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Grupo de Trabalho 3
Género, Raça e Classe - A Feminização da Pobreza: A Estratificação do Sector Informal Urbano de Luanda

Henda Ducados[1]

O argumento principal deste artigo sugere que a sobrevivência das mulheres no sector informal urbano nos países em desenvolvimento é influenciado pela raça, género e formação de classe. Esta discussão tem como base o sector informal urbano de Luanda. A primeira secção oferece uma visão geral sobre o género, raça e classe na literatura do Desenvolvimento. A segunda parte discute a posição da mulher no sector informal urbano em países em vias de desenvolvimento. A terceira parte resume as questões de género em Angola. A quarta parte apresenta um estudo de caso realizado sobre o sector urbano informal de Luanda e serve de sustentação ao argumento principal deste artigo bem como pretende gerar uma discussão sobre as causas e consequências da estratificação do sector informal urbano de Luanda.

 

A Trilogia da Opressão Sobre a Mulher do Terceiro Mundo

A literatura sobre o desenvolvimento começou a prestar atenção ao estudo da mulher e da classe social no Terceiro Mundo apenas a partir dos anos 1970. De facto, devemos esse trabalho a essa Década Internacional das Nações Unidas Sobre a Mulher, que fez com que dirigentes e cientistas sociais começassem, a prestar maior atenção a tripla opressão da mulher; isto e, opressão baseada no género, classe e raça. Apesar de questões relacionadas com a raça e opressão terem sido debatidas no período anterior a independência dos países do Terceiro Mundo, a posição da mulher raramente foi mencionada, nesses estudos. Pelo contrario, a exploração racial e opressão durante o período colonial colocou a mulher numa situação de subordinação tripla em função do género, classe e raça. Por exemplo no caso da mulher Nigeriana, Afonja (199:203) argumenta que o comercio pré colonial com a Europa e a produção de bens para exportação ajudou a aumentar o controlo do homem sobre os principais recursos na sociedade Yoruba. Afonja (199) apresenta o caso da Cristianização e instalação de novas instituições capitalistas para demonstrar que o poder colonial consolidou a discriminação racial e diferenciação social.

De acordo com Lindsay, é comum à exploração colonial em África (1980:13) o facto de que ‘nas suas formas e relações de dependência, o colonialismo teve efeitos adversos no estatuto social, sócio político e educacional das mulheres do Terceiro Mundo.

Lindsay (1980:14) define:

“Igualdade é uma situação onde todos os membros de uma sociedade tem a mesma relação para com os recursos da sociedade. Simetria refere-se á situação em que os homens e as mulheres tem acesso a semelhantes funções e estatutos. Desigualdade ocorre quando os recursos da sociedade são apropriados por um certo estrato social como propriedade privada, o que limita o acesso aos recursos a outros estratos. Nas relações assimétricas, o acesso aos mesmos meios de produção pode ser igual, mas homens e mulheres poderão não ter acesso as mesmas funções e estatutos”.

 Assim, por causa dos preconceitos raciais, o poder colonial aumentou e solidificou a diferenciação de classe que coloca a mulher numa posição de subordinação em relação ao homem, pois a mulher sofreu grandes desigualdades no acesso e controle de recursos.

Recursos eram acessíveis aos poucos escolhidos pelos colonizadores. Tais recursos incluíam recursos não materiais, tais como a educação. A diferenciação de classe preparou o caminho para a criação de elites que em alguns casos, tomaram o poder depois da descolonizado.

Estudos sobre a exploração racial não são os únicos que primaram pela falta de sensibilidade em relação ao género. Deste modo estudos sobre a classe e estratificação apresentam a mesma omissão. Académicos Marxistas debruçando-se sobre classe focam a sua atenção nas diferenças entre grupos sociais sem posicionarem a mulher nessas classes sociais. Ainda, de acordo com Afonja (199:203), está claro que o homem e a mulher na mesma classe social são expostos a diferentes tipos de oportunidades, são sujeitos a diferentes tipos de vida, e a que tenham aspirações diferentes.

Isto sugere que ha pouca atenção dada a mulheres nos primeiros debates Marxistas sobre a classe e estratificação, de acordo com Robertson (1986:3) os debates Marxistas subentenderam a posição da mulher como indivíduo no estatuto de classe do homem.

Foi a teoria feminista que incluiu o género na analise de classe. De acordo com Chow et Al (1996:xiii), críticos da escola feminista ofereceram desafios intelectuais para a reavaliação da saliência e influencia da raça e classe, bem como do género em todas as esferas da vida social. Acker (citado em Robertson e Berger, 1996:3) sublinha três perspectivas predominantes no estudo da relação entre o género e classe:

“A primeira vê o género e a estratificação das classes como um fenómeno distinto que deveria ser analisado separadamente; a segunda tenta integrar as mulheres nas teorias existentes sem mudanças substanciais em tais teorias; enquanto que a terceira assume que para uma compreensão completa da desigualdade no género é necessário uma reformulação do pensamento sobre a classe”.

 

Ao reconhecer que a perspectiva feminista baseia a sua analise sobre o género no estudo da formação da classe, a terceira perspectiva oferece uma melhor e completa compreensão da desigualdade de género.

Uma vez que este artigo procura focar a posição da mulher no sector informal, tentarei identificar as características comuns da desigualdade do género no sector informal nos países em desenvolvimento. A questão principal que procurarei responder é como a interrelação da classe e do género se manifesta na vida diária das mulheres operando no sector informal urbano.

 

A Posição da Mulher no Sector Informal

Os mercados laborais informais em diversas regiões do Mundo em Desenvolvimento estão fortemente fragmentados e diferenciados em função do género numa variedade de formas, na medida em que aparecem compostos de vários tipos distintos de oportunidades. Por exemplo, as actividades das mulheres encontram-se frequentemente em sub-sectores específicos tais como a preparação da alimentação, pequena produção, comercio de rua ou trabalho subcontratado (ver Moser, 1978).

Bromley (1978:1162) no seu estudo em Cali, mostrou que comerciantes do sexo masculino tendem a possuir operações mais largas assim como a lidar mais com mercadorias que não estão ligadas  alimentação, enquanto que as mulheres tendem a possuir operações menores ligadas ao sector alimentar.

As actividades dos homens em comparação as actividades das mulheres tendem a ser distribuídas dum modo igual através dos vários sub-sectores. O estudo de Scott (1990:110) sobre o sector informal em Lima, revelou que os homens são a maioria no sector e que dominam todas as categorias de emprego no sector informal, excepto o trabalho domestico.

A tabela a seguir mostra a segmentação por género no sector informal de varias regiões do Mundo em Desenvolvimento.

 

Tabela 1: Percentagem da forca laboral entre homens e mulheres no sector informal em certos Países em Desenvolvimento.

Setor

Continentes

Manufactura

Transporte

Serviços

Total

África

H

M

H

M

H

M

H

M

Burundi (1990)

31

60

13

0

17

21

21

32

Congo (1984)

39

43

11

0

21

60

25

57

Egipto (1986)

22

5

31

0

18

3

21

3

Gâmbia (1983)

38

100

13

0

23

60

25

62

Mali (1990)

63

35

50

0

39

33

45

34

Zâmbia (1986)

31

81

8

0

31

71

29

72

A. Latina / Caribe

 

 

 

 

 

 

 

 

Brasil (1990)

14

5

24

2

23

24

19

21

Costa Rica (1984)

14

13

11

0

7

22

8

19

Honduras (1990)

15

52

29

0

26

29

21

34

Jamaica (1988)

21

11

29

0

27

32

25

28

México (1992)

8

11

21

2

30

16

22

15

Uruguai (1985)

15

20

12

0

19

14

17

15

Venezuela (1992)

13

30

50

10

25

20

23

21

Ásia & O Pacifico

 

 

 

 

 

 

 

 

Indonésia (1985)

28

57

44

20

47

68

41

65

Iraque (1987)

15

13

34

0

7

4

5

11

Coréia (1989)

24

21

36

40

78

52

48

41

Malásia (1986)

9

22

22

5

21

26

17

24

Qatar (1986)

0

0

0

0

1

0

1

0

Síria (1991)

21

18

39

0

91

4

61

7

Tailândia (1990)

8

14

43

14

11

30

12

24

Fidji (1986)

15

20

25

0

13

9

15

10

Fonte: citado em Chant 1999

 A tabela acima mostra claramente que as actividades das mulheres no sector informal é diferente das dos homens em varias maneiras. As mulheres estão geralmente concentradas em sectores que requerem menos capital e formação. O exemplo mais evidente que se pode observar em todas as regiões e a pouca ou nada existência da presença de mulheres no sector de transporte, em comparação com os homens.

Chant (1999:516) argumenta que à diferença de rendimentos entre os homens e as mulheres no sector informal são normalmente devido ao facto que as mulheres tem uma falta de capital inicial, pouca formação adquirida e pouca experiência de trabalho profissional.

Apesar das diferenças de rendimento das mulheres no sector informal serem um factor que mantém as mulheres no sector mais baixo do mercado, não é possível generalizar este fenómeno uma vez que não é um factor comum encontrado nas diversas regiões dos Países em Desenvolvimento. Por exemplo, estudos sobre o sector informal a partir de uma perspectiva de género (ver Tripp 1997 sobre a Tanzânia, Weeks-Vagliani 1992 sobre a Costa do Marfim) revelam alto nível de diferenciação nos rendimentos no sector informal a favor da mulher. No estudo da Costa do Marfim de Baden (1997:42), um terço das mulheres contra um quarto dos homens no sector informal de Abidjan pertenciam a grupos de rendimento alto. Na Tanzânia, Baden (1997:42) mostrou que algumas mulheres, usando capital emprestado dos seus maridos, ou outros familiares, ou com a ajuda dos grupos informais de poupanças, tinham estabelecido grandes negócios, com rendimentos consideravelmente maiores do que os disponíveis no sector formal do emprego. O exemplo das mulheres comerciantes na África Ocidental (Mamás Benz) são frequentemente citados em estudos sobre o nível micro, sugerindo que tais grupos de mulheres encontram-se numa posição económica favorável.

Baixo nível educacional e baixo nível de formação são geralmente apontados como os factores requeridos para a entrada de mulheres no sector informal. Scott (1990:124) revelou que no caso de Lima, o facto de os homens possuírem mais educação e formação que as mulheres: os homens tinham acesso a ocupações que facilitavam a aquisição de formação, acumulação de poupança e movimento entre os sectores informal e formal, resultando em eles terem uma posição mais poderosa no mercado do trabalho.

Factores culturais que exacerbam os constrangimentos da mulher no sector informal variam em todas as regiões. Contudo, no geral, pode-se afirmar que as mulheres sofrem de uma serie de impedimentos tais como constrangimento na mobilidade e estigma na comunidade no processo de acumulação de capital no sector informal. Scott (1990:126) apontou que no caso de Lima a família desempenha um papel fundamental no processo de segregação do género no sector.

O balanço do papel duplo da mulher, entre a reprodutividade e actividades reprodutivas e geralmente visto como afectando o grupo de mulheres com rendimentos mais baixos ou aquelas que não podem alugar trabalho a fim de evitar actividades que não são uma extensão das domesticas. Standing (1992:71) afirma que e igualmente importante desagregar a mulher em termos de classe, estilo de vida, estatuto marital a fim de poder-se examinar como e que as mudanças no mercado de trabalho poderão afectar diferentes grupos de mulher.

A ilustração com o caso do sector informal urbano de Luanda demonstrara que as variáveis de género e classe formam em diferentes formas de desigualdade que a mulher enfrenta no sector e determinam em varias formas a sua sobrevivência.

 

A Questão do Género em Angola

A guerra afectou Angola em quase todas as formas, com efeitos catastróficos nas condições económicas e sociais. Existem aproximadamente 280,000 refugiados nos países vizinhos (UNDP, 1997). Existem actualmente 1,550,000 deslocados internos (IDPs) em Angola (950,000) desde Dezembro de 1988 (UCAH, 1998). A maior parte dos deslocados são mulheres e crianças. É estimado que 10 milhões de minas estão plantadas no solo angolano. A dimensão da crise em relação as minas é imensa uma vez que as minas constituem um elevado peso sobre a população civil.

Existem cerca de 70,000 amputados em Angola (UNDP 1998). Mulheres e crianças tem sido as maiores vitimas de acidentes com minas. As minas inibem a produção agrícola e impedem o comercio bem como a comunicação entre as áreas urbanas e rurais.

Existem muito poucas oportunidades para as mulheres contribuírem no processo de desenvolvimento. Apesar de existir um grande numero de mulheres em posições de tomada de decisão a nível nacional, muitas mulheres não tem acesso ou participação nos governos locais em resultado de factores como a representação das mulheres na hierarquia dos partidos políticos. As mulheres sofrem da falta de formação e educação formal para competir no mercado de trabalho; a maior parte esta envolvida em pequenos negócios, no sector informal, muitas vezes em precárias condições. Mudanças drásticas estão tomar lugar ao nível da estrutura familiar e nas relações de casamento, i.e. a ausência do homem aumentou o numero de famílias em que as mulheres estão à cabeça da família, forcando as mulheres a desempenharem responsabilidades e funções adicionais para apoiarem as suas famílias.

Angola encontra-se entre 11 países que possuem o maior número de mortalidade infantil, que de acordo com o UNICEF, se encontra perto dos 40% (UNDP, 1998). A falta de acesso a agua potável é considerada pelo UNICEF como um dos problemas mais agravantes da situação geral de saúde. 32 % da população tem acesso a agua potável enquanto que apenas 16% tem acesso a serviços sanitários (UCAH, 1998).

Mesmo os serviços mais básicos de saúde não estão disponíveis em muitas áreas do pais, deixando as mulheres e crianças na mais vulnerável situação. Angola assistiu a um crescimento proporcional de prevalência de HIV/SIDA entre 1994 e 1997, de mais de 100% (UNDP, 1997). O Angola Gender Country Profile revelou que factores de risco, tais como promiscuidade e prostituição estão presentemente agravados pelo movimento de tropas pelo pais e concentração de deslocados em Luanda e ao redor das capitais provinciais, onde a população vive em extrema pobreza (Pehrsson et al 1999:13). Isto sem contar com a prostituição devido a pobreza e a migração rural urbana que não ajuda a reduzir a propagação do vírus ou outras DTSs. Presentemente, os serviços sociais em Angola são o que tem levado mais a recuperar dos 30 anos de guerra e negligencia do governo.

O nível de analfabetismo em Angola é aproximadamente 75% enquanto que 25% dos cidadãos analfabetos são homens e 75% são mulheres. A taxa de inscrição na educação primaria e de 35% tendo declinado para 7% no nível secundário e 3% no nível pós secundário e 0.1% no nível universitário. Enquanto o Governo Angolano atribuiu 69% do orçamento governamental de 1999 para os sectores militar e de serviços da divida externa , o Ministério da Educação e Cultura recebeu 7%, apesar do actual orçamento de desembolso em Angola ser de aproximadamente 60% da sua actual atribuição .

A educação das mulheres jovens em Angola é um problema agudo que se vê traduzido nas oportunidades reduzidas para as mulheres em participar e contribuir no processo de desenvolvimento. O impacto económico da desigualdade da mulher na educação reflecte-se na composição e tipos de actividade na forca de trabalho nos quais a mulher esta inserida; o baixo nível de educação resulta na pouca qualidade de trabalho, o que traz baixa remuneração. Apesar do governo Angolano ter assinado a Plataforma de Acção de Beijing, e a Resolução sobre os Direitos da Criança, não existem ainda programas com o fim para a eliminação da discriminação do género na educação.

Estudos sobre a situação da mulher e das crianças entre os deslocados são áreas em que há pouca investigação. Contudo a evidencia empírica mostra que estes elementos são normalmente muito vulneráveis e são vitimas de perseguição sexual. As mulheres jovens são muitas vezes obrigadas a envolverem-se em prostituição a fim de escaparem a pobreza. A distribuição de apoio humanitário muitas vezes beneficia aos homens chefes de família em detrimento das famílias chefiadas por mulheres.

A política e acção do Governo Angolano pouco tem feito para eliminar alguns dos principais impedimentos para alcançar uma maior igualdade do género. Por exemplo, o Ministério da Promoção da Mulher e da Família, não tem sido recebido financiamento suficiente para alem do facto que se encontra inadequadamente equipado e fortalecido em termos de quadros técnicos.

A questão de género não tem tido a prioridade que merecem e esforços não tem o feitos no sentido de resolver os problemas mais proeminentes, tais como o impacto do conflito, questões do trauma psicológico da violação sexual e outros abusos relacionados com o conflito.

 

O Sector Informal Urbano em Angola

As mudanças estruturais da economia Angolana, afectada por anos e anos de conflitos forçaram um elevado número de pessoas a procurar actividades de sobrevivência no sector informal urbano. As actividades do sector informal não se encontram apenas no meio urbano, mas estendem-se igualmente ás zonas rurais, embora em menor escala. Apesar do sector informal em Angola não ser um fenómeno novo, uma vez que o mesmo já existia numa escala menor durante o tempo colonial, a sua evolução nesses últimos anos tem tido um grande significado económico e social.

As actividades do sector informal urbano podem ser encontrados em todos os sectores da economia incluindo transporte, comunicação, intermediários financeiros, construção civil, industria, nomeadamente nas micro e médias actividades industriais (confecção de vestuário, industria alimentar ou industria de mobilaria), actividades comerciais a retalho ou a grosso ou ainda agricultura. Os seus agentes incluem sapateiros, vendedores ambulantes, mulheres dos mercados, agentes de câmbio, restauradores, táxis e mecânicos, sendo constituído na sua maioria por mulheres, grupos de jovens desempregados e menores, deslocados de guerra, soldados desmobilizados e trabalhadores do sector público.

Existem poucos estudos e dados actualizados sobre o sector informal em geral e, menos ainda, acerca do seu impacto social e económico nos agentes que o sustentam. Contudo, em Angola, o sector informal e mais particularmente o sector informal urbano, não pode continuar a ser ignorado pelo governo e dirigentes pois ele é hoje em dia um refúgio e um recurso para criar oportunidades de empregos e provisão de serviços para a maioria do povo. Este sector abrange cerca de 50% da força de trabalho urbano (INE, 1996).

O sector público é o maior empregador, mas oferece poucas vantagens devido ao declínio dos salários reais e do poder de compra causado pela hiper inflação. O sector formal é predominantemente formado por homens (67%) enquanto que o sector informal é predominantemente formado por mulheres (63%) (ver Adauta, 1998).

O Desemprego é um forte indicador dos desequilíbrios do mercado de trabalho e o seu nível, mostra a diferença entre a oferta e a procura. A população feminina corresponde a ‘48.6% do grosso, concentrando-se principalmente no sector informal, com 63.5% dos empregos (ver Adauta, 1998). A taxa bruta do desemprego está estimado em 32.3%, 4% mais alto no sector informal comparado com o sector formal. O nível de desemprego entre as mulheres é de 35.6%, 7% mais alto que entre homens (ver Adauta, 1998).

Existe uma forte segregação ocupacional no sector informal urbano. As mulheres tendem a associar-se a uma escala de actividades económicas mais reduzida, cerca de 83.% estão envolvidas principalmente em pequenas transações do sector comercial, enquanto que os homens encontram-se mais em pequena escala de manufacturação que requer mais capital financeiro (ver Adauta, 1998).

Aqueles que dentro do sector informal estão em actividades da indústria alimentar, transporte e outras indústrias têm um maior rendimento em relação aos outros (ver Stenman, 1995). A não integração da mulher nos restantes sectores da economia como sejam as área de transportes, construção civil e indústria é determinada pelo baixo nível de escolaridade e qualificações profissionais inadequadas ou de baixa qualidade e está aliada á ausência ou baixo capital inicial e ao reduzido acesso ao crédito (ver Ceita, 1999).

O fenómeno social do sector informal urbano em Angola revela a existência duma diversidade de tipos de categorias sociais entre os agentes e os grupos nele envolvidos. Daí a necessidade de distinguir as categorias sociais envolvidas nos diferentes tipos de actividades, as suas faixas etárias, sexo, classe, e principalmente as motivações que teriam condicionado esta opção.

A maioria das mulheres que trabalham no sector informal têm assistido as actividades comerciais anteriormente lucrativas tornarem-se na única forma de economia de sobrevivência (ver Development Workshop, 1997) . O mercado não é uma fonte de lucro, mas um lugar de batalha pela sobrevivência diária (ver Development Workshop, 1997). As mulheres do sector informal enfrentam sérios constrangimentos que realmente diferem daqueles que os homens enfrentam para levar a cabo as suas actividades. Os factores acima mencionados baseiam-se na segmentação dos tipos de actividades que realizam devido ao baixo nível de educação, habilidades e acesso a recursos comparados com os seus parceiros masculinos (ver Oscal, 1996).

A composição dos lares e os factores de vida também influenciam fortemente a participação no sector informal. Há uma visível estratificação no sector entre grupos de mulheres grossistas e retalhistas. As grossistas tendem a ter fortes ligações com o sector formal e algumas beneficiam de crédito deste último. Enquanto que as retalhistas frequentemente trabalham em condições precárias, lutando unicamente pela sobrevivência tendo baixo capital social em relação as mulheres grossistas.

Apesar de que a maioria das mulheres não tem sido capaz de acumular capital ou poupar devido à constante desvalorização do Kwanza, algumas inseriram-se em grupos rotativos de poupança, vulgarmente conhecido por “kixiquila”. Estes esquemas têm sido muito bem sucedidos em alguns casos, funcionando como protecção ou prevenção contra a pobreza absoluta. A sustentabilidade desses grupos é mais visível entre mulheres mais velhas do que entre homens, devido à dedicação destas e aos fortes laços de solidariedade.

 

O Estudo de Caso

O caso em estudo a seguir baseia-se num projecto de desenvolvimento, por mim coordenado entre 1995 e 1998 na área peri-urbana de Luanda. O projecto foi implementado por uma organização internacional não governamental Development Workshop e destinava-se a melhorar as condições de trabalho das mulheres no sub-sector da comercialização do peixe no mercado Roque Santeiro.

Existe uma grande diversidade de mulheres operando no sub-sector da comercialização do peixe. As mulheres neste sector não constituem uma categoria monolítica. Contudo, o sucesso das suas actividades económicas dependem extremamente da cooperação entre elas.

 

As Nzungas

As Nzungas estão no fim da cadeia de agentes económicos. Nzungas é um nome Kimbundu que define ‘o que gira’. As Nzungas são vendedoras ambulantes e são maioritariamente mulheres. No passado, as Nzungas estavam envolvidas no comércio do peixe, hoje em dia essas mulheres comercializam quase tudo o que o seu capital lhes permite por exemplo, cuecas, vegetais ou lenha. Elas são maioritariamente analfabetas e geralmente não são originarias de Luanda. As suas actividades diárias consistem em caminhar á volta do mercado ou nas estradas ou ainda vender de porta em porta os seus produtos em cestos a procura de clientes. As que vendem peixe, normalmente vendem o peixe capturado por seus maridos ou então trabalham para revendedores.

O seu capital social é quase inexistente. O sector informal é o seu único meio de sobrevivência e subsistência em que operam sem conhecerem a sua regulação (i.e. cartões de identificação são disponíveis para os comerciantes ambulantes). As Nzungas que não conseguem vender os seus produtos passam a noite normalmente no mercado sob caixas de cartão no caso de não poderem pagar o transporte para o regresso a casa. Essas mulheres fazem parte da classe das mais pobres, classe maioritariamente constituída por deslocadas internas. Essas mulheres não são uma prioridade nas políticas de desenvolvimento do governo. As Nzungas não são apenas esquecidas pelas políticas do governo, mas também pela maioria da população que as vêem com desprezo pelo facto de serem extremamente pobres e em alguns casos não saudáveis.

Dados os constrangimentos apresentados acima, as Nzungas não possuem poder de negociação e estão num estado constante de vulnerabilidade, em relação ao abuso tanto da polícia como dos ladrões.

 

As Mulheres Retalhistas

As mulheres retalhistas encontram-se também no fim da cadeia económica mas estão em melhor posição em comparação com as Nzungas. A maior parte das retalhistas alugam bancadas no mercado, ou em alguns casos vendem peixe fresco capturado pelos respectivos maridos.

Contudo, o projecto observou que a maior parte das mulheres retalhistas no mercado revendia peixe conservado que compravam de mulheres grossistas no mercado. As mulheres desta cadeia económica tem muito pouco capital de trabalho e muito pouca possibilidade para aumentar o seu lucro, sendo a maioria delas analfabetas e sem a necessária formação para melhorar os seus negócios.

Elas dependem das grossistas, pois não tem capital suficiente nem acesso a meios de transporte próprios a fim de adquirir grandes quantidades de peixe. Elas decidem com base no seu capital de trabalho diário: aquelas que tem algum dinheiro, deslocam-se á praia onde compram peixe que mais tarde vendem no mercado. Alternativamente, elas compram também caixas de peixe directamente dos camiões das grossistas no mercado. As que não possuem dinheiro oferecem os seus préstimos as grossistas que necessitam de retalhistas para vender as suas caixas de peixe. Deste modo, as retalhistas tem uma margem muito limitada de lucro diário. As que compram o peixe a partir dos camiões podem ganhar uma media de US$4 por dia, trabalhando entre seis a oito horas por dia, em seis dias por semana.

O projecto observou que não existe solidariedade entre as mulheres retalhistas e as grossistas. Elas mantêm apenas relações de comercio e o seu relacionamento baseia- se na suspeita mutua.

As mulheres retalhistas enfrentam constrangimentos sérios, nomeadamente pouco capital, impossibilidade de diminuir os custos, bem como a dificuldade de incluir a taxa de inflação nos seus preços, mobilidade limitada devido aos custos de transporte, redes sociais limitadas, bem como a falta de segurança pessoal derivada pelos frequentes assaltos e abusos da policia.

As Mulheres Grossistas

Apesar de as mulheres retalhistas sobressaírem mais no mercado, existe também um numero considerável de mulheres grossistas. Tais mulheres trabalham isoladamente ou em grupo e de uma maneira geral tem mais habilitações escolares. Tem uma capacidade de negócio mais desenvolvida, bem como um capital maior em divisas ou Kwanzas, para alem de beneficiarem de credito por parte dos fornecedores. Algumas são empregadas de homens de negócio. Peixe congelado é vendido directamente por detrás dos camiões no mercado pelas mulheres empregadas por companhias de pesca privadas ou por grossistas masculinos. Tais camiões são algumas vezes protegidos por guardas masculinos. O negocio é tão rápido que não há necessidade de refrigeração no mercado.

As grossistas fazem suficientes lucros, que lhes permitem alugar camiões com uma capacidade de até 500 caixas de peixe, seus lucros por caixa podem ser ate US$2. As mulheres grossistas não sofrem frequentes abusos da policia e normalmente beneficiam de atenção especial da policia em troca de pagamento.

Existe uma hierarquia com base no género e classe no sector: os barcos industriais que pertencem a companhias privadas de pesca licenciadas pelo governo, pescam e processam o peixe no mar, que por sua vez é vendido a mulheres ou homens grossistas, que por sua vez revendem-no a mulheres retalhistas no mercado.

As relações de género merecem uma reflexão. É comum para o grupo mais privilegiado de mulheres, i.e. aquelas que possuem um nível de vida alto e pertencem a um grupo de relações sociais privilegiado quer através do casamento ou por corrupção, conscientemente ou inconscientemente protegerem os seus privilégios (ver Joseph, 1980). A protecção dos privilégios observa-se através da falta de solidariedade entre os vários grupos de mulheres no sector.

Este aspecto influencia grandemente a falta de mobilidade social bem como na crescente disparidade económica entre grupos. Enquanto as Nzungas e as retalhistas se deparam com uma luta pela sobrevivência diária, sujeitas a abuso policial, as grossistas recebem protecção por parte do sistema fazendo florescer a sua actividade económica.

 

Comentários Finais

Presentemente, o sector informal em Angola esta não regulamentado e é controlado por operadores de larga escala. Agentes económicos no cimo da cadeia económica beneficiam de privilégios financeiros baseados em contactos políticos que asseguram acesso ao credito e a produtos subsidiados. Neste contexto, as mulheres retalhistas ou Nzungas, apesar de serem mais numerosas do que as grossistas e do que os proprietários das companhias pesqueiras, são pequenos agentes com possibilidades limitadas ou mínimas de desenvolvimento (ver Ducados, 1998).

A complexidade do sector parece ter as suas origens no processo de formação de classes e desigualdades de género. A questão da raça em Angola não e muito visível, no entanto pode-se afirmar que a elite dos mestiços urbanos que ganhou os privilégios durante a era colonial ainda se encontra numa posição social privilegiada. Não afirmarei que controla o sector informal mas certamente constitui a classe dominante e não se encontra no grupo das Nzungas ou retalhistas.

A complexidade do sub-sector da comercialização do peixe é uma reflexão da sociedade Angolana.

Os que se encontram no topo, tais como os grossistas, beneficiam do acesso ao credito e aos preços subsidiados do governo, que na essência estão na origem do sucesso económico das suas actividades. Os no fundo da cadeia económica dependem da bondade das retalhistas para obter créditos em produtos e ou comprar mercadoria.

Negociações entre diferentes grupos são quase inexistentes devido a falta de competitividade e ao monopólio das poucas companhias pesqueiras licenciadas pelo governo. Indiscutivelmente, a existência de uma hierarquia em qualquer tipo de sistema económico é vital para o seu funcionamento. Contudo poderia funcionar quando o sistema permitisse promoções dentro da hierarquia. Isto por sua vez requer a existência de um mercado regulamentado e uma actividade económica geral bem como menores níveis de corrupção e favoritismo que estão faltando na sociedade Angolana.

No entanto, o estudo de caso mostrou que a ausência de regulamentação e a alta incidência de corrupção e favoritismo impedem significativamente a mobilidade social e, deste modo perpetuam a estrutura de classe.

E evidente que as desigualdades na distribuição do rendimento que afectam as mulheres no sector informal são perpetuadas pela falta de mobilidade dentro da hierarquia social e económica que por sua vez vem da falta de uma regulamentação por parte do estado. Nestas circunstancias, a sobrevivência da mulher envolvida nas actividades retalhistas é enfraquecida pela falta de uma interação positiva dentro das relações de género. Á luz desta observação, os agentes femininos no sector informal de Luanda enfrentam uma multiplicidade de constrangimentos inter-relacionados, baseados em factores económicos e que se reflectem na estrutura social.

 

Referencias

 

Adauta, M (1998)  Contribution to a Better Knowledge of the Informal Sector. Unpublished paper.

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[1] Pesquisadora, promotora e fundadora da Rede Mulher em Angola, e doutoranda na London School of Economics.