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Grupo de Trabalho 3
Chiponda, a “senhora que tudo pisa com os pés”. Estratégias de poder das donas dos prazos do Zambeze  no século XVIII.

Eugénia Rodrigues[1]

Introdução

No século XVII, os Portugueses controlavam extensas terras no sertão da África Oriental - os prazos - cujo domínio útil foi cedido pela Coroa aos conquistadores e mercadores. Embora algumas Europeias tivessem participado na colonização, a sua escassez conduziu os colonizadores a ligarem-se cada vez mais frequentemente a mulheres africanas. No final do século XVII, um número crescente de mulheres, na maioria mestiças, entrou na posse das terras dos seus ascendentes Europeus. Essa tendência foi reforçada no século seguinte por sucessivas normas administrativas tendentes a privilegiar a concessão dos prazos às mulheres. O domínio das terras e dos seus habitantes africanos conferiu a estas mulheres uma grande importância. Diversos historiadores salientaram a singularidade do seu estatuto, nomeadamente C. Boxer que afirmou: “The Donas de Zambesia were, I presume, something unique in the Portuguese colonial world or, for that matter, in any other”[2].

Os estudos de género têm salientado a necessidade de compreender o papel da mulher no âmbito das mudanças sociais. O objectivo desta comunicação é fazer uma primeira abordagem das estratégias de poder das donas dos prazos do Zambeze no século XVIII, num contexto de redefinição do seu papel económico e social. O texto começa por introduzir a sociedade colonial dos Rios de Sena, destacando o reduzido papel da emigração feminina europeia para a região. De seguida, foca o modo como as mulheres construíram um papel equivalente ao dos homens numa sociedade colonial assente em estruturas patriarcais que reproduziam as metropolitanas e como o estatuto alcançado por estas mulheres influenciou a representação das donas dos prazos. Finalmente, ilustra este processo através do percurso de uma destas mulheres, D. Francisca Josefa de Moura Meneses. Relativamente a este grupo específico da elite dos prazos, tentar-se-á articular as categorias de género, raça e classe.

 

As mulheres e a colonização portuguesa nos Rios de Sena

 Na sequência do processo de expansão iniciado no século XV, os Portugueses chegaram ao sertão da África Oriental por volta de meados do século seguinte, perseguindo os míticos ouro e, depois, prata do império Monomotapa. Durante o século XVII, espalharam-se pelo território deste Estado, no planalto karanga a sul do rio Zambeze, onde se estabeleceram em diversas feiras e adquiriram territórios. No entanto, por diversas circunstâncias históricas, o coração da presença portuguesa na África Oriental localizou-se no vale do Zambeze. Aproveitando a instabilidade política da região, os Portugueses acabaram por se estabelecer numa larga área ao longo da margem sul do rio e também a norte na zona do delta, em terras conquistadas aos chefes africanos ou cedidas por estes, geralmente em troca de auxílio militar. Estes chefes eram anteriores vassalos dos Estados chonas do Monomotapa, Quiteve, Manica ou Barue de cujas tendências autonomistas os Portugueses beneficiaram. Já em Setecentos, os moradores de Tete expandiram-se para o norte do Zambeze, comprando terras a vários chefes maraves e, posteriormente, adquirindo-as pela guerra.

Os Portugueses conseguiram assim dominar, ainda que por vezes apenas formalmente, toda a região do vale do Zambeze desde o Índico até cerca de 120 léguas da costa. Esta zona –localizada no actual Estado de Moçambique - era conhecida ao longo de Seiscentos por Rios de Sofala ou Rios de Cuama - o nome africano do baixo Zambeze. Já no século XVIII, vulgarizou-se a designação de Rios de Sena e posteriormente, em meados de XIX, a de Zambézia. Ao longo do rio localizavam-se as povoações portuguesas de Quelimane, no delta, Sena, a 60 léguas da costa e capital dos Rios até 1767, e, finalmente, Tete, a nova sede administrativa, 60 léguas mais acima. Ademais, durante o século XVIII, administravam duas feiras, Manica e Zumbo, pelas quais passava a grande parte do comércio com os Estados africanos.

Até 1752, Moçambique integrou o Estado português da Índia, mas com a autonomia decretada em 19 de Abril desse ano, passou a depender directamente de Lisboa. A colónia era administrada por um governo-geral, sediado na Ilha de Moçambique, ao qual se subordinava o tenente-general e governador dos Rios de Sena. Esta região esteve dividida em capitanias-mores até à instauração das câmaras na segunda metade de Setecentos. Além dos senados municipais, geriam estas vilas os comandantes sujeitos ao governador dos Rios.

O extenso território dominado pelos Portugueses no vale do Zambeze constituía as Terras da Coroa que, desde o início do século XVII, eram aforadas pela administração portuguesa por prazos de três vidas a particulares - donde também a designação de prazos - em troca de um foro em ouro pago anualmente à Fazenda Real. Para além destas concessões enfitêuticas, os Portugueses detinham também as chamadas terras de fatiota compradas por particulares aos chefes africanos. Estas eram propriedades livres que não pagavam foro e cuja transacção não estava sujeita à autorização da Coroa. Na sua maioria, localizavam-se em território marave, a norte do Zambeze, no distrito de Tete, mas também existiam em Quelimane e Sena. Tanto as terras foreiras à Coroa como as de fatiota eram habitadas por Africanos, escravos ou livres, estes designados colonos. Os senhores exerciam autoridade sobre as populações africanas das suas terras a quem exigiam diversos tributos, em serviços e géneros. Estes Africanos, em particular os escravos, eram utilizados, para além do trabalho doméstico, em diversas actividades como o comércio, a mineração e a guerra[3].

Nos primeiros tempos da expansão portuguesa no Índico, as mulheres participaram em escasso número, sendo raras as que acompanharam os maridos ou os pais. A sua presença era proibida a bordo das naus o que não impediu o embarque clandestino, comprovado pela presença de mulheres reinóis em diversas cidades da Índia. Apenas em 1545, foi autorizado o envio de um grupo de órfãs, desde então uma solução ocasional da Coroa para colonizar o império do Oriente. Além disso, as autoridades recorreram a prostitutas retiradas ou a degredadas. O destino destas mulheres era em geral as cidades da Índia - em particular Goa e Baçaim - onde a presença portuguesa estava mais estruturada[4].

Na África Oriental, a presença de mulheres do reino parece ter sido ainda mais insignificante. Todavia, foi registada desde 1506 em Sofala[5], a primeira fortaleza construída pelos Portugueses, e nas demais povoações no decurso de Quinhentos. Mais fortuitamente do que para o resto do Estado da Índia, a Coroa intentou a colonização da região com mulheres do reino quer promovendo a fixação de casais quer enviando órfãs para ali casarem. O maior empreendimento deste tipo ocorreu em 1677 quando foi enviada uma expedição integrando, para além de vários casais, oito órfãs[6]. Todavia, estes projectos de povoamento orientado pela Coroa fracassaram e a Moçambique chegaram sobretudo homens, voluntários ou degredados.

Atenta a escassez de Europeias, os Portugueses ligaram-se a Africanas de diferentes estatutos sociais. Algumas seriam escravas adquiridas pela guerra, por compra ou por oferta dos chefes africanos. Outras eram filhas de chefes locais com quem os Portugueses casavam seguindo uma estratégia de alianças matrimoniais para se implantarem no continente. Um tratado com o Monomotapa, em 1629, estabelecia mesmo a proibição dos matrimónios entre os Portugueses e as filhas dos chefes africanos[7], o que provavelmente mereceu a aquiescência das duas partes. Tais casamentos, pela sua frequência, deveriam implicar uma desordem nas estruturas sociais africanas, embora houvesse casos de integração bem sucedida. Para os Portugueses, essas alianças constituíam uma vantagem competitiva dificilmente aceite pelas autoridades coloniais que sempre tentaram coarctar a constituição de potentados.

A principal consequência demográfica e social deste processo de miscigenação foi a prevalência de mulheres mestiças nos estratos superiores da sociedade dos Rios de Sena. De facto, a alta incidência de doenças tropicais entre os europeus acabava por os dizimar, afectando particularmente o reduzido número de mulheres do reino chegadas à região. Para além das reinóis, deslocaram-se também para os Rios, em número crescente no século XVIII, mulheres da Índia, - sobretudo de Goa - já provavelmente luso-asiáticas, embora não seja de excluir a presença de Indianas católicas. Por conseguinte, as mulheres que integravam a elite da sociedade dos Rios eram maioritariamente mestiças de origem africana, europeia e asiática, mas no grupo integraram-se também Indianas e muito raramente Europeias.

 

As donas setecentistas

Foi provavelmente no final de XVII que estas mulheres adquiriram um protagonismo singular em resultado de circunstâncias históricas que lhes permitiram aceder à posse da maioria dos prazos. No decurso desse século, a afluência de Portugueses, do reino ou de Goa, assegurara o domínio masculino tanto político-militar como económico. Apesar de geralmente as mulheres viúvas e órfãs sucederem aos homens nas terras da Coroa, elas perdiam os títulos quando casavam. Isso aconteceu, por exemplo, em 1634-1637 quando o provedor da Fazenda Francisco Figueira de Almeida tombou os prazos da região. Nessa altura, inúmeras mulheres estavam na posse de terras na sequência de um confronto militar que, em 1631, vitimara os seus parentes masculinos. Essas mulheres, na sua maioria, casaram novamente e as cartas de aforamento emitidas pelo provedor foram passadas no nome dos maridos e não no delas. Em resultado, dos 81 prazos existentes, apenas 13 foram titulados em nome de mulheres - correspondendo a cerca de 16 %  -, incluindo as órfãs cujas terras eram administradas pelos seus familiares masculinos[8]. Aliás, a viúva Madanela Pires, senhora de terras extensíssimas, acabou por ter de as trespassar devido à sua presumível incapacidade militar. Os senhores dos prazos deveriam ser capazes de controlar os Africanos das suas terras e recrutar entre eles soldados para o serviço militar dos fortes, aspecto tão mais importante quanto se estava no início da conquista. As mulheres eram consideradas incapazes de responder ao serviço militar e, nestas circunstâncias, tentava-se encontrar foreiros masculinos.

Todavia, nas últimas décadas de Seiscentos, os Portugueses sofreram vários desaires militares e foram confinados à região dos prazos do Zambeze. Perdiam, assim, acesso directo às minas de ouro do sul do rio, apenas em parte compensado pelas novas explorações auríferas a norte, ao mesmo tempo que, finalmente, o fito secular de encontrar prata se desvanecia. Os investimentos colonizadores na África Oriental deixaram de ser tão atractivos quanto noutras partes do império, como o Brasil onde então se descobria o ouro. Por esta altura, diminuíram os contingentes militares chegados à África Oriental onde se recrutava a maioria dos colonizadores.

Os historiadores indicam esse período na viragem do século XVII para o XVIII como o momento em que a administração colonial passou a privilegiar as mulheres na atribuição e sucessão dos prazos dos Rios de Sena. A dotação de órfãs com terras ou cargos para os homens que se tornassem seus maridos estava instituída na Índia desde finais do século XVI. Esta era uma forma encontrada pelo Estado para recompensar os serviços prestados à Coroa pelos familiares dessas mulheres e atrair homens do reino para casarem com elas. Além disso, uma carta régia de 14 de Fevereiro de 1626 ordenava que os foreiros das Províncias do Norte do Estado da Índia nomeassem os prazos em filhas coagidas a casarem com reinóis[9]. Tratava-se de uma medida, pouco acatada, para atrair colonizadores capazes de defenderem aquela região.

Foi provavelmente uma extensão desta medida à África Oriental que resultou na preferência dada às mulheres na concessão das Terras da Coroa. Todavia, uma suposta ordem régia nesse sentido não foi ainda identificada pelos historiadores[10]. Existem, de facto, diversas instruções da Coroa para as autoridades da Índia dotarem com terras as mulheres entradas nos Rios. A primeira disposição nesse sentido terá sido a ordem de 14 de Março de 1675 para distribuir terras e dotar com cargos as órfãs entradas nos Rios que casassem com Portugueses[11]. Todavia, esta e outras instruções não impunham a feminilidade na concessão e sucessão dos prazos dos Rios de Sena. É verdade que desde finais de Seiscentos diversas cartas de aforamento incluíam a obrigatoriedade de os foreiros nomearem as terras nas filhas, tendo-as, para casarem com Portugueses oriundos do reino[12]. Todavia, esta não era uma cláusula  generalizada e muitas cartas continuaram a consagrar a livre nomeação das restantes vidas. Na falta de uma ordem régia específica, é de supor que os vice-reis e procuradores da Coroa e Fazenda tenham integrado nos títulos de aforamento dos Rios a condição referente às Províncias do Norte. Saliente-se que pelos finais do século XVII eram insistentes as ordens régias a exigirem o cumprimento da legislação de 1626 em relação àquele território[13]. As autoridades de Goa, que tinham de confirmar os aforamento de todo o Estado da Índia, terão decidido incluir aquela obrigação nos títulos dos Rios. Contudo, depois de finais do século XVII, os vice-reis continuaram a confirmar cartas, até relativas a novas doações, sem incluir aquela cláusula.

Mesmo após a separação de Moçambique do Estado da Índia não foram enviadas ordens nesse sentido. A instrução régia de 20 de Abril de 1752 ao primeiro governador-geral, Francisco de Melo e Castro, repetidamente evocada para defender a primazia das mulheres na atribuição e sucessão dos prazos, também não estabelecia essa norma. Como acontecera antes, a instrução referia-se a uma situação específica, no caso a chegada de um contingente de soldados que se pretendia fixar na colónia dada a falta de moradores, isto é, moradores reinóis. Com esse objectivo, obrigava os foreiros Europeus e Goeses a casarem as filhas com homens do reino sob a pena de perderem as terras da Coroa[14]. Três anos mais tarde, um aviso régio insistia para que “nenhum morador branco, ou natural tendo filhas as não podesse cazar, senão com Portuguezes, impondo-lhe a pena de que fazendo o Contrario perderião as terras da Coroa que possoissem, e que os Brancos, no cazo de Cazarem com negras, os filhos que tiverem serão habeis a Sucederem nas terras da Coroa que possuirem os Pais”[15].

Nenhuma destas ordens implicava a obrigatoriedade da nomeação das terras em mulheres, mas difundiu-se a certeza de que a legislação assim o determinava e essa cláusula continuou a ser incluída em várias cartas de aforamento e a ser evocada pelos candidatos às terras que julgavam legitimar desta forma as suas pretensões. Essa convicção entrou de tal modo no discurso sobre os prazos do Zambeze que os historiadores aceitaram essa obrigatoriedade como um elemento central do regime jurídico dos prazos[16].

No século XVIII, as autoridades coloniais esforçaram-se, de facto, por promover o povoamento da colónia concedendo terras às mulheres na esperança de que elas aliciassem novos moradores para os Rios. Todavia, na falta de homens do reino, muitas acabaram por casar com os seus compatriotas mestiços ou com homens da Índia, sem que isso tivesse implicado a perda dos títulos fundiários. Os próprios governadores, por seu lado, também faziam concessões directamente a homens. Acresce que, do mesmo modo, por vezes os foreiros não respeitavam a sucessão das terras da Coroa na linha feminina quando as suas cartas assim o determinavam. O mais comum era o detentor de um prazo - que deveria indicar a vida seguinte por nomeação em vida ou por testamento - transferi-lo para o cônjuge e só posteriormente ele passava à geração seguinte[17].

Pese embora a ambivalência da administração, uma mudança importante, provavelmente em consequência da alegada orientação para observar a feminilidade na concessão e sucessão dos prazos, foi o reconhecimento do direito das mulheres a manterem os títulos das terras diferentemente do sucedido no século XVII. Dado a sua esperança de vida ser superior à dos homens, um número significativo de mulheres pôde ascender à posição de titular de prazos, mesmo contraindo novos casamentos. Embora seja difícil averiguar a percentagem de terras nas mãos das mulheres, já que as relações de prazos indicam por vezes não a titular mas o seu marido, saliente-se que, durante a segunda metade do século XVIII, elas detinham a maioria das terras aforadas. Por exemplo, em 1760, 52 prazos estavam na posse de mulheres enquanto os homens apenas possuíam 29[18].  As mulheres tinham, portanto, oportunidades pelo menos semelhantes às dos homens no acesso às terras e à mão-de-obra, os principais recursos económicos e  a base do poder na sociedade dos Rios.

As autoridades coloniais, apesar de reconhecerem a posse dos prazos pelas mulheres, esperavam que fossem os maridos, como cabeças de casal, a assumir a gestão dos bens e a exercer o poder. Porém, ao contrário do papel de apenas esposas e mães que as autoridades lhe destinavam, as mulheres foram ganhando ascendência na sociedade dos Rios, de tal forma que desempenharam um papel semelhante ao dos foreiros masculinos. Elas encontraram-se não só a administrar as terras e as suas populações como se envolveram nas actividades de mineração e comércio associadas à economia dos prazos. Esse papel terá sido desempenhado sobretudo por mulheres viúvas, embora algumas casadas tivessem ganho igual notoriedade. As informações sobre o papel económico da maioria das mulheres casadas são escassas, mas elas participariam provavelmente na gestão dos bens do casal já que tinham o conhecimento das sociedades locais que faltava a muitos homens europeus e indianos. Existem, por exemplo, testemunhos da sua participação na negociação de conflitos com as populações africanas dos prazos por incumbência dos próprios maridos[19]. Elucidativo do novo estatuto das donas é o facto de muitas casas[20] dos Rios serem identificadas pelo nome das mulheres e não dos seus sucessivos maridos. A sua inclusão numa classe social dispensava, assim, a associação a um intermediário masculino. Na verdade, na sociedade dos Rios, as mulheres apenas não preencheram os cargos da administração colonial. Na Província do Norte do Estado da Índia, em particular em Damão e Baçaim, as mulheres encontraram-se também em situação de administrar prazos - as aldeias - mas o seu poder sobre estes pequenos territórios não parece ter sido comparável ao das donas da Zambézia[21]. Um equivalente seriam as senhoras das plantações de S. Tomé e Príncipe, outra colónia portuguesa onde os homens eram escassos ou estavam ausentes. As donas, como também aqui eram chamadas, habituaram-se a resolver os constantes conflitos - inclusivamente pelo recurso às armas - com os escravos, os outros proprietários e os atacantes estrangeiros[22].

O historiador José Capela defende que esse poder foi favorecido pela titulação das terras nas mulheres depois da expedição de 1677. Precocemente viúvas, elas teriam sido obrigadas a enfrentar os problemas colocados pela administração dos prazos e dos seus escravos armados[23]. No entanto, como salientou M. Newitt, esse papel deve também ser entendido no âmbito dos sistemas sociais africanos onde as mulheres tinham grande influência[24]. Nas sociedades matrilineares a norte do Zambeze - como os Macuas ou os Maraves - o poder da linhagem da mãe traduzia-se pela ascendência dos seus elementos femininos. Por exemplo, na sociedade macua, que incluía a zona dos prazos de Quelimane, as mulheres controlavam as terras e as colheitas enquanto os homens recorriam à caça, ao comércio e à obtenção de escravos. Entre os Maraves, a mulher do imperador exercia jurisdição sobre parte do território e existiam mulheres à frente de chefados,  as “fumo-acáze”[25]. Mesmo na sociedade patrilinear dos Chonas, as várias esposas do imperador Monomotapa tinham também os seus próprios territórios e eram enviadas como embaixadoras[26]. M. Newitt sublinhou o “carácter dual” do sistema hereditário dos Rios resultante da combinação do sistema patrilinear português com a supremacia local do clã materno. Segundo ele, este sistema favorecia as mulheres enquanto herdeiras de terras e escravos, obrigando os homens a procurar concubinas e cargos na administração portuguesa. Trata-se provavelmente de uma interpretação exagerada da importância do contexto africano na elaboração do sistema hereditário da elite dos Rios de Sena  e, em particular, da sucessão dos prazos que obedecia ao direito português, mesmo quando obrigava  à sucessão por linha feminina, introduzida antes noutras partes do Estado da Índia.

Todavia, o estatuto adquirido pelas mulheres na sociedade dos Rios parece poder relacionar-se com a sua preponderância nas sociedades africanas da região e, em particular, com os laços forjados com os seus dependentes africanos. Elas aproveitaram a influência que detinham nas sociedades africanas - diferentemente do que acontecia nas sociedades patriarcais do reino ou da Índia donde muitos foreiros eram originários - para construir um papel diverso do que lhes fora atribuído na sociedade colonial. Ao disporem do apoio das populações dos prazos que os seus maridos, sobretudo os recém-chegados, tinham mais dificuldade em obter, elas puderam negociar o poder tanto com os outros foreiros como com as autoridades, portuguesas e africanas[27]. Se bem que, até pelo seu peso demográfico, este poder tivesse sido construído pelas mestiças, também um grande número de Goesas e talvez algumas reinóis participaram nesse processo[28].

O facto de estas mulheres desempenharem um papel idêntico ao dos homens chocou os observadores masculinos, suscitando uma representação das donas como invariavelmente poderosas, insubmissas à administração, dominadoras dos maridos e sexualmente promíscuas. Os testemunhos disponíveis indicam que esta imagem terá sido construída na primeira metade do século XVIII, prolongando-se pelo menos até ao princípio do século XX. Em meados de Setecentos,  por exemplo, um foreiro europeu notava a altivez das donas independentemente da sua origem étnica:

“Todas que sejão europeas, filhas da terra, ou tragão a sua origem de Goa, são commumente altivas, e de condição soberba. Tambem sem excepção de algua tem dons e senhorias.”[29].

Pela mesma altura, um padre dos Rios acrescentava às observações anteriores, a convicção de que as donas “Governão seus maridos fiadas no dominio, e respeito, que tem sobre os seus famulos”[30].  Já no início de Oitocentos, o brasileiro de origem italiana Luis Vicente de Simoni, então médico em Moçambique, observava:

“Os cafres são geralmente perfidos, trahidores, e ladrões, e barbaros. Não respeitão senão a lei da força, e não tem outro extimulo nas suas acções senão, o proprio interesse: matão-se huns aos outros com a maior indifferença: nas suas guerras não dão quartel a ninguem, excepto ás mulheres, e as crianças <as quaes respeitão> ainda que sejão brancas. Elles tem para as mulheres huma especie de veneração, de maneira que respeitão mais as Senhoras do que os maridos dellas: he tal a influencia que as vezes as mulheres brancas tem sobre elles que huma destas mulheres pode naquelles paizes mais do que os Governadores”[31].

Note-se que mulheres “brancas”, como elas próprias também se viam, reivindicando a sua ascendência europeia e, mais frequentemente, a condição de súbditas da Coroa portuguesa, designava as que de algum modo eram influenciadas pela cultura europeia sem relação com a cor da pele. Na verdade,  a representação das donas presente em  diversos  autores valoriza sobretudo a sua inclusão numa classe social e numa cultura a despeito da sua pertença a uma raça.

Todavia, os procedimentos considerados específicos das donas dos prazos faziam parte do padrão de comportamento dos senhores dos Rios, de reconhecida independência, mas que na sua versão masculina não suscitaram tanta perturbação nos estrangeiros chegados à região. De facto, a construção desta imagem das donas está associada à ideologia do género da sociedade colonial patriarcal que esperava das mulheres um papel mais submisso e doméstico. Sem prejuízo de uma investigação mais aprofundada, essa representação parece ter surgido quando as mulheres passaram a deter o controlo de um grande número de prazos em resultado das sucessões ou da concessão directa da Coroa. A concorrência feminina ameaçou o estatuto dos homens que chegavam aos Rios e cuja posição dependia do domínio das terras e das gentes.

Com efeito, durante o século XVII, os inúmeros memorialistas da África Oriental, tal como a documentação oficial, não fizeram eco do protagonismo que as mulheres adquiririam posteriormente. Contudo, referem-se já comportamentos indiciadores de um processo de construção das relações de género que se afirmariam no século seguinte. Por exemplo, cerca de 1644, um dos principais conquistadores dos Rios, Sisnando Dias Baião, lamentava-se de ter sido atacado com outro foreiro - António de Oliveira, que acabaria por falecer -, a mando de Antónia Cardosa e Maria Gonçalves[32]. Já no início de Setecentos, D. Catarina Gomes Nobre, uma viúva, provavelmente portuguesa, usou os seus cativos para atacar outros foreiros e o governador dos Rios o que acabou por lhe valer a prisão por algum tempo[33]. Estes casos, entre outros, mostram que as donas dos prazos já anteriormente tinham recorrido ao uso da força armada na resolução de conflitos e, no entanto, o seu papel foi relativamente silencioso durante Seiscentos.

A posição das donas na sociedade dos Rios suscitou a hostilidade do poder patriarcal. Cerca de 1720, o tenente-general dos Rios, a propósito do aumento da sucessão feminina nos prazos, defendia junto do vice-rei D. Luís de Meneses a conservação das terras nas mãos dos homens. O vice-rei considerou o sistema de sucessão dos bens da Coroa nos Rios uma “diabolica introdução” e, na impossibilidade de alterar os testamentos, prometia reservar para os homens a concessão de todas as terras em comisso[34]. Sem recorrer a práticas tão drásticas, a administração tentou combater de diversos modos o poder crescente das donas. Em alguns casos, o governo interveio directamente em apoio dos maridos, como aconteceu em meados de Setecentos em relação a D. Inês Gracias Cardoso, uma Goesa casada em terceiras núpcias com o Português António Teles de Meneses. Depois de ter perdido um processo de divórcio interposto por não consumação do casamento, D. Inês reuniu os seus escravos para atacar o marido e os seus seguidores, conseguindo expulsá-lo dos Rios, apesar da sua carreira como militar e administrador no Oriente. Em apoio de Teles de Meneses, o governador-geral Francisco de Melo e Castro evocou  a decisão judicial, mas sobretudo sustentou um argumento político tendente a diminuir a preponderância das donas:

“a rezão que havia para se sustentar o respeitto que se deve conservar aos homens brancos, e distintos entre a cafreria, e tambem tira llos do mao estillo em que está de reconhecerem só a Senhora, e não ao Senhor”[35].

A política mais usual da administração era, porém, tentar casar essas mulheres, sobretudo as detentoras de largos tratos de terras e de inúmeros dependentes, com maridos julgados apropriados para gerir os seus bens. Evidentemente, pretendia-se também conseguir para estes homens, geralmente ligados aos governantes por laços de parentesco ou de clientelismo, uma situação económica e social adequada. Por vezes, a intervenção das autoridades falhava quando as candidatas casavam secretamente e à revelia das directivas de governadores e eclesiásticos. Isso ocorreu, por exemplo, com D. Inês Pessoa Almeida Castelbranco, afilhada e herdeira da referida D. Inês Gracias Cardoso, cujo terceiro casamento o governador Baltazar Pereira do Lago não conseguiu impedir, depois dos anteriores terem da mesma forma contrariado os ditames administrativos[36]. Apesar dos esforços da administração, o poder das donas foi crescendo à medida que a sociedade dos prazos se africanizava.

 

D. Francisca Josefa de Moura Meneses: a Chiponda
As origens familiares

O percurso de D. Francisca Josefa de Moura Meneses[37], uma mestiça de Tete, é ilustrativo do processo de construção do poder das donas dos Rios de Sena. Tanto mais que o estatuto que alcançou não encontra aparentemente raízes na linhagem familiar, como no caso de outras mulheres igualmente celebrizadas.

Sabe-se pouco sobre os ascendentes de D. Francisca, neta, provavelmente por via materna, de Pascoal de Meneses e de Filipa de Sousa. Cerca de 1723, a avó obteve o prazo Cande pelos serviços prestados à coroa pelo seu primeiro marido[38]. O casal acompanhou a expansão de Tete para o norte do Zambeze onde, por esta altura, os moradores compravam terras aos chefes maraves, adquirindo aí as terras de fatiota Pandoe e Benga[39]. D. Francisca, nascida por volta de 1738, era a mais velha das três filhas de António Pascoal de Moura e presumivelmente de Maria do Rosário, natural dos Rios[40]. Embora aparentemente sem grande preeminência social, os seus progenitores investiram na educação das filhas. Todas as irmãs aprenderam pelo menos a assinar o nome o que não era comum entre as mulheres dos Rios.

A família seguiu a estratégia habitual da elite dos Rios de conseguir terras e maridos, preferencialmente reinóis, para as filhas. Esta aliança era vantajosa para as duas partes. De facto, se as famílias dos Rios dominavam terras e gentes e possuíam o conhecimento local necessário ao manejo dos negócios, a união com homens vindos do reino oferecia uma maior proximidade face à administração e, portanto, a possibilidade de influenciar as autoridades quer na nomeação de terras e de cargos quer na obtenção de distinções como, por exemplo, os hábitos das ordens militares. O plano delineado pela família para as suas filhas foi executado com sucesso já que todas casaram com Portugueses recrutados entre os poucos voluntários que então chegavam a Moçambique.

D. Francisca Josefa de Moura Meneses consorciou-se, em data incerta, com João Moreira Pereira, um natural de Ovar que chegara à colónia em 1749[41] e em Janeiro do ano seguinte já era capitão-mor dos Rios de Sena[42]. Antes, D. Francisca obtivera o prazo Dossa, pelos serviços do avô e do pai, com a condição de casar com um português do reino, e o avô oferecera-lhe, como bens parafernais, a terra de fatiota Pandoe[43]. A irmã, D. Filipa Antónia de Moura Meneses, casou-se com Inácio Octaviano dos Reis Moreira, oriundo da nobreza da terra das Caldas da Rainha, que rumara a Moçambique em 1754[44]. Para além do prazo Cande,  no qual sucedera à mãe, foi igualmente beneficiada  pelo avô com a terra de fatiota Benga[45]. Finalmente, D. Catarina de Moura Meneses, a mais nova, conseguiu o prazo Zangoe[46], casando com Bento da Cunha Rego antes de 1760. Fixou residência em Sena, acabando por enviuvar muito cedo[47].

 

As alianças matrimoniais

A associação de D. Francisca Josefa de Moura Meneses com João Moreira Pereira trouxe bons resultados, possibilitando-lhe a ascensão ao estrato superior da elite dos senhores de prazos. O marido percorreu todos os postos militares e administrativos possíveis para os moradores dos Rios, desfrutando do prestígio e das oportunidades proporcionadas por esses cargos. Como foi referido, iniciou a sua carreira como capitão-mor dos Rios de Sena, cargo imediatamente abaixo do de governador dos Rios. Em 1762, conseguiu a patente de capitão-mor do presídio do Zimbabué[48], como era designada a guarda do imperador do Monomotapa instituída pelos Portugueses no início do século XVII. Este posto - sem efectivas funções militares no século XVIII mas remunerado com 17 bares de fato - era um dos mais apetecidos dos Rios[49]. Em 1764, Moreira Pereira tornava-se o juiz da Câmara de Tete, então criada em substituição da capitania-mor[50]. Finalmente, em 1771, a sua preeminência e alegada capacidade de gerir a conflituosa sociedade local levaram-no a governador dos Rios[51], exercendo o cargo até falecer em 14 de Julho 1776[52].

A par das funções inerentes aos cargos ocupados, Moreira Pereira foi enviado em importantes missões diplomáticas aos Estados africanos vizinhos. Em 1769, dirigiu as negociações de paz com o chefe marave Bive por ser um dos principais moradores[53]. Nesse ano, ainda, foi preso à ordem do ouvidor-geral para responder, na ilha de Moçambique, pela sua actuação como juiz[54]. Todavia, por decisão do adjunto dos moradores de Tete, foi solto para executar a missão de que fora incumbido pelo governador-geral. Tratava-se de encetar conversações com o Monomotapa para restabelecer o comércio no Zumbo, a principal feira do sertão onde os moradores de Tete - e ele próprio - tinham grande parte dos seus interesses comerciais então afectados pelas guerras de sucessão naquele Estado. Juntamente, Moreira Pereira deveria negociar a reabertura de Dambarare que fora a principal feira de Seiscentos. Essa iniciativa diplomática granjeou-lhe prestígio, pese embora o posterior desinteresse português pela reocupação de Dambarare[55].

Ao longo da sua carreira, Moreira Pereira conseguiu aumentar consideravelmente o património fundiário da mulher, prosseguindo a estratégia familiar de expansão para o território marave. É possível que se tenha aproveitado também da influência dos cargos desempenhados. Por exemplo, em 1759, foi nomeado depositário dos bens dos jesuítas expulsos. No leilão que se seguiu, alcançou o arrendamento de três terras, no que apenas foi igualado pelo cunhado Reis Moreira[56]. A integração de novas propriedades nos bens familiares fez-se pela compra de terras de fatiota aos chefes maraves[57] e pela obtenção de prazos, através da nomeação por outros foreiros ou por concessão directa da Coroa como recompensa de serviços, nomeadamente a participação nas guerras levadas ao território marave[58]. Entre estas terras estava o prazo Camucope, a que depois foi acrescentado Panzoe, pertencente ao padroado da igreja do Espírito Santo de Tete. Além dos réditos proporcionados, com a inerente obrigação de sustentar o capelão e conservar a igreja, a sacristia e a residência eclesiástica, o padroado oferecia prestígio social[59]. Note-se que, diversamente da presumida obrigatoriedade de concessão das terras da Coroa às mulheres, todos estes prazos foram titulados em seu nome enquanto D. Francisca mantinha as terras adquiridas antes do casamento.

Como todos os moradores dos Rios, Moreira Pereira inseriu-se nas redes de comércio e exploração mineira. Todavia, os seus investimentos comerciais não foram tão bem sucedidos. O comércio dos Rios era de alto risco e terá sido aqui que Moreira Pereira contraiu dívidas elevadas - nomeadamente pelo crédito fornecido a um anterior governador dos Rios, Marco António Azevedo Coutinho Montaury - mas esta era uma constante das economia dos Rios. Assim, em 1767, já o governador-geral considerava que, tratando-se de um dos dois moradores de maior crédito nos Rios, Moreira Pereira não podia subsistir sem os rendimentos das terras, tal era a extensão das suas dívidas[60].

Findo o primeiro casamento, D. Francisca prosseguiu o projecto matrimonial iniciado pela família. Pouco depois, em 1777, casava com outro português, José Álvares Pereira, cuja ascensão na administração dos Rios foi mais rápida. Era comandante de Tete cerca de 1780[61] e em Janeiro de 1786 ascendeu a governador dos Rios, acabando por falecer em Julho ou Agosto do ano seguinte[62].

De novo viúva, D. Francisca insistiria ainda nas alianças com os governantes dos Rios. Alegadamente terá tentado o casamento com Agostinho de Melo e Almeida que governou os Rios cerca de três anos entre 1787 e 1790. Tratava-se de mais um passo na sua ascensão social. Melo e Almeida era oriundo das melhores famílias de Goa e primo do então governador-geral António de Melo e Castro. O governador dos Rios, que deixou um rasto de embusteiro entre as mulheres da região, ter-lhe-á extorquido ouro, prata e marfim sem a almejada contrapartida matrimonial[63]. É possível que, como sugere Almeida d'Eça[64], tenha considerado igualmente o consórcio com Francisco José Lacerda e Almeida, um brasileiro de S. Paulo nomeado governador dos Rios, em 1797, e incumbido pela Coroa de realizar a travessia de África. D. Francisca teria por essa altura cerca de 60 anos e o pacto com o novo governante acabou por concretizar-se através do casamento com uma sua sobrinha. A morte quase imediata de Lacerda e Almeida a caminho de Angola, na corte do Kazembe, acabou por frustrar os planos da viúva.

Com efeito, D. Francisca usou igualmente o seu papel como chefe da linhagem familiar para consolidar a sua influência e o seu poder através da criação de uma rede de relações de parentesco na sociedade dos Rios. Aparentemente teve apenas uma filha, do seu primeiro casamento, Ana Francisca Pereira de Moura, falecida em 1760[65]. Esse facto compensou-o o casal investindo nos sobrinhos, nomeadamente na vasta prole de D. Filipa Moura Meneses e de Inácio Octaviano Reis Moreira. As sobrinhas mais velhas, D. Maria Antónia Teodora de Carvalho e D. Ana Felisberta Peregrina de Carvalho, foram dotadas com terras, escravos e casas. A escritura sujeitava a doação ao casamento com Portugueses, invalidando-a no caso desta cláusula levantar a oposição dos pais. Na morte das dotadas, aqueles bens passariam para irmãs seguintes já sem aquela condição[66]. Embora o casamento de mulheres dos Rios com Portugueses funcionasse por vezes como condição de preferência na atribuição dos prazos não era de modo nenhum excluidor. Porém, o casal insistiria nesse ponto reproduzindo assim o sistema colonial vigente.

Já viúva, D. Francisca criaria em sua casa outros sobrinhos. D. Leonarda Octaviano Reis Moreira, também filha da sua irmã D. Filipa, entretanto igualmente viúva, foi dotada pela tia com terras para casar com o já referido governador dos Rios Lacerda e Almeida. Logo após a morte do governador, a tia contratou-lhe novo casamento com um dos principais herdeiros dos Rios, Domingos Francisco Pereira Gajo, cujo falecimento imediato a obrigou a um último consórcio com Joaquim Francisco Colaço[67]. Além de D. Leonarda, educou igualmente o seu sobrinho neto Vitorino José Gomes de Araújo a quem pretendia constituir como herdeiro da sua casa. Tentou casá-lo com a filha de Lacerda e Almeida, a seu cargo depois da morte do governador, o que provavelmente não chegou a acontecer[68]. No início de Oitocentos, era tutora de três menores Manuel, Ana e Dionísio provavelmente também seus sobrinhos netos[69].

Todo o percurso matrimonial de D. Francisca, tal como o que projectou para os familiares dependentes dela, obedecia a uma estratégia de poder e inseria-se nos modelos de reprodução familiar e social da elite dos senhores dos prazos. Em ambos os casos, ela visava a associação aos reinóis presumivelmente mais habilitados para obter mercês da administração da colónia. No casamento da sobrinha D. Leonarda com Lacerda e Almeida, as contrapartidas oferecidas pelo governador incluíam, como se referirá, o acesso à própria corte e o reconhecimento do seu papel na ligação das duas costas de África. Na impossibilidade de efectivação destas alianças, D. Francisca optou por escolher herdeiros de outras casas importantes dos Rios quer pelo prestígio que detinham quer pelas oportunidades económicas oferecidas.

 

As estratégias económicas

Embora a grande parte da sua riqueza tivesse sido adquirida durante o primeiro casamento, D. Francisca soube administrá-la, sendo considerada, mesmo depois de perdas do seu património, uma mulher muito rica. Nos Rios, o poder de qualquer senhor dependia da posse das terras que, para além de possibilitarem rendimentos, permitiam manter os escravos utilizados nas actividades económicas e militares. Quase no fim da vida Moreira Pereira fora obrigado a vender algumas terras de fatiota[70] para pagar dívidas. As restantes foram confiscadas após a sua morte e leiloadas logo a 16 de Outubro de 1776, mas foram imediatamente readquiridas pela viúva coagida ao seu pagamento por soluções. Esse processo era frequente nos Rios, sobretudo no caso dos moradores mais poderosos. De facto, quer por incapacidade quer por conivência, os bens leiloados nestas circunstâncias não eram arrematados pelos outros moradores. A administração, por seu lado, anuía com este desenlace porque eram esses moradores que mantinham a segurança e a actividade económica nos Rios[71]. Apesar de tudo, à morte de Moreira Pereira, a viúva herdava uma das principais casas dos Rios e a maior de Tete.

Assim, cerca de 1777, já casada novamente, D. Francisca possuía oito terras da Coroa e cinco de fatiota. Duas daquelas terras - Dossa e Inhamatantoe e Domue - situavam-se a sul do Zambeze e estavam alegadamente “desertas” pelos ataques dos príncipes do Monomotapa. Na mesma região tinha arrendado a terra Inhambanzoe. A norte do rio, em território marave, localizavam-se os prazos Camucope, Chioza e Domba, Inhamacaza e Tundo e as terras de fatiota Chipasse, Bamboe, Nhancoma, Pandoe e Inhaufa, esta com os incumbes Sonte, Cuve Cabuabua, Canjanda, Nhamitondo e Chigoza[72]. Em 1798, continuava a ser a maior proprietária de Tete com sete prazos e um chão na vila, igualmente foreiro à Coroa, num total de 57 prazos, para além das terras de fatiota[73]. Aparentemente em 1801, os dotes dos sobrinhos tinham privado D. Francisca de parte dos seus bens fundiários, possuindo apenas os prazos Camucope e Nhamacaza e as terras de fatiotas[74].

Mesmo considerando a alta concentração fundiária existente nos Rios, D. Francisca possuía um elevado número de terras. Eram quase todas pequenas, se comparadas com os grandes prazos de Sena, mas a maioria localizava-se na margem esquerda do rio Zambeze, na altura as mais produtivas do distrito de Tete. Estas terras produziam cereais (milho, meixoeira, arroz e trigo) e algodão bem como legumes e frutas[75], obtidos através dos tributos pagos pelos Africanos que as habitavam - sobretudo pelos colonos – ou da produção directa das escravas nas hortas existentes junto às residências dos senhores nos prazos. Esta produção permitia sustentar a mão-de-obra usada noutras actividades e, eventualmente, disponibilizar cereais para o mercado.

Tal como os outros moradores, D. Francisca possuía inúmeros escravos empregados, para além do trabalho doméstico e agrícola, nas actividades de guerra e segurança e na exploração de vários serviços como a mineração, o comércio e a condução de embarcações[76]. É difícil averiguar a quantidade de escravos de cada morador não só devido à incerta fiabilidade das estatísticas no século XVIII, mas também à relativa mobilidade geográfica da população africana e à imprecisão da documentação portuguesa quanto ao seu estatuto social. Ainda assim, D. Francisca foi sempre uma das principais senhoras de escravos dos Rios. Na década de 1760, possuiria cerca de 1.000, apenas ultrapassada pela irmã D. Filipa com 1.200 e por D. Inês Castelbranco, moradora em Sena, com 6.000[77]. Nos anos de 1790, ou talvez antes, tinha ascendido à posição de principal detentora de escravos de Tete, como indicia uma relação dos cativos a fornecer para uma expedição militar. Era a única obrigada ao envio de 80 combatentes, existindo apenas dois moradores a enviar 70 e todos os outros um número muito inferior[78]. Cerca de 1798, teria perto de 2.000 escravos dos quais cerca de 300 acompanhariam Lacerda e Almeida na malograda travessia de África[79]. Aquele quantitativo terá diminuído na viragem do século com a mortalidade ocorrida durante a expedição e a intensificação das fomes na região de Tete[80]. Mesmo assim, nessa altura, D. Francisca era capaz de fornecer ao governador dos Rios 150 soldados, número muito superior ao indicado por outros moradores, apenas equivalente aos 100 disponibilizados pela sua irmã D. Filipa[81].

Grande parte dos seus escravos ocupava-se da exploração do ouro. Na África Oriental, o trabalho de mineração era feito pelas mulheres, assegurando os homens a defesa do local. No início de XIX, D. Francisca era a principal mineradora da Machinga, uma mina a cerca de 22 léguas a nordeste de Tete, localizada na década de 1770. Quando o explorador baiano Manuel Galvão da Silva ali se deslocou, em 1788, já o ouro extraído acusava diminuição e os moradores retiravam a sua escravatura para outros locais[82]. Dez anos depois, apenas D. Francisca e outros dois moradores exploravam a mina. Ignora-se quantas pessoas tinha D. Francisca nesta actividade. Mas, em 1798, Lacerda e Almeida pode levar daqui 200 escravas para a sua expedição, deixando ainda as mulheres velhas, doentes e grávidas[83]. Existia uma espécie de contrato entre os senhores e as escravas que exigia a cada grupo de cinco mulheres (ensaka) uma entrega semanal de 14 grãos de ouro, guardando o excedente para se manter[84]. Apesar da alegada decadência da mina, as escravas da Machinga tirariam 40 pastas de ouro por ano, ou seja, 4.000 meticais[85] o que representava uma quantia considerável.

Os seus escravos eram igualmente utilizados no comércio, área em que não só continuou a actividade dos maridos como passou a operar em novos mercados. Na década de 1790, integrou o reduzido grupo de moradores de Tete a encetar relações comerciais directas com o longínquo reino do Kazembe. A importância desta iniciativa é sublinhada pelo facto de apenas terem participado na missão comercial mais dois moradores, o seu sobrinho Rebelo Curvo e Manuel Caetano Pereira, este em representação do pai, o famoso Gonçalo Caetano Pereira. D. Francisca associar-se-ia também à expedição de 1798, conduzida por Lacerda e Almeida, enviando mercadorias com as quais esperava obter lucros superiores aos dos mercados habituais[86]. Esta actividade prolongou-se pelos anos seguintes, apenas interrompida pelos períodos de guerra. Em 1811, D. Francisca, tal como Gonçalo Caetano Pereira, expediu nova delegação ao Kazembe na companhia dos pombeiros angolanos Pedro João Baptista e Amaro José, de regresso à costa ocidental[87].

Os comerciantes dos Rios actuavam como intermediários entre os mercadores grossistas da Ilha de Moçambique - nesta altura, eram os banianes do Guzerate que controlavam as ligações comerciais com a Índia - e os Estados africanos. As redes comerciais que penetravam no sertão funcionavam graças ao crédito fornecido pelos mercadores da Ilha aos foreiros e outros negociantes. Estes importavam tecidos e contas indianos que pagavam, no ano seguinte, principalmente em ouro, marfim e, desde as últimas décadas de Setecentos, também em escravos. Recorrendo ao mesmo sistema de crédito dos seus pares masculinos, as mulheres dos Rios puderam envolver-se do mesmo modo nas actividades comerciais.  De facto, como as suas casas  dominavam os escravos enviados para o sertão com as mercadorias, os comerciantes eram obrigados a recorrer a elas para penetrar nos mercados africanos. Tal como os detentores masculinos das casas dos Rios,  D. Francisca  beneficiava do crédito dos mercadores de Moçambique, sobretudo banianes[88].

Como ficou dito, à sua morte o primeiro marido legou à viúva, para além de um vasto património, as dívidas contraídas na sua actividade comercial e creditícia. Segundo alguns observadores coevos, a sua situação de falência resultara de ela ser mulher, velha e, no fim da vida, cega. Ter-se-ia tornado, assim, uma presa fácil de embusteiros[89]. É certo que ela adquiriu novas dívidas, mas esses observadores ignoram em geral o peso dos débitos herdados e a situação de endividamento da generalidade dos mercadores dos Rios.

Aparentemente, o seu primeiro investimento mal sucedido foi o tentado casamento com o governador Melo e Almeida, cujas alegadas extorsões – provavelmente a título de créditos - se traduziram no endividamento da viúva junto dos comerciantes da Ilha de Moçambique. Além disso, D. Francisca fez sociedades comerciais nem sempre bem sucedidas. Por exemplo, no final de 1790, na parceria com o seu sobrinho José Francisco de Araújo acabou lesada em mais de 30 pastas de ouro. A sua participação na travessia de África foi igualmente ruinosa. Para além da perda do valor de mais de um ano de mineração, o tempo em que as suas escravas estiveram ocupadas com a expedição, vários escravos seus faleceram na viagem e outros foram represados na volta pelo chefe Mucanda, obrigando D. Francisca ao seu resgate. No entanto, por esta altura ela mantinha crédito suficiente junto dos ricos comerciantes banianes de Moçambique, como Lacamichande Motichande, que lhe continuavam a fornecer as fazendas para o comércio[90].

Finalmente, parte dos seus rendimentos provinha da prestação de serviços à rede comercial que ligava Moçambique aos Rios. D. Francisca alugava as suas embarcações para o transporte de mercadorias no rio Zambeze[91]. Além disso, construíra três casas num terreno na vila foreiro à Coroa para alugar aos viajantes e comerciantes que se deslocavam a Tete[92].

Apesar das suas dívidas, em 1798, D. Francisca tinha ainda a casa  mais opulenta de Tete[93]. A sua ascensão social traduziu-se em sinais exteriores como a sua residência. Na década de 1760, vivia em casas de pedra, cal e adobe, cobertas de palha, como a generalidade das habitações dos moradores de Tete[94]. Posteriormente, essas casas foram cobertas de telha, uma das quatro existentes na vila em 1811[95].

A actividade e a estratégia económica de D. Francisca enquadram-se na perseguida por outros moradores dos Rios. Antes demais, o domínio das terras que, para além dos réditos moderados, eram fundamentais para manter a mão-de-obra empregue em actividades económicas consideradas mais lucrativas - o comércio e a mineração - e para assegurar o poder militar de cada senhor. Perante as dívidas que ameaçavam a sua situação económica, a sua estratégia  foi conseguir adiar o seu pagamento através de precatórias judiciais ou portarias governamentais, evitando assim desfazer-se do património que lhe dava prestígio e acumulava para os sobrinhos. O caso de D. Francisca é elucidativo do papel das donas na economia dos Rios envolvendo-se, em maior ou menor grau, em diversas actividades mesmo aquelas que, como o comércio, eram tradicionalmente reservadas aos homens.

 

A “senhora que tudo pisa com os pés”

D. Francisca adquiriu o nome africano de Chiponda, “senhora que tudo pisa com os pés”[96], provavelmente apenas depois da viuvez. Os seus maridos foram, pelo menos aparentemente, súbditos respeitosos[97]. João Moreira Pereira, se usou de firmeza enquanto governador dos Rios, nunca alcançou o protagonismo da mulher, tal como o seu sucessor, na casa de D. Francisca e na cadeira do governo, José Álvares Pereira. A notoriedade de D. Francisca, tanto no espaço português como africano, foi ganha no confronto com a administração portuguesa, com os outros foreiros e provavelmente também com os chefes africanos. Com efeito, a viúva soube usar o seu poder militar, enquanto senhora de Africanos, para ameaçar uns e outros, não se distinguindo de outros foreiros poderosos.  Terá sido em particular pelo uso da força armada que D. Francisca ganhou o nome de Chiponda.

O seu poder começava junto dos seus próprios dependentes africanos e, em particular, da sua escravatura, a “mais obediente entre as mais”[98]. A escravatura nos Rios, diferente da existente noutros espaços coloniais como o Novo Mundo ou as ilhas, baseava-se num sistema de dependência clientelar. Era difícil a utilização de meios de coacção, em particular a violência, pelo que o controlo social dos Africanos dos prazos dependia em larga media de processos de negociação[99]. A identificação com o senhor - traduzida no reconhecimento desfrutado entre os seus dependentes - era fundamental na mobilização das populações dos prazos para as actividades económicas e militares, assegurando assim o poder do foreiro. D. Francisca conseguiu criar laços de identidade com os seus dependentes africanos, beneficiando talvez da preponderância feminina na sociedade matrilinear marave, onde se localizava a maior parte das suas terras e donde provavelmente era originária a maioria dos seus cativos.

Usando os seus escravos armados, D. Francisca entrou em confronto com o governo dos Rios, iniciativa que lhe valeu uma celebridade ofuscadora de outros papéis desempenhados por ela. Num episódio pouco esclarecido, entrou em conflito, supostamente nos primeiros anos de 1780, com o então governador dos Rios António Manuel de Melo e Castro[100]. Ignoram-se os motivos que conduziram D. Francisca às suas terras da margem setentrional do rio Zambeze, onde juntou os seus dependentes e ameaçou destruir as casas do governador e arrasar a vila de Tete. Num relato oitocentista, ela teria mesmo reunido 30.0000 combatentes, número manifestamente exagerado, obrigando assim à capitulação de uma expedição ida de Moçambique, confundindo-se neste particular o incidente com outro anterior. O litígio parece não ter deixado testemunhos directos que permitam avaliar os seus contornos[101]. Embora casada e podendo o marido mediar a sua relação com a administração colonial, D. Francisca não se intimidou, agindo como outros senhores poderosos. Aliás, as notícias posteriores deste acontecimento centram-se na sua personalidade omitindo qualquer alusão ao marido. O episódio foi provavelmente ampliado e passou a fazer parte da representação das donas dos Rios, ilustrando o seu enorme poder face à administração.

Apesar da possível sobrevalorização daquele incidente, existem indícios de que o estatuto D. Francisca continuou a ser construído na oposição às autoridades dos Rios. Anos depois, em 1793, outro governador dos Rios, Cristovão de Azevedo Vasconcelos, um senhor de prazos, informava o governo-geral que a maior parte dos moradores de Tete era “muito obediente exceptuando D. Francisca de Jozefa Moura e Menezes, [que] não deixa de ter genio arrogante, e soberbo, e muitas vezes oposto a execução de algumas ordens como tem sucedido”[102].

É certo que D. Francisca era nesta altura suficientemente poderosa para não acatar as ordens do governador. Todavia, conhecendo-se a independência dos senhores dos prazos face aos governantes e nomeadamente os violentos conflitos que durante a década de 1790 opunham  diversos foreiros e estes à administração[103], a “obediência” de que fala o governador visava acentuar a imagem de D. Francisca como uma mulher rebelde.

A par do confronto directo, a sua relação com as autoridades coloniais pautou-se noutras circunstâncias pela colaboração. O caso mais conhecido é o do auxílio prestado a Francisco de Lacerda e Almeida na sua viagem através do continente africano. O apoio da foreira começou pelas informações prestadas ao governador por um seu escravo - que integrara uma anterior embaixada – sobre a rota até ao Kazembe[104]. Depois, perante a resistência dos moradores em disponibilizar escravos para servirem como carregadores e soldados na viagem, D. Francisca não só forneceu os 40 que lhe couberam por rateio, como se apressou a enviar mais 60 e, finalmente, dispensou 200 das suas escravas de mineração, assim incumbidas de um trabalho masculino. Por fim, graças às suas ordens, a sua escravatura terá sido a única a não abandonar o governador nos dias seguintes à partida de Tete[105].

A cooperação colhida pelo governador, em contraste com a oposição da maioria dos foreiros pouco interessados em desviar os seus escravos para actividades consideradas incertas, conduziu-o a opinar que D. Francisca “tem o timbre de não negar-se a qualquer coisa que seja necessário para o bem do Real Serviço, e nisto tem a sua vaidade”[106]. O apoio dispensado pela viúva servia, no entanto, o mesmo objectivo de preservação do seu estatuto na sociedade dos Rios. Com efeito, ela terá visto a sua participação no plano régio de ligação das duas costas de África como uma ocasião de enorme prestígio cujos ecos chegariam à corte. Tratava-se de obter da rainha o seu reconhecimento “como sua fiel, e amante vassala”, numa iniciativa geralmente apenas admitida aos homens. Além disso, a sua ajuda visava vantagens mais imediatas. De facto, o governador, já viúvo nos Rios e com uma filha menor, prestou-se a casar secretamente com D. Leonarda, a sobrinha educada por D. Francisca, o que era certamente um casamento muito acima das expectativas de ambas. Ademais, comprometera-se a ajudar a viúva a resgatar os débitos crescentes com os seus soldos. Por conseguinte, para D. Francisca, como ela alegava, estava também em causa o “desempenho” da sua casa e a manutenção do seu “respeito”[107]. Ou seja, através do apoio ao governador ela visava preservar o seu património material e simbólico.

A morte precoce de Lacerda e Almeida na corte do Kazembe frustrou os planos da viúva e as vicissitudes posteriores da expedição afectaram o seu investimento comercial. Assediada pelos credores, ela não hesitou em apelar para o governador de Moçambique e em escrever para o reino, para o cunhado do falecido governador e para o secretário de Estado D. Rodrigo de Sousa Coutinho[108]. O seu objectivo era alcançar uma moratória na cobrança das dívidas de modo a conseguir recuperar a sua situação económica. Pelo menos a sua iniciativa junto do governador-geral conduziu a recomendações que fizeram suster a pressão dos credores. Poder-se-ia supor que D. Francisca, já envelhecida nesta altura, estava mais disposta a acatar os ditames das autoridades. Todavia, ela afrontava com a firmeza habitual o juiz de Tete recusando o pagamento de uma alegada dívida ao seu sobrinho e impedindo a execução dos seus bens[109].

Provavelmente, o poder de D. Francisca foi também construído no confronto com outros senhores dos Rios. Ignora-se a ocorrência de anteriores litígios, mas ela protagonizou um conflito armado já no início de Oitocentos. Nesta altura, a sua terra de fatiota Bamboe foi leiloada, talvez por dívidas, e o novo proprietário tomou posse legal da terra. Tal não impediu D. Francisca de armar os seus escravos, mantendo-se na posse efectiva da terra de que se arrogava proprietária[110].

Sabe-se menos sobre o relacionamento da Chiponda com as sociedades africanas vizinhas onde desfrutava igualmente de grande notoriedade. Quando Lacerda e Almeida preparava a expedição para atingir a Angola, encontrava-se em Tete o príncipe Mussidansaro, um Bisa que chefiava uma missão comercial do Kazembe à vila portuguesa. O rei pedira pelo seu embaixador que D. Francisca lhe mandasse um filho e ela recomendou-lhe o governador. Mussidansaro terá aceite que Lacerda e Almeida era filho ou pelo menos sujeito a D. Francisca porque, como explicou o governador,

“tendo a dita Senhora entre os cafres, e brancos tambem, o justo epiteto de grande e como tal, considerando-me eles inferior a ela me tinham por seu filho, bem como eles chamam filhos a todos que estão sujeitos”[111].

O qualificativo de “grande” de D. Francisca chegara por esta altura ao Kazembe quer através das caravanas bisa que asseguravam o comércio entre aquele reino e Tete quer pela embaixada que ela enviara antes. As relações entre os Portugueses e o Kazembe passaram, por conseguinte, pela mediação de D. Francisca. Ela assumia, assim, um papel informal de carácter diplomático absolutamente singular na sociedade colonial portuguesa. Tal era possível pelo papel institucional que as mulheres desempenhavam na diplomacia dos Estados africanos da região

O prestígio que granjeou entre Africanos e Portugueses, manteve-o até à sua morte em 1824 ou 1825[112]. Numa representação ao ouvidor-geral contra um seu sobrinho, os moradores de Tete ressalvavam a posição de D. Francisca, assegurando que a ela todos respeitavam “com seria veneração”[113]. O estatuto alcançado por D. Francisca exemplifica o processo de construção das relações de género na sociedade dos Rios. Num sistema patriarcal como o introduzido pelos Portugueses na região dos Rios de Sena, as mulheres tinham de negociar constantemente o poder tal como fez D. Francisca Josefa de Moura Meneses.

 

Conclusões

Provavelmente na viragem para o século XVIII, ocorreram transformações históricas que possibilitaram uma redefinição do papel das senhoras dos prazos dos Rios de Sena. Nessa altura, novas orientações na política colonial associadas a uma elevada mortalidade dos colonizadores europeus, cuja substituição não foi assegurada, permitiram às mulheres entrar na posse de um elevado número de terras. Durante Setecentos, e provavelmente também depois deste período, elas tiveram, assim, oportunidades semelhantes às dos homens no acesso aos recursos económicos. A maioria destas mulheres eram mestiças, descendentes de Africanos, Portugueses e Indianos, mas também existiam Goesas e provavelmente um número insignificante de reinóis. Nesta altura, a questão da raça não era, em geral, relevante no processo de concessão dos prazos, desde que as beneficiadas fossem consideradas súbditas da Coroa portuguesa e pertencessem à elite dos Rios ou de outras regiões do império.

As autoridades esperavam que as mulheres detentoras de títulos fundiários se confinassem à vida doméstica enquanto os seus maridos geriam os bens como cabeças de casal. No entanto, aproveitando o controlo das terras e das suas populações e beneficiando do preponderância das mulheres nas sociedades africanas da região, elas definiram para si um desempenho diverso. Muitas administravam as terras da Coroa e os negócios que lhes estavam associados, não dispondo apenas de influência mas cumprindo um papel institucional reconhecido. Elas encontraram-se, assim, a desempenhar papéis semelhantes aos dos seus parceiros masculinos. O estatuto das donas foi construído principalmente pelas mestiças, mas mulheres estrangeiras, principalmente Goesas, adquiriram uma posição semelhante. Mais do que a cor da pele, na construção do poder destas mulheres importava a sua capacidade de inserção na sociedade dos Rios.

De facto, nos Rios de Sena, onde as forças militares regulares eram reduzidas e a autoridade colonial frágil, o poder estava principalmente nas mãos dos senhores dos prazos capazes de mobilizar as populações africanas das suas terras não só para as actividades económicas, como também militares. As mulheres tiveram, assim, oportunidades idênticas, ou provavelmente superiores, às dos seus parceiros masculinos de recrutar as populações para construir o seu poder. Na verdade, devido à preponderância feminina nas sociedades africanas da região, elas foram, por vezes, capazes de dispor do apoio dos seus dependentes africanos mais facilmente do que os homens, sobretudo os recém-chegados. No cumprimento do papel de foreiro não existiam aparentemente diferenças entre homens e mulheres, isto é, o exercício do poder era indistinto do género.

Parece ter sido fundamentalmente a classe – com o controlo de terras, bens e gente que lhe estava associado - a possibilitar o enorme poder das donas como dos outros foreiros. É necessário, contudo, ter em conta, que no seio da elite dos senhores dos prazos existiam também diferenciações sociais. As donas mais notórias eram certamente as que dispunham de mais terras e dependentes. Todavia, um conhecimento mais aprofundado dos papéis e dos estatutos das mulheres nos Rios de Sena implica não só mais estudos sobre as donas dos prazos como também sobre os restantes grupos de mulheres que não faziam parte da elite detentora de prazos.

 

Fontes e Bibliografia
Fontes

Fontes Impressas

 ALMEIDA, Francisco José de Lacerda e, 1944, Diários de viagem, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional

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[1]Mestre em Literatura e Cultura dos Países Africanos de Expressão Portuguesa e Doutoranda em História dos Descobrimentos e da Expansão pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Assistente de Investigação do Instituto de Investigação Científica e Tropical, Lisboa e bolseira da Fundação Oriente.

[2] BOXER 1975:84.

[3] LOBATO 1957; LOBATO 1962; ISAACMAN 1972; NEWITT 1973; NEWITT 1995:217-242; REA 1976; CAPELA 1995; RODRIGUES 1998b.

[4] Sobre a participação feminina na expansão, nomeadamente no Estado da Índia, ver SANCEAU 1961; SANCEAU 1979; BOXER 1975:63-96; COATES 1998:191-274. Sobre a presença de mulheres nas naus, ver MICELLI 1995; D'ARMADA 1995.

[5] J. Capela sugere que seriam prostitutas. CAPELA 1996:69-70.

[6] CAPELA 1996:73; COATES 1998:220; Sobre esta expedição ver AXELSON 1969:144-154; NEWITT 1973:64-66.

[7] Arquivo Português Oriental 1937: tom.IV, vol.II, p.te II,99-101.

[8] Dos restantes prazos, 2 permaneciam na posse de chefes africanos vassalos da Coroa portuguesa, 7 estavam nas mãos de corporações religiosas e 59 entregues a homens. RODRIGUES 1998b.

[9] Carta régia para o vice-rei da Índia, 14 de Fevereiro de 1626, IAN/TT, Livro das Monções nº23, fl.314.

[10] J. Capela defende que a lei foi introduzida com o objectivo de dotar as mulheres chegadas aos Rios de Sena na expedição de 1677. Tratar-se-ia da aplicação da lei de 1626 dirigida ao Estado da Índia e, portanto, a Moçambique. Porém, aquela lei referia-se especificamente às Províncias do Norte. Ver CAPELA 1996:21-22. M. Newitt indica as primeiras décadas do século XVIII como o período provável da introdução dessa alegada obrigatoriedade. No entanto, como se verá adiante, já antes algumas cartas de aforamento incluíam a condição de a sucessão se fazer por linha feminina. NEWITT 1973:66-67;97.

[11]  Carta do príncipe para o vice-rei, 14 de Março de 1675, in THEAL 1898-1903:vol.IV, 366-367.

[12] Vejam-se, por exemplo, as confirmações de aforamentos feitas pelo vice-rei D. Pedro António de Noronha, conde de Vilaverde, entre 1696 e 1699. HAG, Cód.429, passim.

[13] Não cabe aqui enumerar todas as ordens relativas a este assunto. No entanto, vejam-se, por exemplo, as que são referidas na Carta régia para o vice-rei D. Pedro António de Noronha, 20 de Dezembro de 1692, HGA, Livro das Monções n1 58, Cód.67, fl.202.

[14] Cópia do ' 181 das Instruções Régias de 20 de Abril de 1752, AHU, Moç., Cx.11, doc.17. Ver igualmente Carta de Francisco de Melo e Castro para o secretário de Estado, 22 de Novembro de 1753, AHU, Moç., Cx.8, doc.45.

[15] Cópia do Aviso Régio de 7 de Abril de 1755, AHU, Moç., Cx.11, doc.17.

[16] Entre os autores modernos, A. Lobato foi o que mais insistiu nesse aspecto. Veja-se, por exemplo, LOBATO 1957:216-218. Em certa medida, também M. Newitt perfilha essa tese. NEWITT 1973:68; NEWITT 1995:224;229

[17] NEWITT 1973:159.

[18] Não se consideraram as terras aforadas a instituições, como as ordens religiosas e as Câmaras, as arrendadas – neste caso, a homens -, e em comisso bem como as oferecidas pouco antes pelo rei do Barue, mantidas pelos Portugueses durante pouco tempo. Ver Relação das Terras da Coroa dos Rios de Sena, 14 de Agosto de 1760, AHU, Moç., Cx.18, doc.57.

[19] RODRIGUES 1999.

[20] Adopta-se aqui o conceito de casa abrangendo não apenas os bens materiais como também o património simbólico a cuja reprodução estavam compelidos os familiares biológicos, dependentes e criados. Ver MONTEIRO 1998:79-97.

[21] BOXER 1975:75-77.

[22] BOXER 1975:16-23. Sobre as mulheres em S. Tomé e Príncipe ver também CALDEIRA 1995; CALDEIRA 1999; SOUSA 1995.

[23] CAPELA 1996:71-79.

[24] NEWITT 1995:230-231.

[25] GAMITO 1937:I,37. Por desconhecimento da grafia actual, optou-se por manter a original. Os homens no mesmo cargo designavam-se afumu. Ver também CASTRO 1763:140.

[26] MUDENGE 1988:104-110.

[27] O conceito de negociação nas relações de género foi desenvolvido em MOHAMMED 1995.

[28] Um recenseamento das donas mais conhecidas dos séculos XVIII e XIX encontra-se em CAPELA 1996:81-99.

[29] MIRANDA c.1766:254.

[30] Frei João de Santana, “Escuridades Ethiopicas”, 1786, (escrito em 1767), BN-L, Cód.11.550, fls.16-17.

[31] Simoni, Luís Vicente de, Tratado Medico sobre Clima e Enfermidades de Moçambique, 1821, BN-RJ, Secção de Manuscritos, Cód. I-26-18-22, fl.46v.

[32] Carta de Sisnando Dias Baião para Belchior Teixeira, 22 de Julho de 1644, in BOXER 1938:11-13.

[33] Carta do vice-rei D. Luís de Meneses para D. Catarina Gomes Nobre, 20 de Janeiro de 1720, HAG, Cód.784, fl.124; Carta do vice-rei Francisco José de Sampaio e Castro para o tenente-general Anselmo Morais da Fonseca, 20 de Janeiro de 1721, HAG, Cód.784, fl.126-126v; Carta do vice-rei João de Saldanha da Gama para D. Francisco de Alarcão Soutomaior, [...] Janeiro de 1729, HAG, Cód.2323, fl.33.

[34] Carta do vice-rei D. Luís de Meneses para o tenente-general dos Rios Anselmo da Fonseca Freire, 25 de Janeiro de 1718, HAG, Cód.784, fl.114.

[35] Carta do governador-geral Francisco de Melo e Castro para o secretário de Estado Tomé Joaquim da Costa Corte Real, 11 de Agosto de 1756, AHU, Cód.1309, fls.17v-20. Sobre a história de D. Inês Gracias Cardoso ver ANTUNES 1995.

[36] Carta do governador dos Rios José Caetano da Mota para o governador-geral Baltazar Pereira do Lago, 19 de Fevereiro de 1767, AHU, Moç., Cx.27, doc.32; Carta do governador-geral Baltazar Pereira do Lago para o secretário de Estado, 19 de Agosto de 1767, AHU, Moç., Cx.27, doc.90.

[37] Uma referência biográfica de D. Francisca Josefa de Moura Meneses e as suas irmãs encontra-se em CAPELA 1996: 83-85.

[38] D. Filipa de Sousa fora antes casada com Paulo Nunes e obteve carta de confirmação do vice-rei a 21 Agosto de 1723. Posteriormente nomeou a terra na filha menor Maria do Rosário que teve confirmação em 6 de Janeiro de 1738. Carta de confirmação do aforamento da terra Cande, 21 de Agosto de 1723, HAG, Cód.437, fls.4v; Carta de aforamento da terra Cande, 6 de Janeiro de 1738, HAG, Cód.7573, fls.190-190v. Numa relação de prazos de c.a 1750, a terra Cande é atribuída a Pascoal de Meneses (LOBATO 1957:232) porque aquela tinha morrido e o pai lhe sucedera no prazo ou, mais provavelmente, porque o autor da relação refere o chefe de família e não a titular da terra.

[39] “Rellação das Terras da Coroa, e Emfatiotas, que pessuem os Moradores da Villa de Tette”, c. 1777, AHU, Moç., Cx.32, doc.23. Sobre a expansão dos moradores de Tete para o território a norte do Zambeze, ver RODRIGUES 1998.

[40] Carta de confirmação de aforamento da terra Dossa, 6 de Janeiro de 1749, HAG, Cód.2828, fls.126v-127v.

[41] COURTOIS 1889:38; Lista dos voluntários para a Índia na monção de 1749, BN-L, Res., Cód.1603, fls.44-45.

[42] Carta patente de capitão-mor dos Rios, 12 de Janeiro de 1750, HAG, Cód.444, fl.127.

[43] Carta de confirmação de aforamento da terra Dossa, 6 de Janeiro de 1749, HAG, Cód.2828, fls.126v-127v. Sobre a terra Pandoe, ver “Rellação das Terras da Coroa, e Emfatiotas, que pessuem os Moradores da Villa de Tette”, c.1777, AHU, Moç., Cx.32, doc.23.

[44] Filho do Dr. Lourenço dos Reis Moreira e de D. Maria Antónia Teodora de Carvalho ofereceu-se como voluntário provavelmente por influência do irmão, José Procópio dos Reis Moreira, capitão do barco de viagem para a Índia com 18 anos de serviço. Consulta do Conselho Ultramarino, 22 de Março de 1754, IAN/TT, Ministério do Reino, Maç.312, Cx.417 (s/n1 de doc.).

[45] “Rellação das Terras da Coroa, e Emfatiotas, que pessuem os Moradores da Villa de Tette”, c.1777, AHU, Moç., Cx.32, doc.23.

[46] MIRANDA c.1766:297.

[47] D. Catarina era já viúva em 1767 quando o governador-geral a  tentou casar com um militar de Moçambique, Dionísio José Velho. Este exigia que ela lhe pagasse as dívidas e o recompensasse pela perda do cargo. Faltam informações sobre este casamento que provavelmente não se concretizou. Carta do governador de Moçambique Baltazar Pereira do Lago para o governador dos Rios Inácio de Melo e Alvim, 13 de Outubro de 1767, AHU, Cód.1328, fls.161-161v. Ver também a Carta do comandante de Tete Manuel Gomes Nobre para o governador-geral Pedro Saldanha de Albuquerque, 12 de Abril de 1760, AHU, Cód.1317, fls.220v-222; MIRANDA c.1766:261.

[48] Provisão passada a João Moreira Pereira, [...] Abril de 1762, AHU, Cód.1324, fls.6-6v.

[49] A nomeação para o cargo suscitaria ofertas de três mil cruzados. Ver, por exemplo, Carta do governador-geral Baltazar Pereira do Lago para o capitão-mor do Zimbabué João Moreira Pereira, 2 de Dezembro de 1765, AHU, Cód.1325, fls.105-106.

[50] Certidão passada pelo escrivão da Câmara de Tete Pascoal Ferreira, 3 de Maio de 1764, IAN/TT, Ministério do Reino, Mç.316, Cx.424.

[51] Carta do governador-geral Baltazar Pereira do Lago para o secretário de Estado, 10 de Agosto 1772, AHU, Cód.1332, fls.74-75. Já em 1759, obtivera a via de sucessão desse cargo mas não chegou a desempenhá-lo na altura. Segunda via de sucessão no governo dos Rios de Sena, 25 de Janeiro de 1759, BN-L, Res., Av., Ms.42, n134.

[52] COURTOIS 1889:38.

[53] Carta do governador dos Rios Inácio de Melo e Alvim, 3 de Fevereiro de 1769 in Inventário do Fundo do Século XVIII, 1958:115-118.

[54] Sobre os senados dos Rios e, em particular, a administração da justiça, ver RODRIGUES 1998a.

[55] Ver, por exemplo, Cartas (duas) do governador-geral Baltazar Pereira do Lago para o governador dos Rios Inácio de Melo e Alvim, 5 de Abril de 1769, AHU, Cód.1328, fls.222v-223v; Carta do governador-geral Baltazar Pereira do Lago para o governador dos Rios Inácio de Melo e Alvim, 5 de Abril de 1769, AHU, Cód.1336, fls.14-14v.

[56] Provisão do governador dos Rios Bernardo Caetano de Sá Botelho, 25 de Setembro de 1759, AHU, Moç., Cx.16, doc.43; Auto de inventário, sequestro e leilão dos bens dos jesuítas da casa de Marangue, 22 de Abril de 1760, AHU, Moç., Cx.17, doc.72; Auto de inventário, sequestro e leilão dos bens dos jesuítas da casa de Tete, 22 de Abril de 1760, AHU, Moç., Cx.17, doc.73.

[57] CASTRO 1763: 148. Relação das terras do distrito de Tete, 3 de Maio de 1780, AHU, Moç., Cx.33, doc.78.

[58] Moreira Pereira participou nas campanhas contra o régulo Bive em 1753 e contra a princesa Sazora cerca de 1770. Ver RODRIGUES 1998; Carta de aforamento da terra Chivoze, 8 de Janeiro de 1772, AHU, Moç., Cx.42, doc.33.

[59] Carta de aforamento da terra Camucope, 7 de Outubro de 1766, AHU, Cód.1330, fls.3v-6.

[60] Carta do governador-geral Baltazar Pereira do Lago para o secretário de Estado, 18 de Agosto de 1767, AHU, Moç., Cx.27, doc.75; Cartas do governador dos Rios João Moreira Pereira para o governador-geral Baltazar Pereira do Lago, 7 e 8 de Fevereiro de 1774, AHU, Moç., Cx.31, doc.2.

[61] Carta do comandante de Tete José Alves Pereira para o governador dos Rios António de Melo de Castro, 6 de Maio de 1780, AHU, Moç., Cx.33, doc.78.

[62] Em 4 de Setembro de 1787, na sequência da sua morte, foi nomeado outro governador. Ver Instrução do governador-geral António M. de Melo e Castro para o governador dos Rios José Álvares Pereira, 30 de Janeiro de 1786, AHU, Cod.1358, fl.51v-55; Carta do governador-geral António M. de Melo e Castro para o governador dos Rios Cristóvão de Azevedo e Vasconcelos, 4 de Setembro de 1787, AHU, Cod.1358, fl.60v-61; Carta do governador-geral António Melo e Castro para o secretário de Estado Martinho de Melo e Castro, 22 de Agosto de 1786, AHU, Moç., Cx.52, doc.30.

[63] Denúncia de Manuel do Nascimento Nunes, posterior a 28 de Novembro de 1795, AHU, Moç., Cx.72, doc.58. Esta denúncia é confirmada pela informação à margem do governador-geral D. Diogo de Sousa.

[64] EÇA 1951:98-99.

[65] Ana Francisca foi baptizada em 31 de Outubro de 1756 e faleceu antes de 29 de Junho de 1760. COURTOIS 1889:27. Provisão da terras Inhamatantoe e Damoe passada a João Moreira Pereira, 29 de Junho de 1760, AHU, Cód.1318, fls.144-145.

[66] Saliente-se que o casal usufruiria desses bens até ao casamento das sobrinhas. Requerimento de José Gomes de Araújo ao governador-geral Pedro Saldanha de Albuquerque, anterior a 13 de Maio de 1783, Instrumento público de doação feita por João Moreira Pereira e Francisca Josefa de Moura Meneses, 21 de Dezembro de 1775, Carta de aforamento da terra Chivoze, 8 de Janeiro de 1772, AHU, Moç., Cx.42, doc.33; Requerimento de D. Filipa Maria Xavier de Moura Meneses ao governador-geral Francisco Guedes de Carvalho Meneses da Costa, anterior a 9 de Junho de 1799, AHU, Moç., Cx.83, doc.2.

[67]Carta que Dona Francisca Josefa de Moura e Meneses enviou de Tete ao P.e José Craveiro de Faria”, 9 de Março de 1800, in EÇA 1951:202-205; Relação das terras que possui Joaquim Francisco Colaço por cabeça de D. Leonarda Octaviano Reis Moreira, 2 de Junho de 1801, AHU, Moç., Cx.88, doc.18.

[68] Era seu sobrinho neto, filho da sua sobrinha Ana de Carvalho e de José Gomes de Araújo. Requerimento de Vitorino José Gomes de Araújo ao governador dos Rios Cristovão Azevedo Vasconcelos, anterior a 26 de Julho de 1783, AHU, Moç., Cx.65, doc.4; “Carta que Dona Francisca de Moura e Meneses enviou de Tete ao P.e José Craveiro de Faria”, 9 de Março de 1800, in EÇA 1951:202-205; Carta do governador-geral Isidro Almeida Sousa e Sá para o governador dos Rios Jerónimo Pereira, 16 de Outubro de 1801, AHU, Cód.1358, fls.239v-240.

[69] Carta de João Batista Octaviano dos Reis Moreira para o governador dos Rios João Filipe de Carvalho, 27 de Maio de 1803, AHU, Moç., Cx.99, doc.83.

[70] “Rellação das Terras da Coroa, e Emfatiotas, que pessuem os Moradores da Villa de Tette”, c.1777, AHU, Moç., Cx.32, doc.23; Relação das terras do distrito de Tete, 3 de Maio de 1780, AHU, Moç., Cx.33, doc.78.

[71] Carta do governador dos Rios Evaristo José Pereira da Cruz para o governador-geral Baltazar Pereira do Lago, 3 de Novembro de 1776, AHU, Moç., Cx.32, doc.14; “Rellação das Terras da Coroa, e Emfatiotas, que pessuem os Moradores da Villa de Tette”, c. 1777, AHU, Cx.32, doc.23

[72] “Rellação das Terras da Coroa, e Emfatiotas, que pessuem os Moradores da Villa de Tette”, c.1777, AHU, Moç., Cx.32, doc.23.

[73] Relação de prazos da Coroa, 28 de Janeiro de 1798, AHU, Moç., Cx.84, doc.13.

[74] É possível que não estejam incluídas as terras consideradas “desertas” ou “invadidas” pelos príncipes do Monomotapa. Relação das terras que possue D. Francisca Josefa de Moura Meneses, 2 de Junho de 1801, AHU, Moç., Cx.88, doc.15.

[75] MIRANDA c.1766: 294-300.

[76]Carta que D. Francisca Josefa de Moura e Meneses enviou de Tete a D. Rodrigo de Sousa Coutinho”, 10 de Março de 1880, in EÇA 1951:205-209.

[77] Ver MIRANDA c. 1766:255-265.

[78] “Rellação da Gente que hão de dar os Moradores da Villa de Tette”, 16 de Outubro de 1794, AHU, Moç., Cx.69, doc.16.

[79] Carta (fragmento) não assinada para António da Cruz e Almeida, s/d, [1798], AHU, Moç., Cx.81, doc.92.

[80] Carta de D. Francisca Josefa de Moreira e Meneses ao Capitão-General, 9 de Março de 1800, Inventário do Fundo do Século XVIII 1958:252-256; Carta de Joaquim Colaço para o governador dos Rios João Filipe de Carvalho, 27 de Maio de 1803, AHU, Moç., Cx.99, doc.83.

[81] Carta de Joaquim Francisco Colaço para o governador dos Rios João Filipe de Carvalho, 16 de Maio de 1803, AHU, Moç., Cx.99, doc.79.

[82] SILVA 1788:316.

[83] ALMEIDA 1944:202.

[84] SILVA 1788:316.

[85] GAMITO 1937:43. Cada pasta continha 2 marcos, três onças e 4 oitavas, o equivalente a 1.000 cruzados. SILVA 1788:316.

[86] ALMEIDA 1944:190-192. PINTO 1799:302-303. As relações comerciais com o Kazembe foram iniciadas em 1793 através dos mercadores bisa sujeitos àquele rei. Em 1796, os moradores de Tete enviaram a primeira expedição comercial àquele reino. Ver “Noticias dadas por Manoel Caetano Pereira” in MÚRIAS 1936:384-395.

[87] D. Francisca e Caetano Pereira respondiam também a um pedido do rei para lhe enviarem porcos o que indicia um contacto regular com o Kazembe, apenas suspenso pelas guerras naquela rota como acontecera nos quatro anos anteriores. Ver “Relatórios do pombeiro Pedro João Baptista”, 1811, in AMARAL e AMARAL 1984:46.

[88] Ver, por exemplo, Denúncia de Manuel do Nascimento Nunes, posterior a 28 de Novembro de 1795, AHU, Moç., Cx.72, doc.58; Carta do governador dos Rios Jerónimo Pereira para o governador-geral, 22 de Julho de 1800, in Inventário do Fundo do Século XVIII, 1958:181-182; Carta de D. Francisca Josefa de Moreira e Meneses ao Capitão-General, 9 de Março de 1800, Inventário do Fundo do Século XVIII, 1958:252-256.

[89] Denúncia de Manuel do Nascimento Nunes, posterior a 28 de Novembro de 1795, e a informação à margem do governador-geral D. Diogo de Sousa AHU, Moç., Cx.72, doc.58. GAMITO 1937:44.

[90] Carta do governador dos Rios Jerónimo Pereira para o governador-geral, 22 de Julho de 1800, in Inventário do Fundo do Século XVIII, 1958:181-182; Carta de D. Francisca Josefa de Moreira e Meneses ao Capitão-General, 9 de Março de 1800, Inventário do Fundo do Século XVIII, 1958:252-256.

[91] Ver, por exemplo, os pagamentos feitos pela feitoria de Tete no Balanço da feitoria da vila de Tete de 1800, 1 de Janeiro de 1801, AHU, Moç., Cx.87, doc.1.

[92] Carta do governador dos Rios João de Sousa e Brito para o governador-geral D. Diogo de Sousa, 17 de Março de 1796, AHU, Moç., Cx.73, doc.78.

[93] Carta do governador dos Rios Francisco de Lacerda e Almeida para a rainha, 22 de Março de 1798, AHU, Moç., Cx.80, doc.86.

[94] MIRANDA c.1766:264.

[95] As outras pertenciam a sua irmã D. Filipa, a D. Paula de Mascarenhas e Joaquim Correia Craveiro Sá Barreiros. Ver “Relatórios do pombeiro Pedro João Baptista”, 1811, in AMARAL e AMARAL 1984:53.

[96] ALMEIDA 1944: 211; Simoni, Luís Vicente de, Tratado Medico sobre Clima e Enfermidades de Moçambique, 1821, BN-RJ, Secção de Manuscritos, Cód. I-26-18-22, fl.46V. Na versão do pombeiro angolano P. J. Baptista seria Quibonda. “Relatórios do pombeiro Pedro João Baptista”, 1811, in AMARAL e AMARAL 1984:53.

[97] É certo que João Moreira Pereira e o cunhado Inácio Octaviano Reis Moreira foram acusados de intriguistas pela “demasiada soberba, que praticam querendo ser mais fidalgos, e mais ricos, que os outros”. Carta do governador dos Rios Inácio de Melo e Alvim, 23 de Janeiro de 1770 in Inventário do Fundo do Século XVIII, 1958:115-118.146-149.

[98] Cópia de uma carta (fragmento) não assinada para António da Cruz e Almeida, s/d, [1798], AHU, Moç., Cx.81, doc.92. Ver igualmente ALMEIDA 1944:208-210.

[99] Tal não significa que a violência não tivesse sido usada pelos foreiros e pela administração.

[100]António de Melo e Castro foi nomeado, por alvará régio, a 18 de Março de 1779 e governou entre, provavelmente, o final desse ano e o início de 1786, quando abandonou os Rios para tomar posse do governo-geral a 11 de Março. Alvará régio, 18 de Março de 1779, AHU, Moç., Cx.32, doc.76; Carta do governador-geral António Melo e Castro para o secretário de Estado Martinho de Melo e Castro, 22 de Agosto de 1786, AHU, Moç., Cx.52, doc.30.

[101]Não consegui encontrar qualquer documento coevo sobre este conflito, mesmo no prolixo epistolário do governador Melo e Castro. É, contudo, possível que o episódio tenha ocorrido durante o governo do seu primo Agostinho de Melo e Almeida, quando Melo e Castro já era governador de Moçambique, e fosse relacionado com as alegadas extorsões a D. Francisca. Sobre o episódio, ver Carta do governador dos Rios Francisco de Lacerda e Almeida para a rainha, 22 de Março de 1798, AHU, Moç., Cx.80, doc.86; Simoni, Luís Vicente de, Tratado Medico sobre Clima e Enfermidades de Moçambique, 1821, BN-RJ, Secção de Manuscritos, Cód. I-26-18-22, fls.46V-47.

[102]Carta do governador dos Rios Cristovão de Azevedo Vasconcelos para o governador-geral D. Diogo de Sousa, 13 de Julho de 1793, AHU, Moç., Cx.65, doc.2.

[103]Ver RODRIGUES 1998a.

[104]ALMEIDA 1944:190,241.

[105]ALMEIDA 1944: 190-210; Cópia de uma carta (fragmento) não assinada para António da Cruz e Almeida, s/d, [1798], AHU, Moç., Cx.81, doc.92. A deserção dos escravos recrutados para diversos serviços da administração era uma estratégia usada por eles e pelos seus senhores para se eximirem às ordens dos governantes sem os afrontarem directamente.

[106]ALMEIDA 1944:190.

[107]Carta de D. Francisca Josefa de Moreira e Meneses ao Capitão-General, 9 de Março de 1800, in Inventário do Fundo do Século XVIII, 1958:252-256. Ver também Carta que D. Francisca Josefa de Moura e Meneses enviou de Tete a D. Rodrigo de Sousa Coutinho, 10 de Março de 1880 in EÇA 1951:205-209.

[108]Carta de D. Francisca Josefa de Moreira e Meneses ao Capitão-General, 9 de Março de 1800, in Inventário do Fundo do Século XVIII, 1958:252-256; “Carta que Dona Francisca Josefa de Moura e Meneses enviou de Tete ao P.e José Craveiro de Faria”, 9 de Março de 1800 in EÇA 1951:202-205; “Carta que D. Francisca Josefa de Moura e Meneses enviou de Tete a D. Rodrigo de Sousa Coutinho”, 10 de Março de 1880 in EÇA 1951:205-209.

[109]Carta do governador dos Rios Jerónimo Pereira para o governador-geral, 22 de Julho de 1800, in Inventário do Fundo do Século XVIII, 1958: 181-182.

[110]Carta de Pascoal José Rodrigues para o governador dos Rios João Filipe de Carvalho, 26 de Maio de 1803, AHU, Moç., Cx.99, doc.83.

[111]ALMEIDA 1944:214. Sobre a embaixada do Kazembe ver também Cópia de uma carta [fragmento] não assinada para António da Cruz e Almeida, s/d, [1798], AHU, Moç., Cx.81, doc.92.

[112]GAMITO 1937:43.

[113]Representação dos moradores de Tete ao ouvidor-geral, s/d [c.1817], AN-RJ, Cx.669, Pac.1a, doc.32.