedade brasileira inteira. Não é do publicitário. A gente tenta muito botar, mas às vezes também dá problema. Porque se você bota o cara bebendo, daí então vão falar que está bebendo porque é preto, aí vão reclamar. Então você tem que tomar muito mais cuidado, é que nem mulher, a mesma coisa. Você nunca pode botar uma mulher que apanha do marido, mas se você botar uma mulher que dá uns tapas no marido, o pessoal gosta.”

Por um lado, o anunciante rejeita, e essa rejeição parece estar associada à ligação entre raça e poder aquisitivo – reforçando a associação entre negro e pobreza. É marcante aí a suposição de que o consumidor negro pode se identificar com o personagem branco dos anúncios, mas não o inverso. Por outro lado, há a dificuldade de tratar temas delicados, que possam gerar polêmicas desnecessárias. Nesse sentido, é difícil colocar negros num comercial, assim como outras minorias, como os homossexuais. E como o universo publicitário é muito marcado por fórmulas repetitivas, não parece nem “natural” que hajam negros nos anúncios:

“Mas tem pouco negro mesmo e eu vou te dar N exemplos. Eu acho assim, pra você usar o negro na publicidade, eu tô em busca de encontrar uma oportunidade pra usar o negro, sem que pareça: Oh! E inclusive usar o negro. Que seja natural e não que seja uma coisa politicamente correta, ou que seja uma coisa interesseira ou uma demagogia, ou etc, etc. Eu tenho muito, eu estou dizendo isso com muito cuidado, porque como você vê uma ausência enorme... Como você vê uma ausência enorme dos negros, em todas as áreas e no caso, na comunicação e na propaganda, eu acho que a gente tem que evitar criar situações completamente, vamos dizer assim, preparadas para que entre um negro. Não tô dizendo que seja tão difícil assim usar não, mas de repente pode parecer muito piegas.”

Nota-se que essa dificuldade de encontrar dados sobre raça é apenas um desdobramento dessa quase “invisibilidade” do negro na própria mídia. O estigma racial parece ser o mais poderoso neste universo – tanto assim que não parece “natural” (aqui no sentido de “normal”) colocar personagens negros. Há o risco de criar conflito com o cliente, de soar “falso” ou “artificial”, e há ainda o risco de criar polêmicas desnecessárias com o público.

Observando-se os anúncios na TV, os negros sempre aparecem em anúncios que querem revelar algo de “brasilidade” – anúncios com muita gente, ligados ao futebol e à cerveja, ou comerciais do governo e de empresas públicas. Nessa hora, parece que se tornou inevitável mostrar parte dessa população. Quando o objetivo é “espelhar” o país, os negros tornam-se um pouco mais visíveis.

 

Conclusão

Difícil mudar a imagem do negro? Sim, como parece ser difícil libertar-se da associação entre mulher e espaço doméstico, ou de preconceitos de classe que supõem que as classes mais baixas gostem de novelas mais simples e de fácil entendimento. Ou mesmo pela clara exclusão de uma parte do país no critério de segmentação social denominado ironicamente de “Brasil”. 

Para a estruturação da ordem comercial televisiva, os construtos de gênero e classe social são visivelmente importantes. Atingir a mulher, aqui vista de forma renitente como consumidora, é essencial. É também de suma importância atingir as classes de maior poder aquisitivo e ter bem adequado a relação entre produto e público alvo, e como atingir esse público alvo. Os produtos para todas as classes sociais estão na Globo e a novela é vista como perfeita para atingir diversos públicos – mulheres e homens, todas as classe sociais e faixas etárias. Mas esta emissora também concentra os anúncios de produtos voltados para classes mais altas (A e B) e das grandes empresas anunciantes. Isso não significa que programas voltados para a classe mais alta, como o jornalismo de Boris Casoy por exemplo, não atraiam grandes anunciantes também para as outras emissoras. No entanto, na sua maioria, essas emissoras concentram-se em anúncios voltados para a as classes populares, muitos dos quais vindo de anunciantes menores.

A questão racial parece sofrer da “invisibilidade” já discutida por outros pesquisadores. No entanto, este trabalho é parte de uma pesquisa ainda em andamento e algumas novas conclusões podem surgir. Já surgiram alguns índices de uma sensibilidade maior para o fato de que atualmente não é só mais a mulher que vai ao supermercado – portanto, seria necessário pensar no casal como comprador. Surge também o desconforto diante da questão da exclusão notável do negro e de uma parte da população que não é contemplada pela classificação social usada pela indústria aqui pesquisada.

 

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[1] Doutoranda – UNICAMP.

[2] Este texto é parte de minha pesquisa para o Doutorado em Ciências Sociais na UNICAMP, Área de Família e Gênero, intitulada “Muitas mais coisas – Telenovela, Consumo e Gênero”, que conta com o apoio da FAPESP. A pesquisa do doutoramento iniciou-se dentro de um projeto mais amplo intitulado “O Impacto Social da Televisão sobre o Comportamento Reprodutivo no Brasil”, que contava com profissionais das áreas de antropologia, sociologia, demografia e comunicação de várias instituições (Cebrap, Unicamp, UFMG, USP e Universidade do Texas), e apoio financeiro das fundações Hewlett, MacArthur e Rockefeller.

[3] Cf., por exemplo, CAPPARELLI, 1982; KEHL, 1986; MATTELART e MATTELART, 1989; MICELI, 1972; MILANESI, 1978; NOVAES, 1991; ORTIZ, 1988; ORTIZ, BORELLI e RAMOS, 1989; RAMOS, 1991; STRAUBHAAR, 1988 e1996.

[4] Algumas características dessa relação entre governo e meios de comunicação, e como a verba do governo enquanto anunciante é objeto de barganha política podem ser observados em casos narrados no livro-reportagem de Conti, 1999. Casos interessantes também são narrados em Moraes, 1994, revelando também o período de formação da TV Brasileira com Chateubriand, e seu “estilo” personalista e político de dirigir empresas de comunicação. Ambos os trabalhos destacam a importância das “relações pessoais” e familiares na formação das empresas de mídia no Brasil, revelando espaços em que a “racionalidade” política ou comercial fica relegada ao segundo plano diante da lógica de poder e personalismo da elite nacional.

[5] Ou os “dez principais mercados brasileiros” segundo material do próprio Instituto: Grande São Paulo, Grande Rio de Janeiro, Grande Porto Alegre, Grande Salvador, Grande Belo Horizonte, Grande Recife, Grande Curitiba, Brasília, Florianópolis, Grande Fortaleza.

[6] Cidades com índices medidos através do peoplemeter: São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte.

[7] Segundo dados do anuário Mídia Dados 99, São Paulo, editado pelo Grupo de Mídia, pg. 18. O segundo maior mercado, o Rio de Janeiro, responde a 8,5% desse índice, e Belo Horizonte e Porto Alegre atingem ambos apenas 2,8%. Esse Índice de Potencial de Consumo é uma estimativa do Grupo de Mídia que se baseia em dados do Censo Demográfico de 1991, e nas PNAD do IBGE dos anos de 1992, 1993, 1995 e 1997.

[8] O Nordeste corresponde a 20,6% do potencial de consumo, o Sul a 17,3%, a região Centro-Oeste a 6,7% e a região Norte a 5,1%. (Mídia Dados 99, pg. 19).

[9] Dados em Mídia Dados 99, pg. 28 e seguintes.

[10] Ricardo Scalamandré: “O Negócio da Televisão” in MACEDO et al, 1988

[11] Cf. artigo de Eduardo Correa: “Televisão, o veículo do Brasil”, in Mercado Global, No. 92, 4º trimestre de 93.

[12] BROWN, Mary Ellen (ed.): Television and Women’s Culture - The Politics of the Popular, London, SAGE, 1990; MODLESKI, Tania: Loving with a Vengeance - mass-produced fantasies for women, NY, Methuen, 1982 e “The Rhythms of Reception: daytime television and women's work” in KAPLAN, E. Ann: Regarding Television: critical approaches - an anthology, Frederick, University Publications of America, 1983; MORLEY, David: Family Television - cultural power and domestic leisure, London, Routledge, 1993 (1986); PRIBRAM, E. Deidre (ed.): Female Spectators - looking at film and television, London, Verso, 1988; SPIGEL, Lynn: Make Room for TV,

[13] “Novela: a grande dama da televisão brasileira”, Mídia e Mercado, agosto/setembro 1996, pág. 8.

[14] Dados sobre maiores audiência retirados de vários exemplares do encarte TV Folha, da Folha de São Paulo, aos domingos, sempre na segunda página, durante o segundo semestre de 1999.

[15] De acordo com o dado na revista Mercado Global, Edição Especial, No. 98, 2º trimestre de 95, no artigo: “Simbiose com o cotidiano brasileiro”.

[16] “A Propaganda Disfarça” por Nelson Blecher, 25 de setembro de 1996, pp. 130-134

[17] Mostrando a associação entre mulher e novela, cf. Leal, 1986, Prado, 1987, Hamburger, 1999, Sarques, 1986.

[18] Neste último caso, e voltada para o público infantil, Chiquititas é um exemplo de sucesso na emissora, inclusive pelos produtos gerados a partir da narrativa (bonecos, roupas, CDs).

[19] Cf., por exemplo, Gledhill, Christine: Home is Where the Heart is – studies in melodrama and the woman's film, London, British Film Institute, 1987.

[20] “CNT lança concorrente de 'Chaves' “, Elaine Guerini, TV Folha, página 5, Folha de São Paulo, 2 de Março de 1997

[21] Estes programas promovem produtos que permitem que a dona de casa trabalhe em sua casa mesmo e consiga um “dinheirinho extra”, em atividades como culinária, artesanato e manufatura de produtos para casa, entre outras. Isso é tanto ponto de pauta – ensina-se, por exemplo, a pintar em porcelana, a fazer flores de papel, ou atividades que tais – mas também é parte essencial do merchandising ali inserido, com a venda por exemplo de “kits” para confeitar bolos, kits de pintura em tecido, kits para fazer bijuterias, etc. Um dos pontos de pauta mais centrais nesses programas é a parte de culinária – que inclui eventualmente a publicidade de certos produtos, muitos deles ligados aos próprio cozinheiros (homens e mulheres) que demonstram as receitas.

[22] Para mais comentários sobre Lauretis cf. Buarque de Almeida, Heloisa: “Feminino na publicidade: consumo e produtos domésticos”, paper apresentado na XXI Reunião Brasileira de Antropologia, Vitória, abril de 1998 e “O Gênero na Mídia e os Sujeitos na Recepção” (mimeo).

[23] Op.cit., 1998.

[24] Ainda tenho dúvidas se nesses municípios foram contados também domicílios em favelas ou se estes estavam excluídos da amostra.

[25] “Mercado volta a ter critério único”, Revista SBPM, Sociedade Brasileira de Pesquisa de Mercado, Agosto, 1997, Ano 1, No. 2, p. 29.

[26] Cf. por exemplo a pesquisa sobre o consumo infantil feita pelo Departamento de Pesquisa da McCann-Erikson, com apenas as camadas A/B e C, no artigo “Papai e mamãe vão acabar fazendo o que eu quero”, in Mercado Global, No. 99, 1o trimestre de 96, ou o artigo que trata de classes “médias” as camadas A e B, Jaime Troiano: “Expansão e sonhos da classe média – o caminho das marcas globais” in Mercado Global, No. 95, 1o trimestre de 95.

[27] Cf. por exemplo artigo sobre o Levantamento Sócio-Econômico do Ibope (que exclui os favelados, nas regiões metropolitanas pesquisadas): “Um Retrato do Brasil Real”, in Mercado Global, No. 100, 2o trimestre de 96 – parece ser contraditório falar em “Brasil real” se sempre se exclui neste universo do marketing grande parte da população mais desfavorecida do país, a chamada classe E.

[28] Cf. MIRA, Maria Celeste: Circo Eletrônico – Silvio Santos e o SBT, São Paulo, Olho D'água / Loyola, s.d. (1995?).

[29] Agradeço a Maria Celeste Mira, da PUC-SP, pela referência a este site, complementando a minha dificuldade em encontrar dados sobre o perfil da audiência. As pesquisas do Ibope são caras e não são dados públicos.

[30] Algumas mudanças de programação na TV aberta também se devem ao fato de que as classes AB agora teriam acesso a TV a cabo, mas cabe lembrar que este setor parece ter estagnado no último ano. O crescimento da TV a cabo, no entanto, ainda é inconstante. Porto (1999) revela uma diminuição e perda de assinantes do sistema de TV por assinatura, gerada também pela atual crise econômica do país.

[31] Embora a questão racial não se restrinja aos negros, enfatizo aqui esta “minoria” por ser parte tão expressiva da população nacional que tem tão pouca visibilidade na mídia. Também me restrinjo aos negros pela minha falta de uma reflexão específica sobre outras minorias étnicas. Cabe lembrar, no entanto, que alguns grupos étnicos são retratados também de forma muito estereotipada ou completamente ausente do vídeo, como os indígenas.

[32] Estou mencionando algumas idéias que Sueli Carneiro apresentou no ciclo de debates TVer, no SESC Paulista, São Paulo, em 8 de dezembro de 1999. Cf. também matéria da revista Veja: “A Classe Média Negra”, 18 de agosto de 1999, pp. 62-69.