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Grupo de Trabalho 3
Negras em Terras de Brancas : As Africanas na Rede da Inquisição.

Selma Pantoja[1]

Introdução

Em 1734 Marcelina Maria, escrava, preta de 26 anos, solteira, natural do Rio de Janeiro, moradora em Lisboa, se apresentou ao tribunal da Inquisição, foi acusada de superstição e feitiçaria. Contou ela que chegou a usar remédios de ‘obrigar a vontade’. Foi levada ao cárcere, ao auto da fé e confessou o seu crime. Foi condenada a penas e penitências espirituais e no final dos interrogatórios foi absolvida. ( processo 631, Inquisição de Lisboa, 1734, ANTT)

Maria Ortega, parda livre, ex-escrava, solteira, 33 anos, natural de Castela e moradora em Lisboa, foi denunciada a Inquisição de Lisboa, acusada de feitiçaria. Foi ao auto da fé, interrogada, açoitada, confessou e acabou sendo degredada para Angola. ( Processo 834,Inquisição de Lisboa, 1637, ANTT).

Maria Tereza,. Mulata, escrava, natural de Viana, 30 anos, casada com Manuel Lopes alfaiate, filha de mulher preta escrava de Vicente Jácome. Foi presa em 19/11/1754. Crime: curas supersticiosas, feitiçarias, pacto com demônio. Sentença; abjuração de leve suspeita na fé, cárcere a arbítrio, penas e penitências espirituais, 3 anos de degredo em Viseu. (Processo 2362,Inquisição de Coimbra, ANTT)

Joana Antônia , natural de Angola, 16 anos, moradora em Lisboa, escrava preta, acusada de superstição, condenada pelo tribunal em 1749. (Processo 348, Inquisição de Lisboa, 1749).

Maria de Jesus, natural de Luanda, 28 anos, moradora em Lisboa, preta livre, acusada de bruxaria, condenada com auto-da-fé em 1735. Disse ter sido deflorada pelo demônio. ( Processo 2279, Inquisição de Lisboa )

Essas passagens são alguns dos exemplos de acusações de africanas que caíram na rede da Inquisição em Portugal. A intenção do texto é de analisar como essas mulheres, com suas diferentes histórias, percorreram caminhos que se podem dizer demarcados por suas condições de raça, classe e gênero. Como as idéias sobre sexualidade e raça moldaram a experiência de negras livres e escravas? Como as instituições escravidão e Inquisição se articularam com categorias de diferenças de sexo, das nuanças da cor ( negra, mulata) e das condições jurídicas ( escravas, forras e livres)?

Igreja e proprietários de escravos partilhavam desejos de conter os negros numa dada ordem de construção social que gerava o temor das atividades dos escravos. As praticas africanas, chamadas supersticiosas, registra a capacidade de definir estratégia de luta perante o seu senhor visto a freqüência com que a feitiçaria era utilizada para obter liberdade, a carta de alforria prometida pelo senhor e para se livrar de senhores cruéis. A intenção do texto é focar a discussão sobre a construção de gênero e as formas de como foram vividos os conflitos entre as mulheres negras e a Inquisição. As diferenças entre mulheres livres e escravas trazem também uma justaposição dos limites impostos às atividades femininas. Feitiçaria e blasfêmia têm sido examinados como resistência cultural e confronto ao sistema ideológico vigente. Mas quase todos os estudos com este enfoque não aprofundam a análise desses documentos como vozes escravas e raramente como vozes das mulheres, sejam elas negras ou brancas.

Em sociedades nas quais escravos e mulheres em geral não deixaram um legado muito expressivo da visão deles mesmos e de seu mundo, documentos como os da Inquisição tornam-se fontes de grande valor para conhecer a sua auto- representação. Apesar da mediação do escrivão, é possível filtrar o registro da própria história do escravo. A feitiçaria foi uma atividade encontrada tanto entre as brancas como as negras.

O texto percorre o seguinte caminho. Apresentação da documentação que foi usada para pesquisa com sua origem, organização, dimensão, e a proporção do material referente aos africanos nos tribunais da Inquisição portuguesa. Em segundo lugar teço algumas considerações de como se apresentava o mundo dos senhores de escravos quanto aos seus segmentos, identidades e as suas configurações perante as questões de raça, classe e gênero. A Quarta parte do texto trata das africanas e seus processos na Inquisição com a amostragem de nove processos e a analise de três trajetórias. Finalmente analisamos onde se cruzam raça, gênero e classe a partir dos processos estudados.

Antes de analisar as variáveis que conduziram os caminhos diversos que as africanas percorreram, pretendo situar o universo documental trabalhado, assim como contextualizar brevemente a atuação dos tribunais e da sociedade portuguesa perante os tipos de casos aqui citados.

 

Um Lugar no Mundo

Mulheres e homens brancos da sociedade portuguesa, da época, tinham definidos e identificavam-se com uma série de categorias de raça, gênero e classe que colocavam as pessoas em posições opostas perante escolhas de vida e aspirações. Os imperativos de identidade de classe tinham que ser constantemente assegurados e proclamados. Eram usados para isso, por exemplo, a cor da pele, as vestimentas, o estilo de penteados e as normas comportamentais. Raça e gênero eram marcas e determinantes de poder e auto-definição de pertença a um grupo. A categoria raça tinha como referência maior nas noções de liberdade e escravidão. Gênero estava separado pela definição de dependentes e independentes. Já classe estava articulado pelo vínculo entre aqueles que eram ricos, poderosos e proprietários, em oposição a outros carentes dessas classificações. O chamado refinamento do conhecimento da língua e da religião oficial, além de honra e nobreza, acompanhava os sinais de identificação de uma classe na sociedade portuguesa do Antigo Regime. Um conjunto de instituições dava identidade fundamental às elites sociais, configurando os comportamentos aristocráticos (Hespanha,1993,p.381). Evidentemente os brancos partilhavam outras identidades como de lisboeta, metropolitanos, estrangeirados, católicos, europeus. Mas essas marcas e hierarquias impostas pelas diferenças não se propunham fixas e criavam ao seu redor uma pluralidade de relações sociais que ganhavam formas através dos laços de amizade, serviços e clientelas compelindo os senhores a pensarem suas identidades e a lógica de seus lugares no mundo, em movimento constantemente. A segunda metade do século XVIII, por exemplo, foi um momento desse fluir dos fundamentos de identidades possibilitando o interrogar qual era o papel do senhor/senhora de escravos, da mulher livre e dos escravos.

Mas ‘o universo normativo do Antigo Regime tinha, de fato contornos complexos’ as normas que moldavam os modos de pensar e agir se relacionavam diretamente às regras de estratégias sociais e prestígio. Inseridas nesta cadeia de clientelismo, nas quais prestavam serviços e recebiam proteção, as camadas intermediárias constituíam os elos frágeis dessas estratégias por ganhos simbólicos. Os donos de escravos que aparecem nos processos aqui mencionados estão nestes patamares dos ‘poderes informais’. São os funcionários que trabalhavam como escrivão da Casa da Índia, criados dos desembargadores, dos arcebispos, dos Infantes, etc. Embora suas vidas cotidianas fossem uma tentativa de reproduzir os comportamentos aristocráticos, porém o convívio muito próximo com os seus escravos e empregados domésticos os colocava de imediato perante as relações escravistas.

Há um longo o debate sobre a escravidão que gerou o essencial das relações entre brancos e negros. Tem lugar central nesses debates o estudo e a polêmica sobre as possibilidades extra-normativas como fonte do importante lugar ocupado na nossa moderna história e consciência sobre a questão racial. Nos últimos anos os historiadores têm devotados uma crescente atenção a dimensão individual dessas atuações, olhando mais diretamente a maneira como o negro tem proclamado e definido espaço de liberdade agindo como agente de sua própria emancipação. Mas poucos historiadores têm se interpelado sobre o modo pelo qual se deram certas rupturas frente à questão de gênero ou sobre como as tentativas de ruptura deixaram alguns legados ao longo da vida das escravas.

Nesse sentido torna-se importante analisar certas categorias como classe articuladas a outras hierarquias como cor e sexo: brancos e negros, mulheres e homens, atributos que colocam perspectivas e estratégias de vidas diferenciadas.

Nessa direção, o texto pretende explorar o essencial da Inquisição, articulando um grupo de mulheres, as africanas escravizadas em Portugal, aproveitando-se da extraordinária janela aberta com a leitura dos processos que registram as suas experiências e consciências.

 

A Feitiçaria : uma situação histórica

A igreja usava a Inquisição para manter o caminho para fé e portanto considerava perigosas as práticas que levavam à heresia. Durante o século XVIII longos processos podem ser encontrados sobre as chamadas superstições e feitiçarias. A cidade de Lisboa, pela concentração de africanos e uma agitada vida urbana, foi um espaço privilegiado para a pratica das atividades mágicas. A prova disso está em que na Inquisição de Lisboa foi encontrado o maior número de processos de negros africanos condenados por praticas mágicas[2]. A feitiçaria cruzada com a questão de classe, raça e gênero conduz, através dos processos da Inquisição, ao modo de vida e o que pensavam as africanas em seus cotidianos. Os processos demonstram o quanto as circunstâncias, a repetição das palavras utilizadas tinham significado na disputa entre acusadas e inquisidor para a classificação do tipo de crime, o que determinava o caráter da punição.

O tribunal podia julgar o ato segundo o nível de heresia e de maneira mais tolerante se a ré se apresentasse espontaneamente e confessasse logo o crime. Ou dependia mesmo das posições de como os acusados se colocavam nos interrogatórios. A feitiçaria não foi uma prática restrita aos negros escravos. Muitos brancos e brancas foram condenados por este crime no entanto A feitiçaria praticada pelos negros assumia significados diferentes ao revelar a natureza do sistema escravista diante de punições e opressões físicas e morais. A feitiçaria, antes de tudo, teve a função simbólica de rejeição aos aspectos da cultura européia dominante e em alguns casos indicava o grau pelo qual certos escravos sabiam e podiam opor-se ao monolítico poder dos seus senhores. Uma trama de atitudes dos escravos se desenvolvia na casa dos senhores de escravos. Uma rede de afazeres era desencadeada para que uma escrava alcançasse o objetivo de “declinar a vontade” de alguém. O senhor, em geral, era objeto desses atos que ‘obrigava a vontade’. Uma vontade irredutível seria domada com atos que passavam pela manipulação das roupas, alimentos e outros objetos de uso diário de senhor/senhora.

 

Do Ponto de Vista dos Senhores

O temor que os senhores tinham das práticas de feitiços dos seus escravos é um fator a ser considerado. No século dezoito, em Pernambuco, Manoel Rodrigues denuncia os seus escravos Domingo, Maria e Gonçalo por feitiçaria. Manoel Rodrigues estava doente por já algum tempo e o padre exorcizava a doença, insistindo em que alguém tinha feito mal a ele. Um dia a mulher de Manoel castigou a sua escrava Maria. Pensando que a punição era por causa disso Maria confessou, que ela e os outros colocavam coisas na comida do senhor para que ele morresse (Inquisição de Lisboa, Cadernos do Promotor, livro 319, f. 136). No geral todas as praticas envolviam o consumo de alimentos, ervas e as roupas dos senhores. Natural crença nesse poder gerava temor. Sem o controle das práticas dos feitiços e, em muitos casos, se utilizando delas na tentativa de resolver os seus próprios problemas os senhores de escravos apresentavam o comportamento dúbio de tolerância e depois de completa negação, com provável temor da Inquisição.

 

Inquisição Portuguesa como fonte para história dos africanos

Nos três tribunais da Inquisição portuguesa (Lisboa, Évora e Coimbra) identifiquei 45 processos incluindo africanos entre escravos, forros e livres[3]. Dentre os identificados como naturais de Angola contam-se sete processos e para os nascidos na cidade de Luanda foi encontrado somente um caso. Outros são originários da Costa da Mina, Cabo Verde ou simplesmente se dizem naturais dos “Brasis”. No século XVII os africanos, em sua maioria, aparecem condenados por práticas mouras, e no século VXIII para bruxaria. Na primeira metade do século XVIII a Inquisição de Lisboa levou 19 pessoas a autos públicos por conta de envolvimentos com práticas mágicas ( Braga, p.169). Além dos processos, podem-se computar os Cadernos do Promotor com vários casos de negros e mulatos condenados por feitiçaria, como por exemplo o caso da visitação ao Presídio de Benguela no século XVIII. Esta documentação é muito rica também em informação a respeito da população local.

Os processos foram identificados a partir das fichas encontradas na Base de Dados dos computadores do Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). Uma informação a considerar é , que nem todos os processos dos tribunais da Inquisição estão cadastrados na Base de Dados do ANTT. Portanto, poderão ocorrer alterações dos números aqui apresentados em pesquisas que considerem os processos ainda não cadastrados. Para se ter uma idéia do universo trabalhado, há em todos os tribunais da Inquisição portuguesa um total de 41.106 processos individuais introduzidos na Base de Dados do ANTT. Os dados aqui trabalhados, portanto, correspondem a uma pequena parte do total da documentação existente na Inquisição portuguesa.

 

Africanas na Inquisição

A presença das mulheres africanas na Inquisição corresponde um percentual pequeno se comparado com a presença dos homens africanos incluídos em casos de blasfêmia, bigamia e feitiçaria. A desproporção é maior frente ao percentual das não negras que passam pelos tribunais, principalmente no caso das condenadas ao degredo, cuja presença na Inquisição como um todo está acima dos 60% para os casos de bruxarias, magias, superstição em geral[4]. Dentre os 45 processos estudados encontrei 10 casos de mulheres negras. Para o feito de analise das diferentes trajetórias de escravas e livres, selecionei os nove processos de africanas residentes na cidade de Lisboa (ver Quadro), um por crime de blasfêmia e os restantes por feitiçaria. Quanto à condição social, sete eram escravas e três estavam entre forras e livres. Eram naturais de regiões distintas do Brasil, Angola e Portugal. Pretendo, por questão de economia de espaço, usarei três processos para ilustrar melhor as trajetórias dessas africanas: uma condenada por blasfêmia, uma usuária dos remédios de ‘inclinar a vontade’ e outra tida como uma perigosa feiticeira.

 

Casos Selecionados de Mulheres Negras processadas pela Inquisição ( 1637 – 1754)  

Nome

Idade

Naturalidade

Estatuto

Morada

Est. Civil

Crime

Ano

Sentença

Maria Marcelina

26

R. de Janeiro

Escrava

Lisboa

Solteira

Feitiçaria

1734

Absolvida

Dorotéia da Rosa

25

Alentejo

Escrava

Lisboa

Solteira

Feitiçaria

1754

Condenada

Maria de Jesus

28

Luanda

Livre

Lisboa

Solteira

Feitiçaria

1735

Condenada

Florinda de S. José

 

Angola

Escrava

Lisboa

Solteira

Feitiçaria

1736

Condenada

Joana Antônia

16

Angola

Escrava

Lisboa

Solteira

Feitiçaria

1749

Condenada

Luiza de Lara

27

Lisboa

Forra

Lisboa

Viúva

Feitiçaria

1703

Condenada

Grácia Luzia

30

Bahia

Escrava

Lisboa

Solteira

Blasfêmia

1736

Absolvida

Maria Ortega

33

Castela

Forra

Lisboa

Solteira

Feitiçaria

1637

Condenada

Catarina Inácia

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---------------

Escrava

Lisboa

----------

Feitiçaria

1702

Condenada

Fonte: ANT

No único caso de blasfêmia, dentre os 9 processos, como em muitas dessas situações, a escrava baiana usou a estratégia de apresentar-se ao Santo Oficio. Aparece num jogo de força entre senhor e escravo em que a Inquisição tem o papel de juízo final. Neste caso especifico Gracia Luzia se apresentou ao Santo Oficio dizendo que tinha blasfemado, atirando o rosário ao chão. A causa, como explicou, foi o fato da sua senhora não querer alforriá-la, apesar de ela já ter oferecido o dinheiro para isso.

A blasfêmia teve um lugar muito especial na Inquisição quando praticada pelos escravos. A Inquisição como instituição fundada para preservar a pureza da fé, por volta do século XVII acreditava que uma simples blasfêmia não merecia a abertura de um processo. Mas o fato importante era em diferenciar uma simples blasfêmia de uma blasfêmia herética[5]. Se o tribunal qualificasse o ato como uma grave heresia, podia exigir jurisdição para julgar o crime. Se o escravo tivesse sucesso na argumentação de que suas palavras não eram heréticas, recebia uma leve punição[6] e podia com isso deixar claro a crueldade de seus senhores. Mas a sua penalidade poderia ser pesadíssima, caso ficasse provado que suas palavras continham um desejo de rebelião, sendo assim uma ameaça para o mundo dos senhores. Mas Gracia Luzia valeu-se do recurso de apresentar-se à mesa sem estar denunciada. Declarou que foi, por ordem da Principal do convento da Anunciação, de quem era escrava, foi “amostrar-se a várias pessoas para ver se a queriam comprar” e nesta ocasião ela dizia que não a comprassem: dizia várias blasfêmias. Para evitar ser vendida para um marceneiro, blasfemara em excesso “por causa da grande paixão e ira com que estava, tão bem para que o dito marceneiro se intimidasse, e a não comprasse, e não porque interiormente arrenegasse a fé...” Desde algum tempo Gracia Luzia vinha usando dessa estratégia, ameaçando, através de cartas, a Principal do Convento, dizendo que se a vendessem “havia de arrenegar a Fé”. Sua confissão foi total, bem ao gosto dos inquisidores, reconheceu sua completa culpa. Gracia Luzia teve que cumprir penas espirituais e no final foi absolvida pelo tribunal.

Os casos restantes, de feitiçaria, na verdade designam situações diferentes, recobrindo historias com tramas de cumplicidades nas vidas domésticas nas casas onde viviam as escravas, envolvendo relações entre senhores/escravos, entre escravos/livres e entre os próprios escravos. No caso das negras forras e livres, elas são, no geral, denunciadas por vizinhos ou algum cliente insatisfeito com os resultados dos seus serviços. As africanas tanto são acusadas de serem feiticeiras como de usar produtos com poder de “inclinar a vontade”. No geral, cada processo de práticas de atos de feitiçaria tem um efeito cascata, uma enxurrada de nomes caiem nas teias da Inquisição, e aparecem sempre os nomes dos respectivos feiticeiros/as.

O caso mais notável de tentativa de conseguir uma vida melhor através dessas práticas é exemplificado pelo processo da escrava Marcelina. Esse processo espelha esse domínio da vontade, da interferência no querer e em orienta-lo para determinado fim. Mediadoras dos atos de feitiços, as feiticeiras, são quase sempre acusadas diretamente pela vizinhança. Enquanto Marcelina tenta todas as experiências para contornar sua desesperada situação através de consultas a vários feiticeiros/as, já Maria Ortega , feiticeira de renome em Lisboa, estava sempre ocupada em atender seus clientes e muitas das vezes conseguir os seus préstimos requeria entrar na fila de espera, aguardar que ela voltasse de suas muitas viagens de trabalho.

Um reconhecimento público por ser bruxa, feiticeira, ou de se entender com o diabo, podia resultar em severa punição pelo Santo Oficio, até mesmo a morte[7]. Algumas vezes poderia significar uma vida razoável com pagamentos do seus préstimos e um certo prestigio social. Maria Ortega parece ter vivido os dois lado da moeda. Tinha fama de feiticeira pela cidade de Lisboa e cobrava bem pelos seus serviços. Em 1637, foi denunciada ao tribunal por um de seus clientes, Bernardo Correa, cantor da Capela Real. Ele disse ter procurado Maria Ortega para conseguir o amor de uma certa mulher. Para este serviço ele ofereceu cinqüenta milhões. Maria Ortega exigiu certas condições para poder fazer o trabalhar: que ele na noite de São João fosse com um frade benzendo o caminho até a Capela e colocar algumas contas por baixo do altar. Outras testemunhas foram chamadas e confirmaram os atos de superstição, contando em detalhes as cerimônias que ocorriam na casa de Maria Ortega. Depois disto Maria Ortega amargou o cárcere e terminou por ser degredada para Angola.

Um dado comum a todos esses casos de feitiçaria : a certeza, ou necessidade de afirmar, frente à Inquisição, da visão e comunicação direta com o diabo. Era o chamado pacto com o diabo[8]. A concretização da figura do demônio é parte essencial dos relatos. Os inquisidores afirmavam que a ré tinha visto o demônio e sempre pedia a sua descrição. Obtendo com isso a construção de cenas dramáticas de aparições fantásticas, as acusadas, então, se dizem possuídas pelo demônio. A pedido dos inquisidores, Maria Ortega descreveu como era a figura do diabo : ‘homem de estatura baixa, de barba e de cor a lua e que os raios não deixavam que fosse noite’. Depois destes relatos os inquisidores sempre queriam saber o que foi dado em troca dos favores oferecido pelo diabo. Maria Ortega disse ter oferecido o dedo mindinho. Maria de Jesus ofereceu a virgindade. E Maria Marcelina não pagou os favores ao diabo, preferindo fugir.

 

Tramas de Ciúmes e Solidariedades

No Largo de São Roque, no Bairro Alto, em Lisboa, em 1734, morava o senhor João da Costa[9], casado com D. Feliciana e proprietário de vários escravos africanos para o seu serviço doméstico, além de outros empregados de origem moura. Um de seus escravos, Domingos, era conhecido como mandingueiro. Diziam que ele tinha pacto com o diabo e que João da Costa lhe tinha grande afeição. Apesar de D. Feliciana ter ódio de Domingos, ela nunca conseguiu que o marido vendesse o escravo mandingueiro. Trajetória diferente percorreu Maria Marcelina, também escrava de João da Costa, que, segundo ela conta, por ciúmes, sua senhora a tratava com muita ‘aspereza’.Com desespero Maria Marcelina buscou soluções. Uma criada da casa, uma moura, chamada Antônia, lhe disse que poderia dar-lhe remédios para ‘obrigar a vontade de alguém’. Assim lhe daria um remédio para que a sua senhora a tratasse bem. Que isso já tinha acontecido com uma amiga sua, também, moura, e que procedera da mesma forma. Passado alguns dias Antônia Moura lhe trouxe dois embrulhos em um pequeno papel, com pó de terra, de cravo e de mais coisas. Marcelina teria que, na mesma noite, diante de uma janela, fazer três cruzes e deitar com os papéis metidos entre as pernas e depois coloca-los no ‘refogo da saia’. Fez isso por uma noite, na hora recomendada. No outro dia, não achou que sua senhora estivesse mais branda. Pensou que talvez, por não ter tanta fé nestas coisas, como recomendava Antônia, não teve efeito. Uma outra tentativa, recomendada também por Antônia Moura, foi pegar as raspaduras das solas de sapatos da sua senhora e entregar a Antônia que dias depois as devolve em dois papéis com instruções que, em época de luar, Marcelina fizesse cruzes e colocasse aquilo no regalo da saia. Uma terceira tentativa, para ‘obrigar a vontade’ de sua senhora foi dormir com um ovo cozido entre as pernas e depois disso dar de comer o tal ovo à sua senhora. Mas nada disso teve efeito. Marcelina buscou remédios com outras amigas para ‘obrigar a vontade ‘de sua senhora. Uma delas, Catarina, era casada com Gonçalves sapateiro, moradora nesta cidade, que segundo Marcelina ‘anda em estado com Martinho’ e, para que o seu senhor e Gonçalves não impedisse e a separasse de Martinho, utilizou dos remédios de Antônia, para ‘obrigar a vontade’ de seu senhor e do marido. Mas a própria Catarina não achou efeito nos remédios de Antônia Moura. Catarina se tratava também com a mulata Felicia, casada com um soldado que trabalha na casa da Índia, tinha fama de uma grande feiticeira. A mesma Catarina tem um escravo, chamado Pedro, que ‘obriga as vontades’ e fazia com que Gonçalves “não a deixe nem veja outros homens que tem metidos em casa e para que seu marido lhe não possa dar nem sentir se dos muitos adultérios que lhe faz”. Diz Marcelina que pouco efeito consegue pela quantidade de feitiçarias de que usa...”. Outra amiga, Damasia queria um remédio para que o seu senhor a vendesse e com ela foi procurar uma amiga que ‘tinha arte para isso’, mas não encontraram o remédio que procuravam.

Apesar dessas e muitas outras tentativas a situação de Marcelina não melhorava. A mulher de seu senhor, João da Costa, continuou a lhe ‘dar má vida’. E a sua situação chegou mesmo a piorar. Com ciúmes do marido D. Feliciana fez com que ela fosse vendida ao senhor João Eufrazio[10]. Marcelina foi para casa desse novo senhor grávida, sem que este soubesse, com o tempo, ao saber de sua gravidez, começou a tratá-la com grande violência. A escrava queixa-se do fato de que o seu novo senhor não a deixava ir a missa e ‘com grande pesar ela aceitava essa escravidão, porque desejava ser vendida para os Brasis’[11]. Andava desesperada e ’arrenegada’. Foi mandada para outra casa até que o filho nascesse.

Em abril de 1734 ela retorna a casa do seu senhor Eufrazio. O tratamento continuou a ser cruel. Como é descrito por suas palavras ‘lhe tornou a vir o aborrecimento da escravidão naquela casa’. Depois de três semanas o seu senhor soube que ela ‘andava amancebada’ com um preto da casa e mandou despi-la atando-lhe as mãos. Foi levada por uns pretos e açoitada várias vezes. ‘O sensível’ para ela foi ver-se descomposta diante de seis ou sete homens sendo um deles o seu senhor e seu filho mais velho. O seu senhor procurava saber dela quantas vezes ‘tinha tido copula com o dito preto’. O preto com o qual andava amancebada foi açoitado juntamente com ela. Diante da promessa do seu senhor que voltaria a ser açoitada do mesmo jeito quando houvesse visitas, e como o seu trabalho ou serviço estava em dia, pensou em valer-se do demônio.

Marcelina procurou Domingos, preto escravo do seu ex-senhor, João da Costa Silva. Já ouvira falar que Domigos era muito bom mandingueiro. Disse-lhe Domingos que o diabo o favorecia que tinha grande amor de seu senhor e que, apesar de sua senhora a odiar e ter tentado que a vendesse, isso não acontecia[12].

Diante da perseguição de João Eufrazio e, desesperada pelo castigo, decidiu, com ajuda de Domingos, valer-se do demônio, ‘raivosa e com animo de ser feiticeira’, clamou pelo demônio. Quinze dias depois estava amaçando dois alqueires de pão de trigo e logo sentiu que estava sendo ajudava no amassar o pão. Como “andava debilitada e sangrando não poderia em meia hora ter amassado e levedado o pão, logo o estendeu e o levou para o forno”. Ela, vendo que o demônio amassou o tal pão, não quis comer dele. Ela estava considerando o que haveria de fazer, para assim com brevidade fazer o serviço da casa, quando ouviu uma voz estrondosa. Dizia que fosse no Campo Grande que lá iria aprender para que tudo ‘obrasse depressa’. Com grande medo e arrepio ficou ela olhando a imagem de Cristo na cruz. No mesmo dia do episódio do pão, resolveu ir ao Campo Grande a meia-noite. O encontro com o demônio foi envolto em um pé de vento, com muito tremor. Passou várias noites sem dormir com muito medo. Levou para cama a imagem de Cristo, abraçou-se com ela. A partir dessas devoções dorme com sossego, sem medo.

Na mesa do interrogatório Marcelina conta que tem dois filhos: Joaquina, de 4 anos, cujo pai é Domingos Gonçalves de Lagos, e José, de poucos meses, filho de um desembargador que foi para o Rio de Janeiro há pouco tempo. Declara-se uma cristã batizada no Rio, e crismada em Castela. Vai a missa e reza e que não sabe ler e escrever. Diante das muitas perguntas do inquisidor sobre como foi o diálogo com o diabo, foi categórica: confirma os favores, mas declara que ela fugiu do demônio. Confirma confissão anterior. Disse que se arrependia mas enquanto vivesse naquela casa não poderia ser uma boa cristã.

O processo de Marcelina é profundamente rico em dados sobre a vida e as possibilidades dos escravos e livres que trabalhavam nas casas dos brancos na Lisboa do século XVIII. Apesar de usar os feitiços, Marcelina não era uma feiticeira o seu crime maior foi o que os inquisidores chamam de pacto com o demônio. Por conta disso, ela foi interrogada várias vezes sobre como foi o seu encontro com o demo, pois só os possuídos chegavam a esse nível de heresia. Mas ela confessou rapidamente. 

 

Gênero e Vidas

Feitiçaria e blasfêmia foram práticas utilizadas por africanos com valores simbólicos e significados práticos distintos das ações entre os milhares de processos de mulheres brancas. O valor simbólico[13] nos atos dessas africanas obedecia à lógica de um cotidiano que estava sob uma regulamentação social que os tornam, à primeira vista, livres de sentidos. Entretanto, as suas ações ganham coerência quando lidas como relações paralelas as instituições da sociedade lisboeta na época.

Nesse relacionamento entre brancos e negros, algumas coisas estão patentes mas não são ditas pois, apesar de existirem, são ignoradas pelas regras sociais, a que estão submetidas, e estão impossibilitadas de acontecerem. Isso nos leva a uma incursão pelo campo do não normativo, dos poderes informais

Somente assim se pode entender, por exemplo, o longo processo de Marcelina, onde nada é dito sobre o porquê do ciúme de D. Feliciana. Em momento algum se questiona se a acusação da escrava é verdadeira ou não. Primeiro, não se colocaria em confronto uma senhora branca perante uma fala de uma preta escrava[14]. Segundo, seria inadmissível, pelas regras sociais vigentes, uma relação sexual e menos ainda o afeto entre um homem branco e rico e uma escrava. Terceiro, o adultério, apesar de ser uma prática relativamente tolerada dos homens, era inadmissível se cometido com uma escrava. Por último, para Inquisição o fundamental era saber se a ré, escrava ou livre, branca ou não, duvidou da fé. Por isso, nada é dito sobre as maiores queixas da escrava: os maltratos por parte da sua senhora e o cruel castigo do seu segundo senhor. No processo da escrava foi analisada, através de intensos interrogatórios as relações dela com Deus, e não com os homens. E uma contradição constante nas relações escravistas: ela é humana por ter uma alma que cometeu pecados, mas é considerada coisa no seu relacionamento com homens e mulheres. A evidência maior dos processos dessas escravas está justamente no fracasso por parte dos escravistas em tentar desumanizar suas vítimas.

Na escuta da história de Marcelina, ela diz que a senhora conseguiu convencer o marido a vende-la. Mas se atentarmos para algumas informações dadas por ela, na mesa dos interrogatórios, veremos que disse que tem um filho de meses e que o pai é um Desembargador que foi para o Rio de Janeiro há pouco tempo. Era desse filho que ela estava grávida de dois meses quando chegou a casa do seu novo senhor[15]. Como disse, ‘vendedor e comprador’ não sabiam da sua gravidez. Como o novo senhor não gostou que ela estivesse grávida; e nem que ela ‘andasse com o preto da casa’, o antigo senhor também não deve ter gostado do envolvimento do Desembargador com sua escrava. Pelo que sugerem as palavras de Marcelina os senhores exigiam exclusividade na relação com ela. Uma hipótese pode ser levantada, a partir dessa leitura de entre linhas: Marcelina provavelmente não foi vendida somente por pressão de D. Feliciana, mas por ‘ter estado’ com o Desembargador do qual teve o filho José’

Os homens que gravitavam em torno de Marcelina são os senhores brancos e alguns pretos da casa, mas ela parecia ter um espaço em que esboçava movimentos de escolhas de seus homens. Da segunda vez, Marcelina, com o seu novo senhor, reclamava do sofrimento que aquela escravidão lhe trazia, e a origem de tal sofrimento não vinha da figura de uma malvada senhora branca com ciúmes ( ‘que lhe dá má vida’), mas de um senhor enfurecido pelo fato dela amancebar-se com um dos escravos. Portanto, é justo pensar que Marcelina tinha uma margem de manobra, ou pelo menos, tentou em muitas oportunidades escolher os seus parceiros sexuais. E quando a vida ficava muito complicada ela procurava recursos no campo dos saberes mágicos.

Assim, vemos uma escrava como Marcelina demostrar ser uma grande conhecedora dos locais de cerimônias mágicas da cidade de Lisboa[16], cita no seu depoimento as redes de amigas que usavam os remédios de ‘obrigar a vontade’ e os muitos feiticeiros que costumava freqüentar. Sua amiga Catarina Inácia, por exemplo, citada fartamente no seu processo, depois disso, responderá a um longo processo por feitiçaria.

Suas amigas, como ela, estão à busca de remédios mais eficazes. A questão de raça e classe impõe-se aos escravos que enfrentam os seus senhores com meios cada vez mais eficientes para manipularem os desejos e vontades. A questão de gênero, entrelaçada com as relações escravistas, desenlaça-se no confronto sutil entre Marcelina e D. Feliciana, ambas dependentes da vontade do senhor João da Costa.

O fato do escravo Domingos não ser vendido é atribuído ao seu poder de mandingueiro, mas Marcelina utilizou todos os feitiços e não escapou da ira da sua senhora, acabando por ser vendida. Domingos e Marcelina eram poderosos inimigos de D. Feliciana, disputando no mesmo espaço doméstico o afeto do Senhor João da Costa. Marcelina rivalizava-se em um campo muito especial com a senhora branca. D. Feliciana que, apesar de seu nome, seria tudo menos feliz enquanto Marcelina estivesse em sua casa.

Tanto Gracia Luzia como Marcelina deixaram claro que a culpa pelos os seus crimes (blasfêmia e práticas supersticiosas) foi de seus senhores. Era impossível serem boas cristãs nesse situação!

Já o processo de Maria Ortega, uma mulata livre, espelha um estatuto alcançado por uma ex-escrava : foi a única que pagou as custas do processo. Isso Indica que tinha bens e certa situação financeira numa sociedade em que as mulheres negras eram sempre de pobres a miseráveis O lugar de feiticeira era um espaço para as mulheres, elas eram em geral solteiras, isoladas e com algum defeito físico, de preferência [17], são as que ajudam a seduzir as vontades mas não são as sedutoras.

 

BIBLIOGRAFIA

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Braga, Maria Luís. A Inquisição em Portugal. ( Primeira metade do século XVIII). Lisboa, Instituto Nacional de Investigação Científica.

Hespanha, António Manuel. O antigo regime. (coord.) António Manuel Hespanha. História de Portugal.(dir.) José Mattoso. Lisboa, Estampa, vol. 4, 1993.

Macknight, Kathryn. Blasphemia as Resistance. An African Slave Women before the Mexican Inquisition. Mary E. Giles (org.) Women in the Inquisition. Spain and the New World. London, Johns Hopkins University Express, 1998. Pp. 229-253.

Mea, Elvira Azevedo. Mulheres nas teias da Expansão. O Rosto Feminino da Expansão Portuguesa. Lisboa, CPIPDMP , 1994,pp. 65 -75.

Paiva, José Pedro. Bruxaria e Superstição Num País Sem “caça às bruxas”. Lisboa, Notícias, 1997.

Pieroni, Geraldo. No Purgatório mas o olhar no Paraíso: o degredo inquisitorial para o Brasil-Colônia. Brasília, Revista Textos de História, Vol. 6, n.1-2, 1998, 1999.

Pintos, Aníbal Barros. Historias privadas de la esclavitud: un proceso criminal en tiempo de de la Cisplatina. J. Barrán, G. Caetano e T. Porzecanski. (Orgs.) Historias de la vida privada en el Uruguay. Taurus, 1996. Pp.173-195.

Santana, Francisco. Bruxas e Curandeiros na Lisboa Joanina. Lisboa, Academia Portuguesa de História, 1997.

Santana, Francisco. Processos de escravos e forros na Inquisição de Lisboa. Ler História. No. 13, 1988.pp. 15-31.

 

[1] Mestre em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo. Professora Adjunta do Departamento de História da Universidade de Brasília. Principais publicações: Nzinga Mbandi: mulher, guerra e escravidão. Brasília, Thesaurus, 2000 e co-organizadora de Angola e Brasil nas Rotas do Atlântico Sul. Rio de Janeiro . Bertrand, 1999.

[2] Segundo informação das fichas na Base de Dados do ANTT: o número de casos de escravos seria de um total de 52 processos, com a seguinte distribuição; 23 para Inquisição de Lisboa, 24 Inquisição de Évora e 5 Inquisição de Coimbra. Apenas lembrando que as fichas muitas das vezes trazem o item escravo tratando-se dos escravos ‘mouros’. Apenas 45 processos estão identificados como escravos africanos ( ou pretos).

[3] Conferir em “Escravos Degredados” (Comunicação apresentada em IV Seminário Escravidão e Resistência Escrava, novembro, 1998, Salvador, Bahia) onde analiso uma lista de 106 nomes com dados de escravos e forros/livres para o século XVIII, todos degredados de Portugal e do Brasil para Angola com base em documentação dos códices do Arquivo Municipal de Luanda. Neste presente texto estou considerando, somente, os dados do Arquivo Nacional da Torre do Tombo.

[4] Confira no trabalho de José Pedro Paiva os números : Bruxaria e Superstição num país sem “caça às bruxas”. 1997,p. 161-164. Um outro estudo constata que de todos os tribunais inquisitoriais 58% dos condenados ao degredo para o Brasil foram mulheres ( Pieroni, 1999, p. 39).

[5] Para a Inquisição Espanhola , na sua atuação na área colonial, os conflitos em torno da definição da ofensa pronunciada suscitaram uma agitada discussão. A Inquisição , neste caso, permitiu uma flexibilidade no uso da blasfêmia. (Mcknight, 1998,p. 232)

[6] Leve punição era relativo, poderia significar o uso de mordaça nos autos-públicos.

[7] Segundo Paiva (1997, p. 219), a maioria dos condenados sofreram penas de degredos e prisão e que o percentual dos condenados à morte foi baixo ( 0,6%) mesmo considerando a proporção dos que morreriam na prisão a espera dos processos. Dos condenados a morte por praticas

[8] As mulheres perseguidas por superstições, apostasia eram de origem social humilde, apenas uma dentre elas sabia escrever. Segundo José Pedro Paiva ( 1997,p.149151) a ideologia do pacto com o diabo, traço de uma ortodoxia , chegou às populações pelas camadas letradas , como o párocos, missionários, e inquisidores.

[9] João da Costa Silva era criado do Sr. Infante, D. Francisco I, irmão do rei de Portugal, D. João V.

[10] João Eufrazio de Figueiredo era escrivão da Casa da Índia

[11] Segundo declaração de Marcelina Maria: “ e vinha prenhe de dois meses, sem que soubesse o vendedor e comprador e quando se conheceu a sua prenhez seu senhor se enfadou e a não deixava ir a missa e com grande violência aceitou ela esta escravidão.”

[12] “tinha ouvido a um preto chamado domingos, solteiro, escravo do dito João da Costa e Silva que ele tinha mandinga e tinha sido mandingueiro. E que falava como diabo em Vall de Cavalinhos que o mesmo lhe disse por ocasião de ela lhe conta o que tinha passado com a Moura Antônia e lhe dizia o dito preto que o demônio o favorecia e o ajudava muito e lhe alcançava grande amor de seu senhor. E com efeito via ela que o dito João da Costa se não pode tirar ao dito preto, e lhe disse com grande inclinação e a mulher lhe tem ódio grande e lhe faz instâncias para que o venda, mas ela senão pode tirar do preto.”

[13] O significado da simbologia dos rituais mágicos aqui descritos não será , neste espaço, matéria de interpretação visto que sairia do objetivo maior do texto. Deixo para outra oportunidade as analises do s ditos rituais e os seus significados implícitos.

[14] Ver por exemplo, o julgamento de duas escravas que assassinaram sua senhora em 1821, Montevidéu , causando grande impacto na sociedade, da então, Província Cisplatina. Apesar das descrições de profunda crueldade que foram vitimas as escravas, o júri não admitiu qualquer abrandamento da pena, justificando ser o homicídio de uma mulher branca. As escravas foram enforcadas e desde então a forca no dizer popular passou se chamar Mariquita, o nome de uma das escravas enforcadas. ( Pinto, 1997, p.173-195).

[15] Considerando que Marcelina se apresentou a Inquisição em agosto de 1734 e disse que tudo que contava sobre a casa do seu primeiro senhor , João da Costa, tinha acontecido por volta de um ano atras. Em abril de 1734, ela estava na casado segundo senhor, foi mandada para outra casa até nascer o seu filho.

[16] Marcelina cita o mandingueiro Domingos que “falava com o diabo em Val de Cavalinhos’ e que sempre ia nos encontros que lá aconteciam. “Na região de Lisboa e Sul do Tejo aparecem freqüentes referências a Vale de Cavalinhos, que já era apontado como local de reuniões diabólicas o século XVI” Paiva, 1997, p155, citando Francisco Bethencourt O Imaginário da magia. Feiticeiras, saludadores e nigromantes no século XVI, Lisboa, Projeto Universidade Aberta, 1987. p. 167.

[17] “ Bernardo Correa, cantor da Capela Real,( relata aos inquisidores sobre Maria Ortega) soube que nesta cidade existia uma mulata que usava ferrete na testa e coxa e que a dita mulata era feiticeira”.