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Grupo de Trabalho 1
“O que o silêncio revela. Um estudo sobre a juventude negra em escolas públicas da periferia paulistana.”

Ana Maria de Niemeyer [1]
Maria José Santos Silva

Introdução [2]

No contexto do processo de exclusão que atinge as classes menos favorecidas de nossa sociedade,  os “negros” e “pardos” são os segmentos que “estruturalmente têm uma probabilidade maior de serem excluídos”:  são os mais prejudicados, tanto no que diz respeito à escolarização[3], quanto ao salário e às oportunidades de competição no mercado de trabalho[4].  Existem, porém,  questões que agravam a  exclusão desses segmentos e que não têm sido tratadas pelos estudos econômicos e sociológicos que se ocupam de fenômenos a nível macro; entre elas encontram-se: a discriminação, o preconceito e o racismo que   são vivenciados cotidianamente  pelos alunos e alunas negras das escolas públicas, tanto dentro quanto fora do espaço escolar, afetando a auto-estima, tendo reflexos no  aprendizado e  sendo uma das causas da evasão escolar. O  silenciamento a respeito dessas questões, por parte do corpo docente,  torna mais aguda  essa situação. [5] No projeto que comentamos neste texto, e que está sendo desenvolvido em duas escolas -EEEFM Francisco Brasiliense Fusco e EMEF Ministro Synésio Rocha-  localizadas em uma mesma rua do  Jardim Umarizal, Campo Limpo, zona sul paulistana,    nos propomos entender  como essas questões ocorrem no dia a dia da juventude negra,  tomando como foco as relações  interétnicas e  a dinâmica de gênero.[6] Nessas escolas a  maioria do corpo discente  é  mestiça e negra e  mora em grandes conjuntos residenciais de classe média baixa e em favelas. Há  uma parcela significativa de estudantes que   pertence à segunda geração de migrantes  originária de estados do nordeste.

Nosso projeto está situado na linha de financiamento da  FAPESP, Incentivo à Melhoria do Ensino Público, que tem como objetivo a produção de conhecimento científico e a realização de ações pedagógicas  nas escolas públicas do Estado de São Paulo. [7] Como trata-se de um projeto antropológico,  lidamos com estes dois objetivos tentando manter três etapas: na primeira fazemos pesquisa,  na segunda transformamos os dados obtidos  em  conhecimentos científicos, e, na terceira, divulgamos estes conhecimentos nas escolas através de orientações ao corpo docente, e  por meio de palestras, vídeos , filmes e exposições dirigidas ao corpo discente. 

Para descortinar o ponto de vista de dentro a respeito dos temas que elegemos como prioritários, trabalhamos com linguagens audio-visuais [8] e teatrais, que são as que mais interessam à juventude dessas escolas. Temos duas Oficinas, uma de Video, e outra de  Teatro de Reprise e Música [9]. Criamos também técnicas de pesquisa que são empregadas pelos professores e professoras em sala de aula. Um de nossos métodos mais importantes  é o confronto de interpretações dos sujeitos presentes nas oficinas e nas  classes onde realizamos pesquisas, referentes a um tema específico.  Deste modo pretendemos captar um campo de representações o mais  amplo possível . Apresentaremos nesta comunicação informações recolhidas em uma dessas escolas, EEEFM Francisco Brasiliense Fusco , e analisaremos exemplos de duas dessas técnicas, que vimos de mencionar : a) Pesquisa sobre apelidos e b) Diferentes versões, escritas pelos/as estudantes, para um texto, “Essa estória fala sobre o racismo”, de autoria de uma menina negra  da 6a série. [10]

 

Apelidos [11]

Humilhação é um dos sentimentos mais constantes expressos nas poesias dos alunos e alunas negras. Entre os atos que causam humilhação estão os xingamentos. A atribuição de apelidos depreciativos, vista como xingamento, é um mecanismo que contribui para essa humilhação.

Entre os critérios de base utilizados para classificar os outros através de alcunhas têm-se: local de nascimento, aspecto físico relacionado à etnia e/ou à  particularidade física vista como defeito, tipo ou detalhe da roupa vestida pela pessoa apelidada, associação com local e tipo de moradia, referência à localidade onde a pessoa nasceu, modo de ser e comportamento social.[12] Na faixa de idade entre 11 e 13 anos, os apelidos são dados pelos colegas da escola e,  entre os mais velhos, são atribuídos pelos colegas de escola e de trabalho. A maioria prefere ser chamada pelo nome, não gosta do apelido, mas acaba se conformando.

Observemos como o uso de categorias especiais para designar alguém, em vez do emprego do nome ou do sobrenome,  remete às dinâmicas interétnicas e de gênero  na escola.

Uma moça de 16 anos (6a série) acha chato que na escola a chamem de baiana porque:  vim da Bahia, porque tenho o sotaque de baiano.

Uma outra aluna, da primeira série do antigo colegial, relatou uma situação vivenciada por um colega:

   Onde eu trabalho tem um rapaz chamado [Irineu], só que no trabalho as pessoas chamam ele de Negão, só que ele não gosta deste apelido que deram para ele. O motivo de chamar ele de Negão é porque ele é negro, e ele acha que as pessoas ainda vive no racismo e preconceito Por isso é que ele não gosta deste apelido!   [13]

Outros apelidos  levantados nos trabalhos analisados por nós: a) Para meninos negros — Caixotinho de Carvão; Neguinho; Pelé; Negão e Churrasco Queimado ; b) Para meninas negras — Prestígio, porque é preto por fora e branco por dentro e dá para comer; Cabelo de Bombril.

Os apelidos depreciativos que vimos de analisar são rótulos colocados de fora. Vimos que, quando o critério de base para a classificação é a cor da pele ou o local de nascimento, as pessoas são atingidas  independentemente de quem sejam. Uma vez classificadas, elas são homogeneizadas, perdendo, por força desse mecanismo, atributos pessoais. Muitas vezes o apelido que até dá para engolir, que desagrada, mas acaba sendo consentido – ou seja, tolerado –, é carregado com a pessoa através dos anos de escola.

O cognome que pega integra a pessoa:

 em situação ruim ou boa as pessoas continuam chamando pelo apelido, pelo menos comigo é. E aí o único jeito é se conformar com isso; ...já virou forma de me cumprimentarem.

Há situações, qualificadas pelos de dentro como horríveis, em que a menina ou menino são chamados pelo apelido na frente dos outros, bem alto.

Existem ainda outras direções que podem ser adotadas para a compreensão da atribuição de  apelidos. Block e Buckser argumentam que a quintessência do apelido é sua ambigüidade. (1996: 77) Três dimensões inerentes à atribuição de apelidos têm sido pouco estudadas: a representação negativa ou inversão simbólica, a comicidade e a ambigüidade. (Block e Buckser 1996 :80-81). Segundo estes autores, os apelidos são usados  nas costas das pessoas e raramente na frente, a não ser que se queira ofendê-las. As pessoas em geral sabem que, tão logo elas e aqueles que as acompanham se ausentam, elas são identificadas pelos apelidos e não pelos nomes próprios ou pelos sobrenomes. São esses aspectos que tornam os apelidos semi-secretos, semipúblicos, conferindo-lhes, assim, um caráter ambíguo ( 1996: 78) 

Na escola, as pessoas são designadas pelos seus apelidos quando a professora não está na sala. Em brigas, os apelidos entram ao lado de outros xingamentos, com a intenção de ofender. Como assinalam esses autores aos quais vimos nos referindo, os apelidos contrastam dramaticamente com os nomes oficiais porque focalizam os atributos que não favorecem as pessoas; são representações e identificações negativas. (Block e Buckser 1996 :78, 80)

O melhor exemplo deste contraste são os cognomes baseados em: a) uma característica física vista como um defeito visível  Valéria Pau de Varal; Tucano; b) na origem étnica – Caixotinho de Carvão, Churrasco Queimado, Prestígio e  Jiraya, Jibam, Jaspion (...), Toshyro, Shybuya.

Os apelidos, ao contradizerem as normas, estão falando sobre o que é considerado correto para o grupo social em questão. Seu caráter secreto, privado,  torna-os também um mecanismo poderoso que atinge a todos independentemente de status e de hierarquia. Eles também manifestam a tensão entre a sociabilidade privada, familiar, e a pública. São aceitos quando são diminutivos do nome próprio, ou quando são uma composição com sílabas e/ou letras do nome. Também o são  quando são dados em casa, pelos familiares.

A ambigüidade do apelido está expressa na dicotomia encontrada na classificação  que separa o apelido carismático, carinhoso, de bom gosto, saudável, engraçado, sem tirar sarro, sem má intenção, do apelido feio, por zoeira, indesejável, de mau gosto.

Está também manifestada nestas avaliações: 

– ele é nem muito mau nem muito bom;

as pessoas têm raiva quando recebem alcunhas, mas dão apelidos para outros porque acham engraçado, ou, ainda, devolvem o xingamento porque não podem ficar caladas. E mais:  dar apelido é “da hora”, mas receber é um saco.

 A ambigüidade aparece, além disso, nestas afirmações e avaliações: ninguém é perfeito e isso nós leva na esportiva.

Apelidos alegram a galera, e são modos de xingar brincando. Esta definição  remete tanto ao seu caráter ambíguo, quanto à sua comicidade:

  “ As attacks on control and formality , they provoke laughter. Indeed, as informal attacks on something formal (hierarchy, order, status, role, classification, etiquette - any dominant cultural code), a nickname can be understood as a play upon form, that is, as a joke or, rather, the punchline of a joke. (1996: 78)

     Os  significados implícitos do apelido – sua qualidade metafórica, seu duplo sentido e sua ironia, sua paródia e seu jogo com palavras (Block e Buckser 1996: 82) – podem ser compreendidos nessa nossa pesquisa nas escolas, na medida em que temos condição de contextualizar esse mecanismo. Já podemos adiantar algumas hipóteses, porque embora nossos dados sobre as relações em que estão envolvidos aqueles que dão e aqueles que recebem alcunhas ainda sejam parciais, já temos algumas informações suficientes sobre a cultura local, e estamos além disso apoiados em  diferentes produções dos alunos e das alunas. [14]

Em relação à cultura local :

a) No bairro onde estão as escolas, o tráfico e o consumo de drogas fazem parte da vida cotidiana. É a este contexto que deve ser referido o apelido de Carreira:  

    Eu tenho um irmão que se chama (...). Quando ele era pequeno o meu pai colocou o apelido dele de carreira e ele foi crescendo e as pessoas nas ruas chamava ele de carreira. O meu pai colocou o apelido do meu irmão de carreira porque ele ia no bar e qualquer lugar que ele mandava ele ia bem rápido e esse apelido pegou nele que até hoje os amigos dele só chama ele de carreira. Só que ele não gosta desse apelido, porque tem malandro que quando fuma drogas eles falam passa a carreira e ele acha um apelido muito chato, mas meu pai não pensou nisso e ele gosta que as pessoas chamam ele pelo nome ...   (menina da 7a série.)

b) O apodo com nome de jogador de futebol, conferido às meninas que praticam esse esporte, remete aos padrões de gênero dos grupos sociais aos quais elas pertencem.  Na faixa de idade de 11, 12 anos, as meninas e os meninos estão entrando na adolescência. O apelido reflete a ambigüidade própria dessa etapa da vida. Ainda não se é plenamente adolescente e também não se é mais criança. Nessa etapa  a tensão sobre a construção de gênero é maior. Eu fico triste – esta foi a opinião de uma  aluna negra de 13 anos sobre estes  apelidos que recebeu na escola:   Carla Peres, porque eu tingia o cabelo de loiro. Vera Verão, porque tenho o cabelo curto; Ronaldinho,  porque  jogo futebol. [15]

Uma   menina branca  chamada de Tupanzinho pelos colegas de escola, diz ter recebido este  apelido    quando eu brigava com os meninos. Eles sabiam que eu odiava esse apelido e, para me provocar, me chamavam de Tupanzinho. Porque o meu cabelo tinha o corte igual ao dele e também porque eu era baixinha e branquela como Tupanzinho, ex-jogador do Corinthians.

Mostraremos como alguns trechos de  poesias escritas na aula de português reforçam esses argumentos.     O menino se sente forçado a namorar, quando tem mais vontade de brincar, de jogar futebol:

...

Gosto mesmo é de brincar,
faça chuva ou faça sol.
Namorar não quero mais:
eu prefiro o futebol ! ... (R.C.R., 6o B , 14 anos,  negro)

 A menina, por sua vez, se vê em desvantagem  porque não pode se vestir como quer e/ou usar um corte de cabelo parecido com o dos meninos :

...

Ser menina é um droga
meninos se vestem como querem
se vão de chinelo para a escola,
ninguém repara, mas se for a
menina todos reparam....(R.M., 60, 13 anos, negra)

É interessante observar como as questões de gênero aparecem nas produções dos meninos. Desde cedo os meninos são confrontados com a censura social a respeito do que significa desrespeitar os limites da esfera de atividades destinadas culturalmente a seu gênero.

     História: Não gosto de futebol:

     Tudo começou numa tarde de domingo Pelada (Futebol) na rua todo mundo agitando com os jogo da Seleção. Com toda essa agitação tinha gente não contente com a Vida.

     Bem então vamos entrar na história Júlio era um menino que não gostava de futebol mas o pai insistia em colocalo  na Pelada da rua.Porisso Júlio faltal com o respeito com o pai afinal de contas ele não é obrigado a gostar.Os Homens no Bar falaram “menino que não gosta de futebol é mariquinha”.Então nervoso com isso em meio a todos Espressou o que sentia colocando Varios ideais e lógicas naquele lugar tão preconseituoso.

      Júlio deixou um exemplo para nós (Lute pelos seus ideais). -F. 6a série, branco- [16]

São  avaliações como estas as de F.  que apontam, no comportamento e na opinião dos meninos e das meninas,  aspectos culturalmente considerados femininos e masculinos. Algumas pessoas como F. têm consciência disso e, cientes do preconceito que os cerca, procuram lutar pelos seus ideais, não para rejeitar e extirpar características vistas como próprias de outro gênero, mas para integrá-las.[17] A atitude desse menino talvez seja uma exceção, pois na adolescência a construção cultural de gênero é determinada por expectativas rígidas.[18]

Partes dessas questões que vimos apontando estão ainda melhor explicitadas  no texto Essa estória fala sobre o racismo , de autoria de uma menina negra  da 6a série, e em outras versões para esta mesma estória que pedimos para os alunos e as alunas escreverem.  Denominamos este próximo tópico de  Histórias sobre racismo.

 

Histórias sobre racismo

Tomamos um texto ilustrado (A)  – “Essa estória fala sobre o racismo” – produzida por uma menina negra da 6a série e reproduzimos o seu conteúdo, eliminando, porém,  algumas partes. Circulamos esta história pelas classes. Nossa idéia é obter outras versões dessa história para desse modo captar as representações dos/as adolescentes sobre os/as negros/as -cf. método de pesquisa indicado na Introdução deste texto. Chamamos a atenção do leitor e da leitora para o texto original onde a autora não coloca o que a professora teria dito para o aluno que foi procurá-la. Nas novas versões, portanto, temos como eles e elas imaginam o que a professora teria dito. 

Reproduzimos em primeiro lugar o conteúdo original , ilustrado, do texto (A), e segundo lugar o  conteúdo deste texto, sem ilustração (B), e por último a versão que circulamos pela classe (C) para ser completada, originando outras versões para a mesma estória.

 

Texto  (B)

Essa estória fala sobre o racismo.
Era uma vez um menino chamado Júlio, ele era negro, e só ele era negro naquela escola.
Ele vivia sozinho. E os brancos idiotas só viviam falando dele pelas costas
[ -Como ele é feio]
[- é mesmo;- e burro]
Então bateu o sinal para ir para a sala de aula. E todos foram para a sala de aula. E os brancos não pararam de olhar para ele. Então ele resolveu sair da escola, mas sua mãe não deixou e ela disse: [-Meu filho, você tem que aguentar mais, não tem uma outra escola]
 -E então ele resolveu treinar box, para ver se os brancos respeitavam ele um pouco, e foi, mas os professores falaram que não tinha jeito ele era um fracote, ele ficou muito triste
[Você não tem jeito, você é muito fraco]
 E ele foi conversar com a professora. E ele disse: [-Sabe professora eu estou cansado desses moleques, eles me ignoram só por causa da minha cor.]
E sua professora disse: -Olha, eu queria saber por que você estava fazendo aquilo, de ir a uma academia, o que você foi fazer lá ? E ele disse:  -Eu fui ver se eu conseguia ficar mais forte  para ver se esses moleques me respeitavam um pouco E sua professora disse:[ -Olha eu vou te falar como você pode derrotar aqueles moleques, você pode derrotá-los só com o falar [E ele disse : -como assim ? E a professora lhe explicou tudo
E ao passar alguns dias estava junto com eles brincando, e todos ficaram felizes para sempre Fim !!!

Nota: os trechos entre colchetes são aqueles que, no texto original, ilustrado (A), estão representados como falas dos personagens.

 Texto (C)

Essa estória fala sobre.........Era uma vez um menino chamado Júlio, ele era negro, e só ele era negro naquela escola. Ele vivia sozinho. E os brancos idiotas só viviam falando dele pelas costas: -.........................
Então bateu o sinal para ir para a sala de aula. E todos foram para a sala de aula. E os brancos não pararam de olhar para ele. Então ele resolveu sair da escola, mas sua mãe não deixou e ela disse: -Meu filho, você tem que aguentar mais, não tem uma outra escola. E então ele resolveu treinar box, para ver se os brancos respeitavam ele um pouco, e foi, mas os professores falaram que não tinha jeito ele era um fracote, ele ficou muito triste.
-Você não tem jeito, você é muito fraco.
E ele foi conversar com a professora. E ele disse: -Sabe professora eu estou cansado desses moleques, eles me ignoram só por causa da minha cor.
E sua professora disse: -Olha, eu queria saber por que você estava fazendo aquilo, de ir a uma academia, o que você foi fazer lá ?
E ele disse: -Eu fui ver se eu conseguia ficar mais forte  para ver se esses moleques me respeitavam um pouco.
E sua professora disse: -Olha eu vou te falar como você pode derrotar aqueles moleques:.
(Dar um fim para a estória)
-Texto adaptado da redação de uma aluna da 60 B - Escola EPSG F BF 1998- c/ autorização da autora.
 

De um modo ainda  preliminar podemos destacar nas diferentes versões (C) de “Essa estória fala sobre o racismo”, algumas questões que também aparecem na pesquisa sobre apelidos.[19] Na conclusão cotejaremos essas questões e indicaremos que implicações elas têm para o nosso projeto. Chamamos atenção para como as versões escritas por adolescentes negros e mestiços trazem informações importantes sobre as representações que estes fazem sobre como os brancos os vêem.

Na síntese que se segue, procuramos colocar, sempre que encontramos este tipo de informação nos nossos dados, lado a lado, versões escritas por brancos e por negros e mestiços.

a) Coisificar os negros: - negros que utilidades eles teêm ? (R.S.S., 6a B, 13 anos, mulato) .

b) Silenciar sobre  preconceito, discriminação e racismo. Mecanismo manifesto, tanto na atitude dos alunos brancos:   todos olhavam como ele não estive-se ali. (L.G.L, 6a B, 12 anos, branca); quanto nos conselhos que a professora deu para o menino discriminado: -Não ligue para o que eles falem você tem que ser muito forte basta você ficar quieto  e deixar eles falar o que quiser por que os brancos não tem nada o que falar, (C., 60 B,14 anos, branca ); -Você pode ignorá-los até eles se cansarem. (M.R.J.S.,6o A, 14 anos, negra )

c) A cor preta contamina, suja, polui física e socialmente.  Estes comentários que se faziam nas costas do menino Júlio vêm ao encontro dessas constatações:   -Ha, esse negro nogento, acho que nem toma banho, por isso ele ficou assim, escuro, Ah! Ah! Ah!   esses pretos eu odeio pretos, vamos ates que ele nos contamine (S.R.B., 60 B, 12 anos, branca); - Esse negro e muito feio e idiota que tal a gente i lá e falar com ele Branco ? Não, não é você esta maluca aquele negro tem doença horriveis (R.A, 12 anos, 60 B, negro).

d) Existem lugares socialmente predeterminados para cada categoria social e étnica. Esses lugares, quando ocupados indevidamente por categorias consideradas desiguais, revela uma ignorância que estas têm da  própria inferioridade, como atestam estes comentários que se faziam nas costas do menino Júlio:

  - Ele é negro e eu não gosto de negro. Porque ele não vai estudar numa escola só para negros (C.G. da S., 6a A, 13 anos , fem., tem ascendência indígena);    favelado tem que morrer burro e não estudar como os brancos. (G. , 6a B, 14 anos, mulato );

e) Os conselhos dados pela professora mostram as representações sobre o que é almejado pelos adolescentes negros: vencer a discriminação e o racismo  para conseguir conquistar a confiança, a amizade, e o respeito dos colegas. Visa-se felicidade, superioridade de status e igualdade com os brancos:  - Vai atras até eles converçarem com você, como  se fosse um deles. (T.de M.V., 6o B, 12 anos, branca).

f) As soluções encaminhadas pelas professoras indicam o que os negros devem fazer em relação aos brancos  para atingir esses objetivos: conquista do respeito dos brancos através do estudo, ignorar as ofensas, conversar e não brigar, persistência na procura de contacto, apostar nas próprias qualidades, tais como caráter, educação, criatividade, responsabilidade, bondade, sabedoria, que devem ser usadas como instrumentos para enfrentar a discriminação,  para mostrar que não é inferior, e para provar aos brancos a beleza da cor negra.

g) O caminho para vencer os brancos passa por essas conquistas identificadas por nós nas histórias. Autoconscientização da igualdade das pessoas independentemente da cor da pele:   -Se cor fosse defeito Deus não colocaria nós no mundo, e pelo que eu sei quem tem defeito nace sem olho, sem braço ou perna, e eu tenho tudo isso e fucionam perfeitamente, e eu tomo banho sim. (S. R.B., 60 B, 12 anos, branca). Conscientização da beleza da própria cor; conscientização dos atributos positivos, educação, caráter, responsabilidade; aposta na formação escolar que conduz ao ensino superior o menino Júlio se formou em advogado e teve um futuro feliz; inculcar nos alunos brancos o medo da vingança dos adultos.

   Então Julio estudou direto e reto quando ele fez a prova tudo sertinho os brancos pediu cola para ele só que não deu, mas deu uma resposta bem boa para eles a resposta foi a seguinte você não falaram que eu era nego e discriminavam a minha cor então tratem de estudar por que o negro a qui é esperto falo. Os meninos ficaram de boca aberta e nunca mais ignoraram o pobre Júlio.
ass: G. C. de O. ,6o B,15 anos, mulata)

Nota-se como não há nenhuma solução de cidadania, de solução em grupo e em organizações formais ou informais. Adquire-se essa igualdade através do esforço individual: estudando muito para superar ou igualar os brancos pela inteligência. Consegue-se isso não só através  de qualidades individuais, mas também com o apoio   dos adultos professora, pai, mãe.

h) O fim das histórias conduz aos seguintes desfechos: todos ficaram amigos; o respeito conseguido por um passou a atingir todos os meninos negros que chegaram na escola; todos ficaram com medo devido à ameaça da força física para intimidar; do medo relacionado à ameaças proferidas pelo pai do menino discriminado; adquirir respeito: E esses meninos passou a respeitar pelo menos um pouquinho; conseguir a amizade de quase todos.

Amizade, igualdade, respeito não são conseguidos totalmente, fica-se no quase – fato que lembra o diagnóstico de Milton Santos  de que os negros não são minorias, mas são minorizados. (Imagens, no 4, abr.95 :p.120)

A conclusão mais radical porém, foi que diante da sensação de impotência ocorreu uma  alteração da cor da pele. O racismo atinge, assim,  a pessoa.

 “Essa estória fala sobre Julio o negro.

   Era uma vez um menino chamado Júlio, ele era negro, e só ele era negro naquela escola. Ele vivia    sozinho. E os brancos idiotas só viviam falando dele pelas costas:

   -.Esse negro e muito feio e idiota. que tal a gente i la e falar com ele Branco ? Não, Não é você esta maluca aquele negro tem doença horriveis. ...

     E sua professora disse:

  -Olha eu vou te falar como você pode derrotar aqueles moleques:

  Você não pode ligar para eles e deixarem eles falarem sozinhos, não adiante você ficar treinando box e nem nada que não vai adiantar nada proque eles são muitos e também são muitos grandes para você bater
  (dar um fim para a estória)
No fim o negro fez uma plastica branca para ficar branco como os outros amigos.
(R., 6o B, 12 anos, negro)

Em duas histórias os/as autores/as  invertem a situação vivida pelos adolescentes negros e pobres:

 - 10-  Os meninos ficaram com muita vergonha porque o menino negro e feio virou um engenheiro e dono de um restaurante. E aqueles meninos brancos foram [no] restaurante do Júlio lavar prato.(L., 6o B, negra).

  - 20 - Essa estória fala sobre Preconceito Racial.

     Era uma vez um menino chamado Júlio, ele era negro, e só ele era negro naquela escola. Ele vivia    sozinho. E os brancos idiotas só viviam falando dele pelas costas:

   -Favelado tem que morrer burro e não estudar como os brancos.
- Ele deve ter fumado [...] que nem sabe [...] onde está ...

 E sua professora disse:

-Olha eu vou te falar como você pode derrotar aqueles moleques:

-Eles são todos uns palybosinhos, eles nunca resolveram um assunto sem chamar o pai deles. Um jeito facil de derrotalos, é mostrando a esperteza que só tem aqueles que está cansado de apanhar.
 (dar um fim para a estória)

Então Julio foi [...] uma boca de fumo e comprou com trabalho 100 gr de po de estrela, e colocou nos ficharios dos alunos que zombava dele, e foi chamar a policia. (vai completar um ano que eles estão na febem).
(G. A. 60 B,14 anos, mulato )

i) As soluções encaminhadas pelas meninas para“Essa estória fala sobre o racismo”  a “História do Júlio” parecem diferentes das dos meninos. Como por exemplo:

    você tem que dar um fim nessa história você já sabe, o que fazer basta você ser um menino muito     estudioso e muito legal por que não só é o branco que é educado como também os brancos gente tem que ter muita dó dos pretos.
Essa é uma história sobre o racismo.
(C., 60 B,14 anos, branca )

 Vem das  meninas o conselho para o menino discriminado: use sua inteligência, sabedoria e bondade para derrotar os colegas brancos. A bondade e a pena são sentimentos que foram evocados pelas meninas da sexta série que completaram “Essa estória fala sobre o racismo” a história do Júlio.

O final viveu feliz para sempre é  indicado por meninas, assim como ficaram  amigos  aparece mais entre elas. O mesmo pode ser dito destas formas de interação com a professora em busca de uma solução para a discriminação: acatando as sugestões da professora; chamando-a para intervir diretamente na situação ocorrida na escola e na   casa da adolescente; relatando que o menino discriminado foi agradecer à professora; indicando que os alunos brancos foram pedir desculpas a ela; no final da história a intervenção da professora é decisiva para um desenlace feliz.

j) Parece que a interação com o adulto é mais uma característica das meninas: são delas  os relatos em que, além da intervenção direta da professora cf. exemplos acima –, ocorreram atuações do pai ou da mãe. Como por exemplo:

-Quando eles mexerem com você diz que você vai chamar o seu pai, só que você chama mesmo para conversar com eles
(dar um fim para a estória)

Júlio disse tudo à seu pai, seu pai foi e falou com eles que se não parassem iriam pagar muito caro com isso. E eles ficaram com medo e não mexeram mais com o Júlio.(M.R.J.S.,6o A, 14 anos, negra )

Os meninos quando mencionam uma interação com a professora ou com outro adulto é no sentido de Julio ouvio a professora e sigil as dicas da professora.

A  saída mais rara, apelar para a força física, que também é condizente com a lógica da “estória”  original (A),  só é encontrada nas versões da História  escritas pelos meninos.    Vejamos este trecho:

-E sua professora disse:

-Olha eu vou te falar como você pode derrotar aqueles moleques:

você vai fazer ginastica , exercicios e ter uma boa alimentação, ele começa o treino e até luta judo.
(dar um fim para a estória)

Ele chega na escola, os brancos começa rir da cara dele ele da um pau nos brancos os brancos sairam correndo .  

      

Considerações finais 

Ao analisarmos em conjunto a atribuição de apelidos,  trechos de poesias, diferentes versões para um texto  sobre racismo,   e redações, concluímos  que nessa escola as relações entre adolescentes jovens são tensas. São diversos os fatores que contribuem para esta situação, os que se seguem estão entre os mais importantes: a) a situação de passagem em que se encontram entre a infância e a vida adulta, que os torna especialmente vulneráveis à rigidez que se exige do desempenho dos papéis masculinos e femininos ; b) a pobreza em que vive a maior parte deles e que os coloca diante da dificuldade vivida pelo adulto à procura de emprego; c) a exposição às drogas e a vizinhança com o tráfico de drogas; d) a discriminação entre eles que separa favelados de moradores em prédios e em casas de blocos, como demonstra este exemplo: - Me chamaram de favelada, só porque eu morava num barraquinho e era humilde, não estudava, mas agora dei a volta por cima mostrei para todo(s) que sou pobre, sim, e humilde também, pois agora tenho uma casa de bloco, estou estudando e vou trabalhar também; e) o preconceito, a discriminação e o racismo por que passam os meninos e as meninas negras dentro da própria escola - como visto nos dois tipos de pesquisa que apresentamos - atribuição de apelidos e diferentes versões para um mesmo texto sobre racismo.

O cotejamento de parte dos conteudos  encontrados nestas duas pesquisas permitiu a identificação de preconceitos que estão na base de mecanismos que criam discriminações e levam à atitudes racistas. Entre os mecanismos mais importantes destacamos:

1) Coisificar os negros . Paolo Chiozzi ( 1994 : p.94) ao analisar as ftotografia realizadas por antropólogos durante o regime fascista na Itália,  mostra como nas fotografias racistas as  etnias fotografadas são tratadas como coisas, e enfatiza como este mecanismo tem uma capacidade intrísica de “ anular a sua ...(dos povos e etnias retratados)... dignidade de sujeito. É exatamente nisso que reside o núcleo fundante de qualquer forma de racismo” .

Os apelidos ,  café queimado, churrasco queimado, carvão e resto de incêncio, apontam nesta mesma direção.

2) A manutenção de relações assimétricas e desiguais entre  feminino e masculino e entre etnias, tal como pode ser verificado neste apelido dado às meninas negras - Prestígio, porque preto por fora e branco por dentro e dá para comer.[20]

3) Os processos que constroem e reforçam o racismo contribuem para atitudes de resignação dos dominados cf. por exemplo algumas reações, entre as quais a do silenciamento, do menino negro do texto “Essa estória fala do racismo” e a representação, em desenhos recolhidos por nós, de negros que são xingados, que apanham e que reagem chorando . [21]

4) O silenciamento, enquanto política de construção da desigualdade. O silêncio e a política do silenciamento estão simbolizados tanto pela atitude dos brancos   todos olhavam como ele não estive-se ali., como por estes conselhos dados ao menino da História do Júlio :

 -Sabe Júlio eu acho que você deveria ignoralos, quando eles ficarem dando piadinhas você fingi que entra num ovido e sai no outro.

-fingir que não ouve; finge que um cachorrinho está latindo; É só você não olhar para eles e ficar   sozinho [...] se você estivesse na sua casa brincando sozinho assim você vence e consegue muitos amigos.

Assim, o não-dito contém o dito: pelas costas, fala-se; pela frente, ignora-se. As atitudes de apontar, falar e ignorar estão relacionadas, pois remetem à política do silenciamento.

Temos aqui um dos “modos de se apagar sentidos, de se silenciar e de se produzir o não-sentido onde ele mostra algo que é ameaça.” (E.Orlandi, 1992:14)

E, ainda:

      “Há pois uma declinação política da significação que resulta no silenciamento como forma não de calar mas de fazer dizer ‘uma coisa’, para não deixar dizer ‘outras’. Ou seja, o silêncio recorta o dizer. Esta é sua dimensão política.” (E. Orlandi, 1992: 55). [22]       

 

Bibliografia 

Abaurre, Maria Bernadete Marques, 1997, Cenas de aquisição da escrita: o sujeito e o trabalho com o texto. M.B.M.Abaurre, R.S.Fiad., M.L.T. Mayrink-Sabinson. Campinas, SP: ALB/ Mercado de Letras .

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[1]  Projeto FAPESP/UNICAMP, PAGU e Departamento de Antropologia

[2] Esta é uma segunda versão  -reduzida em dados etnográficos, mas com a inclusão de um texto ilustrado-  da comunicação apresentada no GT 1: “The Social Anthropology of Race, Class and Gender” -  org. Cecília MacCallum. Procuramos aqui responder a algumas das perguntas que nos foram colocadas no GT.

[3] Vejamos estes dados em relação à um aspecto da escolarização, o acesso à universidade: “Poderíamos traçar a lista das cidadanias mutiladas neste país [....] Cidadania mutilada na educação. Quem por acaso passeou ou permaneceu na maior universidade deste estado e deste país, a USP, não tem nenhuma dúvida de que ela não é uma universidade para negros.”, Milton Santos, in: J. Lerner, 1996/1997, O preconceito: pp.134 . Segundo Lilia Schwarcz: entre os 50.000 estudantes da USP o número de negros é inferior a 2%  (1996 :173,174).

[4] Esta é uma avaliação de Paulo Singer (1996 : 82, 83, 91-6) que afirma que  dependendo do enfoque adotado, “individualista” ou “estruturalista”, chega-se a  cenários opostos quanto à exclusão social no Brasil (p. 112).

[5] Porque  vivermos em uma sociedade orientada pelo mito da democracia racial (L. K.Schwarcz, 1993), esse registro objetivo da realidade não tem apresentado implicações na prática pedagógica. O silêncio é também conseqüência da dificuldade dos profissionais  de tratar da temática étnica em sala de aula (cf. entre outros, Cavalleiro, 1998). A essas práticas soma-se a produção de textos didáticos que veiculam preconceitos (cf.,entre outros,  A.L.da Silva, 1987 e  R.P.Pinto, 1987).

[6] Optamos por situar nossa temática no campo das relações interétnicas. Lidamos com “raça” enquanto categoria  êmica: o cotejamento de informações obtidas nos discursos de alunos, alunas, professores e professoras, permitirá que cheguemos a uma análise do significado dessa categoria para esses sujeitos.

[7] Coordenação geral: Ana Maria de Niemeyer; coordenação nas escolas: Maria José Santos Silva; orientador da oficina de vídeo: Jeferson De; pesquisadoras: Andréa Martini, doutoranda/UNICAMP  e Daniela do Carmo, mestranda/UNICAMP; psiquiatra, diretor da oficina de Teatro de Reprise e Música: Claudio Pawel. Junto com esta equipe trabalham 8 professores e professoras das escolas que são bolsistas da FAPESP. Período: novembro de 1997/novembro de 2001.

[8] Ver Niemeyer, 1998, para o uso de recursos visuais em pesquisa com migrantes favelados.

[9] Na Oficina Vídeo na Escola,  ensinamos os/as estudantes a manejar a filmadora e a produzir seus próprios roteiros e vídeos,  estamos inspirados no trabalho Vídeo nas Aldeias, realizado pelo CTI /Centro de Trabalho Indigenista . Na Oficina de Teatro de Reprise e Música, nosso objetivo é  formar um pequeno grupo de atores e atrizes que representa histórias contadas pela platéia . A música é criada e desempenhada por esse mesmo grupo de acordo com a história que está sendo representada. Assim, eles e elas recriam no palco assuntos relacionados  ao seu cotidiano na escola,  no bairro e na cidade.

[10] Todas as informações introduzidas como resultado dessas pesquisas foram obtidas no decorrer do primeiro semestre de 1998,  pela professora Márcia Amaral Lucas, professora de português da escola EEFMFBF.

[11] Questionário aplicado em sala de aula pelas professoras bolsistas do projeto:
“Indicar nome, e apelido se tiver mais de um coloque-os  também. Quais são as pessoas que chamam você pelo nome. Quais são as pessoas que chamam você pelo apelido. Apelidos que recebeu, que recebe, por quem, quando, onde (casa, escola, etc). Por que acha que recebeu este apelido. O que acha do(s) apelido(s) que deu ou que está dando: a quem, quando, por quê?”  Foram analisados 345 questionários.

[12] As redações, poesias, letras de rap e histórias dos alunos e alunas estão apresentadas aqui sem correções. Notamos uma tendência das professoras em corrigir a ortografia dos trabalhos antes de entregá-los para nós, o que, com frequência, altera o sentido do texto Mostramos para elas como o modo como os alunos  expressam suas idéias é uma fonte de pesquisa importante. Ficou combinado que a correção de português seria feita junto com os autores e autoras numa etapa posterior. Também discutimos com elas como realizar essas correções, recorrendo à leitura dos trabalhos de  Abaurre, Fiad e Mayrink-Sabinson (1997) sobre o processo de aquisição da representação escrita da linguagem.

[13]  Consultar o estudo.de Maria Suely Kofes de Almeida, 1976 , para uma reflexão pioneira sobre  questões étnicas entre moradores de uma vila de habitação planejada em Campinas.

[14] Em relação aos apelidos há ainda todo um campo a ser explorado: por exemplo, o que revelam a respeito das relações interétnicas na escola; o que o apelido que demonstra afeto e o apelido que rotula e afasta transmitem sobre as diferenças e semelhanças, na construção de identidades (individuais e coletivas).

[15] Nota: Vera Verão  é  um travesti, personagem do programa de TV A Praça é Nossa.

[16] Texto produzido na Oficina de Vídeo em1998 -Escola EEFMFrancisco Brasiliense Fusco.

[17] O menino F., para usar termos de Miguel Vale de Almeida, estaria lutando contra valores  da masculinidade hegemônica. (1995: 242).

[18] Miguel Vale de Almeida em estudo sobre masculinidade numa aldeia portuguesa,  comenta que o efeito principal dos discursos relativos aos valores da masculinidade hegemônica é o controle social. : Controlo que se exerce tanto mais sobre os homens concretos, quanto mais eles se afastarem do modelo hegemónico. Isto implica um alto grau de autocontrolo ou vigilância, que se aplica a todos os domínios da experiência humana em interacção:  o modo de falar, o que se diz, o modo de usar o corpo, a roupa, as atitudes a tomar perante situações de tensão, conflito, emotividade, visíveis nas situações de sociabilidade que apresentei e analisei  (1995: 242).

[19] As informações trabalhadas aqui foram retiradas dos questionários elaborados pela profa. Márcia Lucas. É também de sua autoria a classificação dos alunos e alunas quanto à cor -sinalizamos em itálico as categorias usadas por ela. O sistema classificatório  é considerado um indicativo importante para que possamos entender o  significado de auto-classificações e de classificações de fora, como essas da professora que identifica etnicamente seus alunos e alunas autoras dos textos. Temos a intenção de verificar, à medida em acumulamos informações, o que  as categorias empregadas estão  indicando quanto a principios classificatórios e quanto à ideologias, levando em consideração que acionamos situacionalmente categorias que entram na classificação das relações interétnicas. Estamos realizando pesquisas que possibilitem uma compreensão mais adequada do próprio sistema operado pelos alunos e alunas e pelos professores e professoras; a técnica de investigação, comentada neste texto,  que introduz diferentes versões para um texto sobre racismo é um exemplo.

[20] Prestígio é a marca de um tipo de chocolate da Nestlé que é feito de coco por dentro e é coberto por chocolate.

[21] Ao refletir sobre o princípio classificatório que separa feminino e masculino  Miguel Vale de Almeida formula  estas idéias : Aquela classificação não é neutra ou inocente. É  valorada. A relação entre feminino e masculino não é como as duas faces de uma mesma moeda, mas sim assimétrica e desigual. Legitima uma forma de dominação, em que o gênero da pessoa marca ascendência ou submissão social, à semelhança da classe social, da idade, do status . Mas é uma forma de ascendência social que se reproduz na base de um processo de naturalização: a desigualdade entre homens e mulheres não é vista como um processo social mas como uma realidade ontológica. Os dominadores não têm  “complexo de culpa”, as(os) dominadas(os) resignam-se. (M.V. de Almeida, 1995: 242) 

[22] Silenciamento remete à política do silêncio, a todo um campo em que se permite e se proíbe falar, em que se dá voz e se retira voz,  em que se diz alguma coisa, para impedir que se diga outra, campo este que se inscreve na retórica da dominação e na retórica do oprimido (E.Orlandi 1992: 30,31,75,105).  Orlandi defende a idéia de que o silêncio é condição do significar,  tira-o da posição secundária em que se encontrava nos estudos da linguagem, distingue-o do implícito, do subjacente, e livra-o do sentido ‘passivo’ e ‘negativo’ que lhe foi atribuído nas formas sociais da nossa cultura. E, assim, liga o não-dizer à história e à ideologia (1992: 12).  A autora trabalha no campo conceitual da Escola Francesa da Análise de Discurso.( 1992: 180-81; 1996: 210).